A Ternium vai pagar a dívida financeira e social da CSA?

Sandra Quintela e Gabriel Strautman [1], no Pacs

O Rio de Janeiro amarga um caos social, ambiental e político um ano depois das Olimpíadas. Os poderes públicos locais apostaram em um modelo de desenvolvimento centrado em grandes empreendimentos e megaeventos esportivos que concentraram riqueza e dívida social por toda parte. Os impactos gerados por grandes empreendimentos são notados tanto na instalação do Porto do Açu em São João da Barra, cujos afetados continuam lutando por suas terras, quando na instalação da siderúrgica TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico na Baia de Sepetiba, na capital do Estado.

No começo de agosto, o Conselho de Defesa Econômica (Cade) autorizou, sem restrições, a venda da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) para o grupo argentino Ternium, que passa ser a proprietária desta que é a maior siderúrgica da América Latina, localizada em Santa Cruz, no Rio. Quais são os potenciais impactos dessa decisão para a população do Rio e, sobretudo, para as mais de 300 famílias que lutam na Justiça por reparações aos impactos socioambientais e violações de direitos provocadas pela empresa?

Moradores e moradoras esperam até hoje por ações que cobram reparações por rachaduras nas casas próximas à linha do trem, interrupção da pesca artesanal, enchente no canal do São Fernando e agravamento dos problemas de saúde provocados pela Chuva de Prata. Segundo a Defensoria Pública, que representa os moradores atingidos nas ações, a falta de uma perícia técnica isenta que busque estabelecer o nexo causal entre o crescente adoecimento e a poluição causada pela siderúrgica ou que permite mensurar os danos causados pelas enchentes ocasionadas pela instalação do empreendimento é o principal impedimento para o andamento dos processos.

Recentemente, lançamos em parceria com a Justiça Global o relatório Violações de direitos humanos na siderurgia: o caso TKCSA. A publicação compila diversas denúncias, destrincha o passivo socioambiental causado pela siderúrgica e traz 21 recomendações aos poderes públicos visando a garantia dos direitos e a reparação aos atingidos.

Quem é a Ternium

Fundada em 1961, a Ternium é uma empresa familiar controlada pelo empresário argentino Paolo Rocca, detentor de 70% das ações. Apesar de sua origem argentina, a empresa possui sede tributária e comercial em Luxemburgo. Em 2016, a Ternium obteve um lucro de US$ 707 milhões, aumentando em quase 11 vezes os US$ 60 milhões obtidos em 2015. É uma das principais produtoras de aço da América Latina, atuando no México, Argentina, Colômbia e Guatemala. Nesses países acumula uma série de conflitos socioambientais. Em 2013, líderes da comunidade indígena de San Miguel de Aquila interromperam a produção de uma mina de ferro da Ternium, no estado de Michoacán no México, acusando a empresa de não respeitar o pagamento de royalties da mineração para a comunidade. Em função dos protestos, quarenta e cinco pessoas foram presas pelo exército[2]. Em 2012, a Ternium Internacional Guatemala demitiu 27 trabalhadores que formaram um sindicato em uma siderúrgica[3].

Não é a primeira vez que a empresa, que já é sócia da Usiminas ao lado da Nippon Steel, tenta investir em siderurgia no Rio de Janeiro. Em 2012, a Ternium desistiu de construir na região do Porto do Açu, em São João da Barra, no Norte Fluminense, uma unidade de beneficiamento de minério de ferro e uma usina siderúrgica. A decisão foi tomada alguns meses após o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) suspender através de uma ação civil pública as licenças ambientais das obras de implantação da siderúrgica. De acordo com o MPRJ, ao entrar em operação, a siderúrgica lançaria poluentes com propriedades cancerígenas na atmosfera, como o benzeno.

Em junho deste ano, antes da decisão do CADE, o presidente-executivo da Ternium, Daniel Novegil, afirmou à investidores que a CSA “é a aposta da Ternium para os próximos anos e vai reinventar a companhia”. Mas o que exatamente significa isso?

Do ponto de vista comercial, não há nada no horizonte que garanta que a CSA deixará de se tornar um mau negócio. Internacionalmente, o setor siderúrgico vive um quadro de excesso de capacidade (ou de oferta) de aço. No Brasil, o quadro é de forte queda na demanda interna gerada pela recessão. Segundo o Instituto Aço Brasil (IABr), que representa os maiores produtores da liga no país, A produção de estruturas de aço no Brasil que era de 2 milhões de toneladas em 2014 caiu para 694 mil toneladas em 2016 e a utilização da capacidade instalada do setor atingiu em julho de 2016 o menor nível da série histórica, cerca de 77 por cento. E a dívida da CSA com o Estado do Rio de Janeiro? Considerando a atual crise financeira atravessada pelo estado, a CSA precisa devolver aos cofres públicos o valor correspondente às isenções fiscais que recebeu acrescido de juros.

Do ponto de vista da relação da empresa com o seu entorno, em especial com a comunidade atingida, a Ternium precisa reconhecer os passivos ambientais e de violações de direitos humanos provocadas pela CSA. Ao se tornar proprietária da siderúrgica, a Ternium torna-se tão responsável por este passivo quanto as suas predecessoras Thyssenkrupp e Vale (que deixou de ser acionista em 2016).

Sobre a TKCSA

Inaugurada em 2010 em uma cerimônia que reuniu o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente Lula, a CSA era inicialmente tratada como a principal aposta da estratégia da Thyssenkrupp para a consolidação de sua posição como player global da indústria do aço. Ao todo, o negócio custou R$16,64 bilhões, dos quais R$683 milhões foram financiados pelo Estado do Rio de Janeiro através de isenções fiscais e outros R$2,3 bilhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES). Em poucos anos, no entanto, os irreversíveis impactos socioambientais e um enorme prejuízo comercial fizeram com que a CSA passasse a ser considerada pelos meios especializados como um dos piores negócios da indústria alemã em todos os tempos. Não à toa, a Ternium conseguiu comprar a siderúrgica por apenas um terço do seu custo, ou seja, €1,56 bilhões, aproximadamente R$5 bilhões.

Em setembro de 2016, a TKCSA obteve junto ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA) a sua licença de operação depois de funcionar precariamente durante seis anos a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Para os moradores da região da Avenida João XXIII, no bairro de Santa Cruz, vizinho ao empreendimento, a licença de operação não alterou a realidade. O relato recente de uma moradora revela que a convivência com o pó continua: “Semana passada caiu um bocado. É mais fino do que antes, mas ainda cai”. Outra moradora tampouco confia na água de beber dos bichos. “Troco três vezes por dia. Quando esqueço e vou ver, está cheia de pozinho prateado”[4]. Continuam também os relatos sobre a manifestação de doenças dermatológicas, oftalmológicas e respiratórias.

A luta por justiça socioambiental não é uma luta menor. Homogeneizar a visão de desenvolvimento à custa de profundos impactos negativos na vida de milhares de pessoas não é algo menor. Seguiremos acompanhando o desdobramento desse novo capitulo desse empreendimento que mais de 10 anos serviu de vitrine para um modelo de desenvolvimento “virtuoso”, mas, que na pratica cavou ainda mais o fosso das desigualdades sociais e ambientais no Rio de janeiro e em particular na Zona oeste dessa cidade.

Notas:

[1] Socioeconomistas do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)

[2] https://www.bnamericas.com/es/noticias/mineria/ternium-pide-pronta-solucion-pacifica-a-conflicto-en-mina-mexicana

[3] http://www.radiogremial.com.ar/2012/07/25/amenazas-y-persecucion-en-ternium-internacional-guatemala-rel-uita/

[4] Trechos extraídos da reportagem “Reta João XXIII: vida nas franjas do desenvolvimento nacional“.

Imagem: Arte de Rachel Gepp/Instituto Pacs.

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