Violência contra os povos indígenas: Aumentam números de assassinatos, suicídios e mortalidade infantil

Amazônia.org.br

Em 2016 ocorreram 735 casos de óbitos de crianças indígenas menores de 5 anos, 106 casos de suicídios e 118 assassinatos de indígenas no Brasil. Isso significa um aumento em todos os dados monitorados pelo Conselho Indígena Missionário (Cimi), em relação ao ano anterior. O governo e representantes políticos da bancada ruralistas são apontados como corresponsáveis pela crescente violência e pressões que sofrem os territórios dos povos tradicionais.

Divulgado ontem em Brasília, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil fez um levantamento da violência física e pressões que sofrem os povos e territórios do país. Participaram do lançamento representantes do Cimi e de povos indígenas do Maranhão e Roraima, que lembraram os recentes assassinatos de lideranças e receio de perderem suas terras por meio de medidas que tentam anular ou inviabilizar novas demarcações.

Irani Barbosa dos Santos Macuxi, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, afirmou que os povos indígenas vivem um momento “ímpar, mas não de vitória, um momento para denunciar uma sociedade brasileira do descaso. Denunciar a forma que o Estado está tratando os povos indígenas no Brasil”.

O monitoramento é realizado desde 2003, mas este ano trouxe além dos dados diversos artigos que tentam elucidar a situação dos direitos indígenas. Além de críticas ao chamado “marco temporal”, instrumento político-jurídico que restringe o direto à demarcação, também são listadas propostas de emendas à Constituição, projetos de lei, medidas provisórias e a redução orçamentária que tem inviabilizado a atuação de órgãos públicos que deveriam garantir o direito indígenas.

Irani afirmou que todos os povos indígenas estão mobilizados para acompanhar os temas. “Não vamos permitir que o estado brasileiro nos diga que estamos errados dentro da nossa própria casa”.

Para Roberto Liebgott, coordenador do Cimi Sul, essas pressões fazem parte de uma agenda política da chamada bancada ruralista que pretende explorar os recursos naturais das terras indígenas. “Não é à toa que os ruralistas têm esta ânsia voraz. Segundo dados do próprio Estado brasileiro, as terras indígenas são as mais preservadas e, portanto, estão repletas de bens comuns, como solo fértil, madeira, água boa, minérios. Tudo o que eles já depenaram dos territórios em que implantaram suas monoculturas para exportação, desertas de vida e empesteadas de veneno. Estas terras, é tudo o que eles querem”.

Liebgott afirma que é possível dividir o estudo em duas fases: “uma primeira de dados e informações que são relativos a um governo que a gente trata no corpo do relatório, como governo das omissões, que era o governo da Presidente Dilma (Rousselff), um governo que não era propositivo nas ações anti-indígenas, mas que se calava diante das ofensivas que vinham contra os direitos indígenas”.

O segundo momento seria o governo atual, do presidente Michel Temer. Segundo Liebgott “desde a ascensão desse novo governo deixa de ser um estado de omissão e passa a ser um estado propositivo na ofensiva contra os direitos indígenas. A gente percebe que se monta uma estratégia de descontruir os direitos que os povos indígenas foram conquistando ao longo desses últimos 30 ou 40 anos”.

Esse cenário fez surgir uma ofensiva que é além da física contra os povos originários, fez surgir, conforme relata o coordenador do Cimi, “uma violência, que circula através do discurso do ódio contra os direitos e contra os povos indígenas. Esse filme é o retrato do discurso do ódio e esse discurso é puxado de uma forma muito ostensiva pelo setor ruralista do Brasil”.

Dados

Os dados de mortalidade infantil foram disponibilizados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) através da Lei de Acesso à Informação e apontou a ocorrência de 735 óbitos de crianças indígenas menores de 5 anos em 2016, o número é maior do que o ano anterior quando foram registradas 599 mortes.

Os povos Yanomami e Xavantes foram os que mais sofreram com a mortalidade infantil. A área de abrangência do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami apontou a ocorrência de 103 óbitos, seguido pelo Dsei Xavante, onde foram registradas 87 mortes de crianças menores de 5 anos. Os responsáveis pelo estudo apontam a falta de detalhamento das informações, mas afirmam que a própria Sesai reconhece que essas mortes ocorrem por falta de assistência e desnutrição grave.

Chama atenção ainda o número de assassinatos registrado pelo Dsei Yanomami, foram 44 do total de 118 assassinatos no ano de 2016. O Mato Grosso do Sul foi o segundo estado com a maior quantidade de casos registrados, 18 assassinatos, seguindo pelo Dsei Ceará (11) e Maranhão (7).

Em relação aos suicídios, os dados oficiais registram a ocorrência de 106 casos entre os povos indígenas no ano passado, 19 a mais que em 2015. Os registros evidenciam uma realidade inquietante no estado do Amazonas, onde foram listados 50 suicídios nas áreas de abrangência dos Dsei Alto Rio Negro (6), Alto Rio Solimões (30), Médio Rio Purus (6), Médio Rio Solimões e Afluentes (6) e Vale do Javari (2).

Também são destacados no relatório as 23 tentativas de assassinato; 11 casos de homicídio culposo; 10 registros de ameaça de morte; 7 casos de ameaças várias; 11 casos de lesões corporais dolosas; 8 de abuso de poder; 17 casos de racismo; e 13 de violência sexual contra os povos indígenas do país.

Terras e povos ameaçados

O documento apresenta ainda uma tabela com a situação das terras indígenas do Brasil. Um total de 836 territórios ainda não estão demarcados, o que corresponde a 64,5% do total. Destas, 530 terras, o equivalente a 63,3%, não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado brasileiro. Apenas no estado do Amazonas 199 terras estão nesta situação. Em seguida, vem o Mato Grosso do Sul (74), Rio Grande do Sul (37), Pará (29) e Rondônia (24).

As terras demarcadas também sofrem pressões. No total, foram registrados 59 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio. Maranhão e Rondônia, com o registro de 12 casos cada, foram os dois estados que mais registraram ocorrências deste tipo. Na maioria dos casos, a invasão é feita para a retirada ilegal de madeira.

Povo Yanomami. Foto: Marcos Wesley/ISA

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