Donald Trump deu, nesta quarta (25), ordem para que um muro gigantesco, separando os Estados Unidos e o México, comece a ser erguido. Na verdade, que continue a ser construído – uma vez que parte dele já foi colocado por administrações anteriores. Considerando as barreiras já existentes, o conjunto deverá ter cerca de 3 mil quilômetros no total. Uma sandice monumental que, veja só, poderá ser vista do espaço.
Dou o braço a torcer: apostava que ele não seria capaz de tal idiotice, prometida repetidas vezes na campanha eleitoral a fim de enganar os incautos que culpam os ”de fora” pelos próprios problemas sociais, econômicos e de segurança interna.
Muros assim são um símbolo da ignorância humana. Mais do que cimento e/ou aço, são instrumentos que auxiliam na construção do discurso do medo – que brada que o outro, o bárbaro, precisa ser mantido à distância para o bem da sociedade. Na verdade, contudo, quem está sendo controlada é a sua população.
E a própria economia. Pois, ao ameaçar impor taxas sobre produtos mexicanos para financiar o muro, ele pode estar dando início ao desmonte do tratado de livre comércio da América do Norte (Nafta). Trump parece burro, mas não é.
O sentimento de proteção entregue por muros altos, cercas eletrificadas, circuitos fechados de TV e seguranças particulares é uma ficção do autoengano. Na prática, voltam-se contra seu criadores. Que acham que deixam os perigos de fora quando, na prática, transformam a própria vida em uma triste prisão.
Por outro lado, o aumento da migração de pessoas por esperança ou desalento – fugindo de guerras e de catástrofes ambientais, econômicas e sociais – para um país com maior oportunidades de emprego e maior qualidade de vida tem mostrado o que certas nações têm de pior.
Os Estados Unidos erguem um muro entre eles e o México para regular o fluxo de faxineiros, operários e serventes. Na Inglaterra, brasileiros levam bala no metrô. Na Espanha, turistas, se piscarem, são tidas como profissionais do sexo (com todo o respeito a elas) querendo invadir o território. Parte da União Europeia transforma o Mediterrâneo em um cemitério ou dá rasteira em famílias que fogem da guerra.
O que poucos contam é que parte das guerras e das catástrofes ambientais, econômicas e sociais que levaram à migração foram causadas por governos e empresas de países que, agora, fecham as portas a essas pessoas.
Em todo o mundo, culpamos os migrantes por roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos porque é mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz (apesar de darem braços para gerarem riqueza para o lugar em que vivem) do que criar mecanismos para trazê-los para o lado de dentro do muro que os separa da dignidade – que, inclusive, gera recursos através de impostos.
Grande parte desses migrantes faz o trabalho sujo que poucos querem fazer, limpam latrinas, recolhem o lixo, extraem carvão. Até porque os países que recebem esses trabalhadores ganham com sua situação de subemprego e o não pagamento de todos os direitos. Não se enganem: a porosidade de fronteiras ajuda na regulação do custo de mão de obra.
Também gostamos muito de erguer muros por aqui, concretos ou simbólicos.
Em São Paulo, por exemplo, a xenofobia tem perdido a vergonha e brotado do esgoto. Ataques violentos a bolivianos e haitianos foram registrados. Pedidos de devolução de refugiados sírios são lidos nas redes sociais.
Se centenas de milhares de bolivianos, paraguaios, haitianos, senegaleses, chineses fossem às ruas, bloquear São Paulo, pedindo para que fossem respeitados como os estrangeiros ricos que vêm trabalhar na cidade, seriam duramente reprimidos. Deportados até.
E muitos autointitulados ”cidadãos de bem”, que consideram que o tratamento que os EUA dispendem aos seus migrantes, com deportações e muros, é o ó do borogodó, ficariam incomodados com protestos de nossos migrantes. ”O que eles querem mais? Calem a boca e continuem costurando!” Como sempre foi até agora.
Por fim, logo após a fundação da vila de São Paulo, José de Anchieta, com a ajuda de índios catequizados, ergueu um muro de taipa e estacas para ajudar a mantê-la ”segura de todo o embate”, como descreveu o próprio jesuíta. Sim, São Paulo já foi uma cidade fisicamente murada. Os indesejados eram índios carijós e tupis, entre outros, que não haviam se convertido à fé cristã e, por diversas vezes, tentaram tomar o arraial, como na fracassada invasão de 10 de julho de 1562. Tecnicamente, porém, os invasores eram os brancos portugueses. Mas a história é contada sempre pelo lado do vencedor.