Frei Henri des Roziers, um dominicano movido pela paixão e a exigência radical de tomar partido pela justiça e pelos oprimidos. Entrevista especial com Frei Xavier Plassat

Patricia Fachin – IHU On-Line

“Acabar com a impunidade, matriz da reprodução da injustiça, era como que a obsessão de Frei Henri e pode-se dizer que ele conseguiu fazer recuar – por quanto tempo? – a impunidade no Pará”, lembra Frei Xavier Plassat, ao contar a trajetória do dominicano Frei Henri des Roziers, que faleceu na tarde do último domingo, 26-11-2017, na França.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, enquanto viajava para a França para participar da cerimônia fúnebre de Frei Henri, Frei Xavier Plassat relembra o ingresso de seu amigo na Ordem dos Dominicanos, sua experiência junto aos padres operários, como Chenu e Congar, seu trabalho de base pelo interior da França, e sua luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores estrangeiros na fábrica de relógios Lip, também na França.

Essa mesma metodologia de trabalho de base, diz, Frei Henri trouxe consigo quando se mudou para o Brasil, em 1978. “Determinantes para sua decisão foram a prisão pelos militares dos jovens frades dominicanos em São Paulo, em 1969, e a chegada em Paris, em 1971, do Frei Tito de Alencar para um exílio, brutalmente atormentado pelas marcas da tortura, que só acabou com seu suicídio (em 1974). Henri opta rapidamente por se colocar à disposição da Comissão Pastoral da Terra – CPT que o envia para o atual Tocantins onde, de Norte a Sul, entre Bico do Papagaio, Formoso do Araguaia e Porto Nacional, impera uma verdadeira guerra do latifúndio contra os posseiros. (…) Henri tinha grande preocupação em fazer do combate pelos direitos uma luta que tornasse visíveis essas questões, gerasse incômodo e pudesse constranger quem tivesse parte nisso a tomar posição, responsabilidade, ação”, recorda.

Frei Xavier Plassat também conta sobre sua relação de aprendiz com Frei Henri a partir de 1983. “Durante 15 dias, cruzei de Sul a Norte aquela região, ‘na cola’ do Henri, ele me introduzindo para aquelas realidades tão chocantes e me explicando sua visão da situação, a exigência radical de tomar partido pela justiça e pelos oprimidos e de atacar as razões desta opressão”. E acrescenta: “Aprendi este novo trabalho caminhando. Henri foi nosso mestre, a mim bem como a muitos. Havia a dedicação incansável, o rigor na análise dos problemas, a humilde convivência com os mais pobres, a preocupação em achar, em cada caso específico, a dimensão estrutural e política do problema a ser enfrentado. Isso que ele chamava de estratégia. Henri era movido à paixão e à terna compaixão, tanto quanto à razão e a rigor inflexível”.

Jean Marie Xavier Plassat é frade dominicano e coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra – CPT, por meio da qual combate o trabalho escravo contemporâneo no Brasil. Nascido na França (1950), graduou-se em Ciência Política em Paris em 1970. No ano seguinte, ingressou na ordem dominicana. Passou a morar e trabalhar no Brasil em 1989. Sua atuação contra o trabalho escravo, iniciada em 1997, fez com que recebesse a medalha Chico Mendes de Resistência, em 2006, e o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, em 2008.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Pode nos contar sobre a trajetória de Frei Henri des Roziers no Brasil? Como, por que e em que circunstâncias ele veio para o país?

Frei Xavier Plassat – Vista a posteriori, a trajetória do Frei Henri parece ter juntado vidas sucessivas, cada uma mais apaixonada e mais apaixonante que a outra. Na França, depois da fase inicial de formação, marcada pela origem social de uma burguesia politicamente engajada nas lutas da Résistance ao nazismo, veio a decisão de ingressar na Ordem dos Dominicanos em tempos do aggiornamento da Igreja católica (proporcionado pelo Concílio Vaticano II) após a sinistra condenação por Roma da profética experiência dos “Padres operários” (experiência então apoiada por teólogos de peso, como Chenu e Congar, ambos dominicanos que Henri frequentava e admirava).

Trabalho de base no interior da França

Na sequência, Henri – e seu confrade João Raguénès – assumem a capelania daFaculdade de Direito de Paris em meio à tempestade revolucionária de maio-junho de 1968. É quando eles abrem as portas do espaço religioso à contestação estudantil e assumem o sonho de imaginar e construir uma sociedade diferente, prelúdio do tal “outro mundo possível” dos futuros Fóruns Sociais Mundiais. Por alguns anos, Henri e João vão voltar às bases, no interior da França: João, na grande fábrica de relógios Lip(que ficaria famosa pelos longos anos de conflito social e de autogestão do local de trabalho pelos operários); Henri, na defesa metódica dos direitos dos trabalhadores estrangeiros, desmascarando as mil e uma artimanhas dos patrões da Haute-Savoie na exploração dos mais vulneráveis, e treinando uma metodologia de luta jurídico-política combinando vigilância, escuta, produção de denúncias embasadas em dossiês sólidos, articulação e mobilização social, e pressão nas autoridades.

Vida no Brasil

Uma metodologia que levará consigo quando, em 1978, resolve se mudar para o Brasil: sente-se atraído pela terra das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e da teologia da libertação, e por uma sociedade que resiste à ditadura. Determinantes para sua decisão foram a prisão pelos militares dos jovens frades dominicanos em São Paulo, em 1969, e a chegada em Paris, em 1971, do Frei Tito de Alencar para um exílio, brutalmente atormentado pelas marcas da tortura, que só acabou com seu suicídio (em 1974). Henri opta rapidamente por se colocar à disposição da Comissão Pastoral da Terra – CPT que o envia para o atual Tocantins onde, de Norte a Sul, entre Bico do PapagaioFormoso do Araguaia e Porto Nacional, impera uma verdadeira guerra do latifúndio contra os posseiros. Pela necessidade, Henri decide validar seus diplomas de Direito (adquiridos em Paris e Cambridge) e ingressar na OAB. Pela primeira vez, Henri será advogado. Mas um advogado sui-generis: dormindo na rede nas comunidades perseguidas por pistoleiros, suscitando a confiança do povo nas próprias forças e na energia da fé das comunidades, apelando pelo direito, juntando peças, provas e dossiês, articulando colaborações dos melhores juristas, denunciando nacional e internacionalmente as violências do grande contra o pequeno.

IHU On-Line – Que relação o senhor teve com Frei Henri? Pode nos dar um depoimento pessoal sobre a relação de vocês? Que memórias têm dele tanto no período em que viveu na França, quanto no Brasil?

Frei Xavier Plassat – Estou com 20 anos a menos que o Frei Henri. Algumas coincidências providenciais fizeram com que nossos caminhos se cruzassem mais de uma vez. Iniciei minha vida estudantil em Paris, no Quartier Latin, em 1967. Vivenciei de cheio a revolução estudantil de maio de 1968, porém não foi nessa época que me encontrei realmente com Henri, pois eu cursava outra faculdade e participava de outra capelania. Foi mais tarde, já tendo me tornado dominicano e me mudado para Lyon, que eu passei a me relacionar com os frades da ‘diáspora’, aqueles inseridos em meios populares, entre eles Henri e João. Em 1973, Frei Tito veio morar na minha comunidade dominicana de l´Arbresle, nos tornamos bem próximos. Após a tragédia do suicídio de TitoHenri e eu passamos a ter mais contato ainda. Mas foi realmente a partir de 1983, quando eu fui incumbido de acompanhar a volta do corpo de Frei Tito ao Brasil, que passei a realmente caminhar com Frei Henri. Henri nos auxiliou em todo esse complexo processo. Combinei com ele para que, terminadas as celebrações de acolhida em São Paulo e de sepultamento em Fortaleza, eu pudesse segui-lo no seu trabalho no então norte de Goiás. Assim, durante 15 dias, cruzei de Sul a Norte aquela região, “na cola” do Henri, ele me introduzindo para aquelas realidades tão chocantes e me explicando sua visão da situação, a exigência radical de tomar partido pela justiça e pelos oprimidos e de atacar as razões desta opressão.

Me toquei com a brutalidade e a radicalidade dos desafios que se apresentavam e foi nascendo minha resolução de um dia, também, me inserir neste trabalho. Daí em diante mantive forte relação com a incipiente CPT Araguaia-Tocantins, passei a cumprir missões que pudessem auxiliar na divulgação, na denúncia nas instâncias da ONU em Genebra, na divulgação de informações, na coleta de fundos para apoiar a resistência de grupos de posseiros. E me preparei como também preparei meus confrades à mudança que sentia necessária. Deixei para trás meu serviço de economista junto às comissões de fábrica na França e finalmente me mudei em 1989 para o Brasil. Aprendi este novo trabalho caminhando. Henri foi nosso mestre, a mim bem como a muitos. Havia a dedicação incansável, o rigor na análise dos problemas, a humilde convivência com os mais pobres, a preocupação em achar em cada caso específico, a dimensão estrutural e política do problema a ser enfrentado. Isso que ele chamava de estratégia. Henri era movido à paixão e à terna compaixão, tanto quanto à razão e a rigor inflexível.

IHU On-Line – Frei Henri ficou conhecido no Brasil por conta da sua atuação no combate ao trabalho escravo, luta pela reforma agrária e pelos direitos humanos e, especialmente, por conta da sua atuação no Pará. Como se deu a atuação dele junto a essas causas no país?

Frei Xavier Plassat – A atuação de Frei Henri nessas “temáticas” era completamente integrada: são assuntos estruturalmente conexos, interligados, e que remetem a causas sistêmicas. Ou seja: não são acidentes de percurso, são expressão de vícios estruturais no sistema de apropriação da terra, na ocupação do poder, na instrumentalização do Estado. Henri tinha grande preocupação em fazer do combate pelos direitos uma luta que tornasse visíveis essas questões, gerasse incômodo e pudesse constranger quem tivesse parte nisso a tomar posição, responsabilidade, ação. Foi isso que aconteceu, por exemplo, com o Fórum Nacional Permanente Contra a Violência no Campo, criado em 1991, por pressão da CPT e do qual participaram várias instituições do Estado, a começar pela Procuradoria Geral da República, e organizações da sociedade civil (entre elas: CPT, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Central Única dos Trabalhadores – CUT, Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, SINAIT, Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB).

A ideia de se formar o Fórum se concretizou após o assassinato naquele ano do sindicalista Expedito Ribeiro de Souza, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, PA, em meio a intensos conflitos pela posse da terra. No ano anterior, haviam sido assassinados em Rio Maria os irmãos Canuto, cinco anos após o assassinato de seu pai, o também sindicalista João Canuto. Neste espaço se denunciava e discutia a violência no campo e, em especial, o trabalho escravo. Ali começou a discussão dos aspectos jurídicos da questão, como a tipificação e a competência penal para investigação, processo e julgamento; a expropriação das terras onde ocorresse o trabalho escravo; a vedação de financiamentos públicos das propriedades onde se constatasse a prática do trabalho escravo, dentre outras. As iniciativas do Fórum foram se alargando e rompendo muros, estabelecendo pontes, e foram determinantes para a construção da política de combate ao trabalho escravo, essa mesma política exposta ao desmonte no governo Temer.

Obviamente, alimentando este Fórum, havia todo um trabalho de base realizado pelas equipes da CPT naquela região do Araguaia-Tocantins, para marcar presença em grupos em conflitos, identificar quem era quem e quais eram os direitos em disputa ou, na questão do trabalho escravo, para acolher trabalhadores que haviam fugido das fazendas, procurando apoio e segurança para poder contar sua história e a CPT encaminhar sua denúncia para fiscalização. Destaco a insistência do Henri em explicar a nós, agentes e aos posseiros, que a luta era do povo, que ele como advogado ou a CPT como acompanhante não teriam o poder de resolver os problemas; mas que, juntando mobilização consciente de posseiros e trabalhadores, trabalho jurídico e pressão política, aí sim, havia como ganhar ou reconquistar direitos lesados.

Esse caráter metódico, organizado e ao mesmo tempo impregnado do suor e da vida real do povo do campo, você verifica em outras várias iniciativas. Destaco a laboriosa articulação da rede dos chamados “Comitês Rio Maria”, mundo afora: foi decisiva para mobilizar grupos e entidades da Europa e das Américas, e para pressionar as autoridades brasileiras no combate à violência e impunidade. Destaco também as denúncias levadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, particularmente nos dois casos que tiveram grande repercussão: o Caso José Pereira e o caso Brasil Verde, escolhidos por serem paradigmáticos e portadores de significado para vários outros casos. A Solução Amistosa construída no primeiro caso, finalizada em 2003, constituiu um separador de águas no combate ao trabalho escravo, abrindo para o que temos hoje (ainda): plano nacional de erradicação, lista suja, Conatrae, etc. A sentença condenatória adotada pela Corte Interamericana em 2016 no segundo caso, fixa também um entendimento sólido sobre natureza da escravidão moderna, causalidade estrutural da escravidão como discriminação histórica, responsabilidade do Estado por essa situação, entre outras.

IHU On-Line – O senhor lembra quais foram os principais casos nos quais Frei Henri atuou durante sua permanência na CPT?

Frei Xavier Plassat – Acabar com a impunidade, matriz da reprodução da injustiça, era como que a obsessão de Frei Henri e pode-se dizer que ele conseguiu fazer recuar – por quanto tempo? – a impunidade no Pará. Vejamos o caso Jerônimo, contado pelo próprio Henri em entrevista publicada no livro “Comme une rage de justice” (Paris, 2016): “Quando cheguei a Rio MariaExpedito Ribeiro de Sousa, o segundo presidente do sindicato acabara de ser assassinado (1991). Conseguimos encontrar o mandante. A história do seu processo e de sua condenação foi longa e difícil. Este processo me deu muita dor de cabeça.

Apesar de dois mandados de prisão contra ele, o (muito) grande fazendeiro que tinha mandado assassinar Expedito costumava passar ostensivamente, de camionete, acompanhado por quatro guarda-costas armados com metralhadoras, pela estrada à frente da guarita dos policiais militares, na entrada da cidade. Tivemos um trabalho árduo para que o julgamento fosse realizado em outra jurisdição, fora de Rio Maria, em Belém. Mais tarde, consegui que o fazendeiro fosse convocado perante o tribunal de júri. Mas como ele não comparecia e, naquela época, não se podia condená-lo à revelia, o júri não podia ser realizado. Prendê-lo era responsabilidade da polícia do Estado do Pará, a qual, estando nas mãos da oligarquia dos fazendeiros, nunca fazia nada para pegá-lo. Consegui mobilizar a Polícia Federal.

Graças à pressão internacional, o Secretário de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil, com quem me encontrei, finalmente ordenou a intervenção da Polícia Federal. Com a ajuda da Interpol, a polícia prendeu Jerônimo Alves de Amorim, em Cancún, no México, na hora em que embarcava num navio de cruzeiro. Vimos sua imagem estampada em todos os jornais do Brasil, trazido de volta algemado. Durante o julgamento perante o Tribunal de Júri, por pouco não conseguiu fugir.

O caso ficou conhecido nacional e internacionalmente. Grandes advogados se ofereceram para atuar no processo, mas eles estavam em São Paulo. Eu, por estar in loco, cuidava das primeiras instâncias antes de chegar ao Tribunal do Júri. Eu usava a imprensa regional e nacional para que os processos fossem adiante e não permanecessem enterrados na gaveta de um juiz. Eu era assistente de acusação das vítimas junto ao Promotor de Justiça. Eu tinha um trabalho considerável para preparar os processos, reunindo provas de todo tipo, correspondências, testemunhas que precisava esconder e proteger. Eu preparava todo o processo e, no julgamento, eu estava lá, vestindo a toga, mas não atuava. Grandes advogados de São PauloRioBrasília ou Belém chegavam um ou dois dias antes das audiências. A gente trabalhava, eu apresentava-lhes o processo, dava-lhes todas as provas. Jerônimo foi condenado em 2000 a 19 anos de prisão, mas nunca cumpriu a sentença. Ele passou alguns meses na prisão e depois disse que estava doente e foi rapidamente liberado, por complacência, e absolvido.”

Henri se mostrava absolutamente destemido frente às constantes ameaças de morte que sua atuação suscitava entre os latifundiários. Em certa época, sua cabeça era avaliada em R$ 100 mil no mercado da pistolagem. Na mesma data a da irmã Dorothy era cotada em 50 mil. Henri manifestou a sua exigência de que o dinheiro gasto pelo governo a sua proteção fosse destinado à proteção de 70 lideranças dos trabalhadores incluídas na lista dos então marcados para morrer.

IHU On-Line – Qual foi a influência de Bartolomeu de las Casas no pensamento e na atuação prática de Frei Henri?

Frei Xavier Plassat – Henri tinha uma imensa veneração para com este militante ímpar da causa dos índios massacrados e escravizados pelos colonos espanhóis no século 16, deste profeta dos direitos humanos em dimensão universal, que se expressa bem na fórmula “Todos os direitos para todos” que lhe é atribuída. Fascinou Henri a capacidade deste homem vindo ao “Novo Mundo” como jovem clérigo, colono, encomendero e dono de escravos, de se deixar converter a partir da famosa admoestação de Antônio de Montesinos, em 1511, repercutindo o grito dos oprimidos: “Estos no son hombres?”. Sua decisão de libertar seus próprios escravos e sua preocupação, em seguida, em garantir aos escravos libertos uma terra para seu sustento.

E finalmente a opção de Las Casas de se tornar um frade dominicano, dedicando todas as suas energias à causa do combate à escravização. Diz Henri: “Fui provocado por essa história em 1990, quando fui a Rabinal, na Guatemala, na pequena comunidade de frades que ali me contaram, naqueles exatos lugares onde Bartolomeu de Las Casas viveu. Eu me tranquei oito dias na pequena biblioteca do convento de Ciudad de Guatemala e eu li todos os livros que pude encontrar sobre ele. Nestes rastros dele, percebi o que ele representa na América Latina: defensor dos índios, o primeiro que publicamente botou a boca no trombone. Eu tentei viver como ele. E como ele, eu acho que a revolta contra a injustiça tem sido sempre o motor, a principal motivação da minha vida.”

IHU On-Line – Qual diria que é o legado deixado por ele para as gerações futuras que irão se dedicar ao combate das injustiças sociais?

Frei Xavier Plassat – O legado do Henri é múltiplo e seu inventário só faz é começar. Sei de muitos magistrados, advogados, procuradores que por Henri sentem paixão. Muitos mais ainda entre camponeses, sem-terra, militantes da base que hoje ao mesmo tempo choram a passagem de Henri e abençoam a felicidade de tê-lo encontrado nos seus caminhos.

Gabriel, um jovem de 25 anos, filho de um casal de advogados iluminados pelo exemplo de Frei Henri, com quem conviveram anos a fio em GurupiTocantins, escreveu essa homenagem que diz tudo: “Há nesse mundo várias maneiras de ser imortal, contínuo e perene. Há nesse mundo, ainda, infinitas possibilidades de ser lembrado mesmo após ter partido. E é assim que quero começar esse texto. E quero começar assim porque ontem, na França, Henri des Roziers partiu do mundo físico, para outro lugar que, independente da doutrina religiosa seguida por quem o lê, deve ser um lugar melhor que o nosso planeta, ainda mais para o homem que foi Frei Henri. Tenho 25 anos hoje, sou advogado e sou o pouco que sou pela influência direta de meus pais, contudo, ao analisar a trajetória de vida e profissional de ambos, há somente uma conclusão: eles somente são o que são porque conheceram Henri des Roziers. De forma direta, então, posso afirmar: Só sou o que sou por causa de Frei Henri. A perda de Frei Henri, ontem, por todos aqueles que apreciam um mundo mais justo, igual, fraterno e livre é um golpe amargo em um ano já muito amargo de tantos retrocessos. Hoje o mundo torna-se menos justo, humano, igual. Hoje os pobres, os pequenos trabalhadores rurais e os camponeses do Norte do estado do Tocantins e do Sul do estado do Pará perdem um de seus mais ilustres e importantes defensores.

Hoje a advocacia, tanto a brasileira quanto a francesa, perdem um de seus mais brilhantes e notáveis advogados. O mundo todo perde hoje. E eu perco uma de minhas referências e mais uma, das tantas, boas memórias de minha infância. Frei Henri se foi. Suas ideias, causas e inspiração, entretanto, permanecerão em todos e a luta continua, sempre.

Para concluir, compartilho essas palavras, tiradas da carta do MST de Marabá dirigida ao Frei Henri, no dia do seu falecimento:

Querido Frei Henri,

Nestes dias de tumulto generalizado, de luta e resistência do nosso povo sem-terra para não serem despejados, termos recebido na tarde de hoje a notícia de sua morte nos deixou momentaneamente entristecidos e sem “chão”. Logo nós Henri, ficarmos sem chão?!?! Que tanto defendemos e aspiramos conquistar a terra! Agora lemos as inúmeras notícias de reconhecimento de sua vasta trajetória, marcada pela luta incansável e intransigente em defesa dos pobres camponeses da fronteira amazônica que viviam e seguem vivendo uma dura realidade de perca de terra, de submissão ao trabalho escravo, de perseguições e de assassinatos! (…). Vá em paz querido Henri que aqui seguiremos inspirados em seu testemunho de amor e fé para ver a terra e os homens e as mulheres verdadeiramente livres e felizes!

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