Racismo afeta saúde da população negra, apontam estudiosas

Yuri Silva, A TARDE

Desde criança que a servidora pública Viviane Coelho, 39, sofre com o racismo. Por isso, começou a ser acompanhada por psicólogos aos sete anos de idade.

O preconceito, no entanto, persistiu na fase adulta, quando ela passou a sentir o peso da discriminação racial no trabalho. Foi aí que, além de voltar a cuidar da própria saúde mental, Viviane relacionou a falta de estímulo, a baixa autoestima e a depressão que sentia à violência sofrida desde cedo.

“Eu sempre duvidava da minha capacidade, ficava pensando nessas questões que nos tolhem, sem querer fazer as coisas, desestimulada, e buscando um certo isolamento”, conta a servidora, que até mudou de profissão por causa do assédio moral no trabalho.

O relato dela, semelhante ao de outras mulheres e homens negros, abre discussão sobre o impacto do racismo na saúde mental das vítimas desse crime – questão cada vez mais debatida por pesquisadores e militantes, apesar da dificuldade para mensurar o fenômeno.

Integrante do instituto AMMA Psiqué e Negritude, a psicóloga e psicoterapeuta Maria Lúcia da Silva é autora de um dos poucos trabalhos sobre o assunto, intitulado ‘Racismo e os efeitos na saúde mental’. Nele, a pesquisadora narra como as vítimas do racismo desenvolvem estresse pós-traumático e outras doenças.

Psicólogas negras baianas criaram a Rede Dandaras (Foto: Divulgação)

Pesquisa

Psicólogas e negras, as amigas Laura Augusta e Tainã Vieira também estudam a questão. Para tanto, deram início à Rede Dandaras, que reúne 530 profissionais de psicologia do país.

Vítimas de racismo durante o curso superior na universidade, elas dizem que a ideia surgiu “com o principal propósito de promover a saúde das mulheres negras”. Isso porque, observa Laura, são elas as mais acometidas por doenças como a depressão e patologias crônicas, como hipertensão e diabetes.

Esse fato, analisa a psicóloga, se dá por causa do sofrimento causado pelo racismo. “Essa estrutura, montada para nos dilacerar, só vai aceitar o sujeito universal, e não o específico, que é negro e feminino. Então as pessoas sofrem, têm baixa autoestima e adoecem”, explica.

Ela, que coordena o Grupo de Trabalho de Psicologia e Relações Raciais do Conselho Regional de Psicologia da Bahia, frisa que essa violência acontece tanto em espaços de vulnerabilidade como na universidade.

“Eu falo de morte física, causada pela polícia ou pela falta de atendimento de saúde, mas também de um genocídio histórico, praticado pelas instituições”, avalia.

Para a estudante de educação no campo Andreza Anjos, 22 anos, a violência se deu justamente no caminho para a faculdade.

Grávida e usando um turbante, ela foi expulsa por seguranças de uma loja em Feira de Santana, enquanto tentava fugir do sol forte. Chamada de “macumbeira” e ameaçada pelo agressor, a jovem desenvolveu, após o caso, crises de ansiedade.

Desde então, não consegue dormir e faz tratamento a fim de superar as marcas do preconceito. “Quando fui à delegacia, não consegui registrar a ocorrência. Desisti, porque já me bastava o estresse da gravidez”, conta.

Coordenadora do Comitê de Saúde da População Negra da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), a administradora e militante feminista Ubiraci Matildes de Jesus diz que ainda é difícil estimar em números como o racismo afeta a saúde dos negros.

Entretanto, ela destaca que a prevalência de doenças como depressão, anemia falciforme, hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares nesse grupo também é produto do racismo.

“As pessoas vítimas do preconceito racial, de modo geral, tem implicações diretas na saúde mental e física, principalmente porque o atendimento a essa população não é o adequado, não só pela espera, mas pela falta de tratamentos e pela aplicação equivocada dos que existem”, explica Ubiraci.

Ela destaca a falta de profissionais capacitados para atender essas vítimas, apesar da previsão de “equidade” prevista no Sistema Único de Saúde.

E frisa que a formação de técnicos com esse olhar e a sensibilização de gestores é o principal trabalho do comitê que coordena.

“Precisamos sensibilizar para conseguir mudar as políticas públicas, considerando que essa população é a mais vulnerável”, afirma, defendendo a atenção básica de saúde como forma de prevenção para que essas pessoas não adoeçam.

“Dar esse atendimento impede que a violência racista institucional sobre essa população se concretize com a desassistência, o abandono”, analisa.

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