História da resistência indígena: 500 anos de luta – livro de Benetido Prézia

Cimi

Será lançado em agosto o livro História da resistência indígena: 500 anos de luta, de Benedito Prezia. O trabalho reúne episódios das lutas indígenas escritos para o jornal Porantim, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Benedito Prézia trabalhou no Cimi de 1983 a 1991, é mestre em Linguística Geral (USP) e doutor em Ciências Sociais (PUC-SP). Em 2001 participou da fundação do Programa Pindorama para indígenas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), sendo seu atual coordenador. 

“Este livro traz a visão guerreira de nossas comunidades que enfrentaram um genocídio não só físico como também cultural, pois muitos grandes lutadores tiveram seus nomes escondidos pela história oficial”, escrevem no prefácio do livro os indígenas Alexsandro e Amaro Cosmo de Mesquita, do povo Potiguara.

A obra será lançada pela Expressão Popular no dia 5 de agosto, às 16 horas, na livraria da própria editora, em São Paulo.

Sinopse do livro

“A conquista da América foi palco de um grande genocídio, talvez o maior da História da humanidade, quando cerca de 70 milhões de pessoas foram exterminadas. Não sem razão Tzvetan Todorov escreveu que “nenhum dos grandes massacres do século XX pode comparar-se a essa hecatombe”.

Se começamos a ter consciência dessa destruição ocorrida em nosso continente, ainda pouco se sabe sobre os 500 anos de luta dos povos indígenas no Brasil. Apenas um ou outro episódio se destaca na história oficial. De outro lado as informações são poucas e esparsas, geralmente obtidas através de textos escritos muitas vezes na perspectiva do vencedor, isto é, da sociedade dominante.

A história real de resistência e luta desses povos continua de certa forma desconhecida. Os personagens, os locais, as datas dessas lutas são geralmente ignoradas pelos brasileiros. Recentemente, começou-se a fazer um resgate deste passado e este livro quer ser uma contribuição para essa retomada histórica. Ele começou a ser gestado em 2005 quando o autor voltou a escrever episódios das lutas indígenas para o jornal indigenista Porantim, do Cimi, em Brasília.

Foram, portanto, 12 anos de pesquisa e garimpagem em textos históricos, nem sempre de fácil acesso. Este livro foi escrito de forma simples, visando, sobretudo, as lideranças e os professores indígenas para que tivessem um instrumental a mais na luta de resistência. Foi uma forma de devolver às comunidades indígenas parte do seu passado resistente.

O livro destina-se também aos militantes das causas sociais, para que recuperem a luta desses povos e que vejam, que apesar de vários tropeços, sempre buscaram defender sua terra e suas culturas. Por isso fica aqui gravada a frase que ecoou muito forte na época das comemorações dos 500 anos do Brasil: Reduzidos sim, vencidos nunca!”

Sobre o autor
Benedito Antônio G. Prezia, formado em filosofia, atua na questão indígena desde 1983, tendo trabalhado no Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Brasília, de 1983 a 1991. A partir de 1992 passou a ministrar a História da Resistência Indígena no Brasil no Curso de Formação Básica do Cimi. Em 1997, tornou-se mestre em Linguística Geral (USP), com o tema Os indígenas do planalto paulista, nas crônicas quinhentistas e seiscentistas, publicado pela Editora Humanitas (USP, 2ª. ed. 2010). Em 2008, doutorou-se em Ciências Sociais (PUC-SP), com a tese Os Tupi de Piratininga, acolhida, resistência e colaboração. Em 2001, participou da fundação do Programa Pindorama para indígenas na PUC-SP, sendo seu atual coordenador. É autor de vários paradidáticos sobre a temática indígena, como Terra à vista, descobrimento ou invasão (Moderna, 3ª. ed. e 30a reimpr., 2015); Marçal Guarani, a voz que não pode ser esquecida (Expressão Popular, 2ª reimpr., 2009) e Virando gente grande (4ª reimpr., 2014). É co-autor dos livros Esta terra tinha dono (FTD, 6ª ed. 2000), Brasil indígena, 500 anos de resistência (FTD, 2ª. ed. 2004), Povos Indígenas, terra é vida (Atual/Saraiva, 7ª ed., 2013) e A criação do mundo e outras belas histórias.

Apresentação do livro – por Alexsandro e Amaro Cosmo de Mesquita, do povo Potiguara

Estamos felizes com a publicação deste importante livro sobre nossa história. É uma obra que vem fortalecer as lutas indígenas atuais, pois não é um livro simplesmente do passado, mas ele mostra uma história da nossa resistência que dá força para enfrentar as lutas de hoje. Esse livro revela os 500 anos de dominação portuguesa e como os povos indígenas a enfrentaram, o que os livros tradicionais não trazem. Ele foi escrito a partir do olhar de alguém que sempre se preocupou em devolver o papel dos povos originários na construção do nosso país, pois esse autor é uma pessoa que há muitos anos vem lutando conosco.

Para nós, que somos indígenas da etnia Potiguara, é uma grande oportunidade para aprender sobre nosso passado, sobre as lutas ocorridas na Paraíba durante a colônia e nas lutas de outras regiões e que duraram até hoje. É também uma oportunidade para oferecer à população não indígena outra visão desse nosso passado, que foi por muito tempo escondido. Não podemos mais aceitar esse apagamento da nossa história, feito pelos historiadores contratados pela elite dominante, colocando nos livros didáticos apenas o que interessa a ela. Temos que mudar essa cultura que nos chamou durante muito tempo de “bárbaros” e “selvagens” e que nos classificou como povos sem cultura e sem história.
Este livro traz a visão guerreira de nossas comunidades que enfrentaram um genocídio não só físico como também cultural, pois muitos grandes lutadores tiveram seus nomes escondidos pela história oficial. Acreditamos que todo esse passado de luta vai ajudar a gente a recuperar essa memória, que durante muito tempo foi vista como perigosa. Com ela vamos conhecer muitas formas de resistência e de luta de nossos parentes que deram a vida para defender sua terra e seu povo. Conhecendo essa história muitos de nós poderão ter mais força para fazer com que essa história de morte não se repita.

Infelizmente estamos vivendo um momento difícil em nosso país, mas a lembrança desse passado mostra que já enfrentamos situações bem piores e que continuamos vivos. O conhecimento dessa história vai nos ajudar a resistir e a encontrar novos caminhos e novos parceiros. Se estamos vivos, é porque somos povos resistentes e acreditamos na força de nossos antepassados e de nossas tradições.

Esperamos que outros parentes se animem a escrever e a registrar as lutas de suas comunidades para que elas não sejam esquecidas pela pressão do poder dominante. Que este livro seja uma ajuda para buscar no passado uma força para enfrentar as investidas do presente e assim evitar o apagamento cultural que tanto nos prejudicou. Queremos dizer que ainda existimos e resistimos.

Capítulo do Livro – Parte III: Do período Pombalino à Independência
Os Xavante libertam negros nas minas de Goiás

“A animosidade entre indígenas e negros, no início da colônia, foi estimulada pelos portugueses no Leste e Nordeste do Brasil − quanto mais divididos o inimigo, mais fácil é a dominação. Mas, a partir do século XVIII, surgem, em algumas partes do Brasil, uma surpreendente colaboração entre esses dois grupos excluídos.

Após a descoberta de ouro, em 1725 em Vila Boa de Goiás, o Centro-Oeste foi devassado por muitos aventureiros. Em toda a província, não apenas o solo pedregoso à beira dos rios era rasgado à procura de ouro, como também eram invadidas muitas áreas, territórios tradicionais dos Kayapó, Akroá, Xakriabá e Xavante. Isso acontecia com o apoio do governador, que queria descobrir sempre mais garimpos.

E a resposta indígena se mostrava à altura, com muitas ações guerreiras. É o que se lê nas diversas cartas do governador João Manoel de Mello a dom José I, relatando que, a partir de 1762, a situação se mostrava muito difícil nos povoados de Crixás, Tesouras e Morrinhos, situados no Norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins.

Crixás era um importante garimpo com mais de 300 escravos africanos, tendo sido alvo dos Xavante por duas vezes. Na primeira investida os moradores conseguiram enfrentar o ataque, mas, na segunda vez, tiveram de fugir, pois grande era o número de indígenas que traziam até armas de fogo. Temendo perder seus escravos africanos, os portugueses fugiram com eles, abandonando o arraial, que foi saqueado e incendiado.

Para evitar novos confrontos, o governador autorizou uma bandeira formada por 500 homens, que destruiu as aldeias da região, matando e escravizando indígenas, com a abertura de novos garimpos. Apesar da violência, a pressão nativa continuava. Dois anos mais tarde, outra bandeira, formada por 200 homens, partiu de Pilar para enfrentar os Xavante que resistiam.

Atacados, recuavam, retornando para novos confrontos. Um fato inusitado ocorreu em 1765. Em nova expedição guerreira, perto de Pilar, os indígenas se defrontaram com um grupo de africanos que trabalhavam nas roças. Em vez de matá-los, como costumavam fazer com os portugueses, foram levados para a aldeia, onde, no dizer do governador, os indígenas “lhes fizeram muitos afagos e os casaram com as gentias [mulheres indígenas], garantindo que todo preto que quisesse passar para eles acharia nas suas Aldeias o mesmo bom tratamento”.

Esse fato assustou as autoridades, pois os negros podiam agora fugir tanto para os quilombos, que surgiam na região, como para as aldeias indígenas, “seguros de perigo, senhores de sua liberdade e com mulheres próprias”.

Para enfrentar essa nova ousadia, outra bandeira se formou naquele ano com moradores da região. O ataque da aldeia aconteceu de madrugada. Pegos de surpresa e ainda dormindo, muitos Xavante foram mortos, embora alguns tenham conseguido fugir. Pela descrição do relato, não devia se tratar da mesma aldeia onde viviam os negros resgatados, sendo uma pura represália. Quatro anos mais tarde, o governador ainda se queixava ao rei de que o arraial de Tesouras estava quase despovoado pelos constantes assaltos indígenas. No final de 1769, foi autorizada outra expedição, dessa vez organizada pelo padre Pôsso, da vila de Pilar.

Mais negociante do que sacerdote, vendeu o que possuía, e, com esse capital, reuniu homens para uma nova expedição, esperando capturar muitos escravos e abrir novos garimpos. Após atacar algumas aldeias Xavante, esse grupo alcançou a Ilha do Bananal, entrando no território dos Araés. Atingido por febres, o padre morreu à beira do Araguaia. Seus comandados retornaram, trazendo cada um “algum fruto”, isto é, alguns escravos, mas aquém do esperado, como relatou um cronista da época.

Esse fracasso fez o governador abandonar essa guerra de extermínio e buscar uma política de aproximação com os Xavante. Isso ocorreu em 1788. Acreditando nas promessas do governador, um grupo de 2.200 indígenas aceitou ser levado para o aldeamento Pedro III, que, na realidade, era um quartel. Sem liberdade e sem o que lhes fora prometido, alguns anos depois fugiram, indo para as cabeceiras do rio das Mortes, no Mato Grosso, onde resistiram até 1946.

Comments (2)

  1. Aldeamento Pedro III foi fundado em fins do século XVII, entre 1781 e 1788, na região situada entre o rio Carretão e a serra Dourada, na antiga capitania de Goias. Era um lugar vazio de populações provenientes da colonização portuguesa. As povoações mais próximas eram Pilar e Crixás, arraiais surgidos da atividade de mineração. e ficavam a 400 léguas do aldeamento Pedro III do Carretão. Esse aldeamento foi construído pelo Governo da Capitania de Goiás em uma região vazia de colonos brancos e escravos de origem africana. O governador da Capitania de Goias queria afastar os índios Xavantes dos arraiais Pilar e Crixás. Por isso, surgiu a ideia de um tratado de pacificação com os Xavantes e seu assentamento na aldeia Pedro III do Carretão, desde o inicio um lugar para habitação dos índios Xavantes em compensação ao que estavam perdendo para a mineração. Existem vários documentos oficiais no Arquivo Ultramarino e no Arquivo Histórico de Goiânia, além do Relato de um militar que participou das negociações, denominado A Conquista dos Xavante, que podem confirmar a origem do aldeamento em terras doadas pela Coroa Portuguesa para uso exclusivo dos índios do aldeamento Pedro III do Carretão. Alguns anos depois foram trazidas populações Javaé e Kaiapó do Sul provenientes dos aldeamentos Nova Beira, Maria I e Mossamedes, para compensar as perdas populacionais causadas por fugas e mortes epidêmicas da população inicialmente aldeada. Muitos viajantes que estiveram em visita ao Aldeamento Pedro III do Carretão, estrangeiros e nacionais, naturalistas, militares e religiosos, confirmam essa origem e continuidade de uma população exclusivamente indígena, ainda que bastante reduzida. Mais tarde populações provindas da estagnação da atividade de mineração foram ocupando as terras do Carretão. No início do século XX, por volta de 1930, começam a chegar populações migrantes de outras partes do país, atraídas pela CANG – Colônia Agricola Nacional de Goiás, surgindo novas povoações e fazendas, de quando os índios do Carretão perdem quase a totalidade das terras doadas pela Coroa Portuguesa, para seu aldeamento no século XVIII. O quartel a que o autor B. Prezia faz referência é, sem dúvida, o Presídio Leopoldina, situado às margens do Araguaia, ao sul e já fora da ilha do Bananal, fundado no início do século XIX e que mais tarde se tornaria a cidade de Aruanã, também, desde o início contando com aldeia Karajá, próxima e preexistente ao Presídio.

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