No dia 16 de julho de 2017 cerca de 200 pessoas do Povo Munduruku, em movimentação pacífica liderada pelas mulheres da etnia, ocuparam o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel, localizada no rio Teles Pires, fronteira entre os estados do Pará e Mato Grosso. Dentre as reivindicações: o respeito à concretização da demarcação das Terras Indígenas, destaca-se a devolução das urnas funerárias e objetos que pertenceram a seus antepassados, e que foram desenterrados pela Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP) no período em que a obra foi iniciada, em agosto de 2011, construção de um museu que valorize a cultura Munduruku, e outras.
Após reunião com a presidência da Funai, com o Ministério Público Federal de Sinop-MT, realizada no dia 19 de julho no canteiro de obras da UHE São Manoel, mulheres, caciques, pajés, lideranças e crianças definiram continuar a mobilização na cidade de Alta Floresta (MT), onde estão as urnas funerárias violadas pela CHTP.
Nesta carta, nós, da sociedade civil organizada, nos posicionamos em apoio à mobilização indígena Munduruku. Reconhecemos e apoiamos a legitimidade das reivindicações deste povo, que de maneira autônoma, ocuparam pacificamente o canteiro da usina São Manoel após decisão deliberada na reunião das mulheres munduruku na aldeia Santa Cruz em maio de 2017.
A ocupação expressa a insatisfação e sofrimento quanto às violações de direitos que esse povo vem sofrendo com a construção dos empreendimentos hidrelétricos no rio Teles Pires. Além disso, explicita um cenário de insegurança dos direitos indígenas previstos na Constituição Federal de 1988 e legislações supranacionais como a convenção da 169 da Organização Internacional do Trabalho que garante a consulta prévia, livre e esclarecida dos povos indígenas para situações que os atingem. Somamos nossas vozes à estas insatisfações.
A UHE São Manoel é uma entre cerca de 140 projetos de geração de energia previstos na bacia do Tapajós, em que pelo menos 900 mil pessoas serão impactadas.
Apenas no rio Teles Pires, o maior tributário da bacia do Tapajós, já são 4 usinas: UHE Sinop, UHE Colíder, UHE Teles Pires e a São Manoel, sendo que as duas últimas já somam 17 Ações do Ministério Público.
Dentre estas ações há atropelos do processo de licenciamento ambiental, como Estudos de Impactos Ambientais incompletos e ausência de Estudo da Componente Indígena, não cumprimento de condicionantes das licenças, violação do direito à consulta prévia, livre e informada, danos culturais e espirituais e problemas ligados à degradação ambiental que afetam a segurança alimentar das populações indígenas e não-indígenas que vivem às margens do rio Teles Pires.
As hidrelétricas representam o modelo de negócio e geração de energia que, nos últimos anos, têm se mostrado dos mais nocivos em termos socioambientais na Amazônia brasileira.
Para além da construção de hidrelétricas, as populações indígenas estão sofrendo violações de direitos e retrocessos da política indigenista que incluem redução de Terras Indígenas, paralisação nas homologações e ausência de cumprimento das convenções internacionais, como a Convenção 169 da OIT, Convenção Americana de Direitos Humanos e a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas, entre outras.
Entendemos que esta é uma luta de todo o povo brasileiro que depende do ecossistema da floresta amazônica e da bacia do Tapajós, e sofre com impactos de grandes projetos financiados por empreiteiras envolvidas em escândalos de corrupção.
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Assinam esta carta:
Centro Burnier Fé e Justiça — CBF
Centro Popular do Audiovisual — CPA
Coletivo Digital
Conselho Indigenista Missionário — Cimi Norte II
Comissão Pastoral da Terra — CPT
Escola de Ativismo
Fórum de Direitos Humanos e da Terra — FDHT
Greenpeace Brasil
Instituto Centro de Vida — ICV
International Rivers
Movimento dos Atingidos por Barragens — MAB
Movimento dos Trabalhadores(as) rurais sem terra 13 de Outubro
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra — MST/ MT
Ouvidoria da Defensoria Pública do Mato Grosso