O antropólogo, escritor e ex-secretário Nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares afirmou que a intervenção militar na área de Segurança do Rio de Janeiro anunciada pelo Governo Temer nesta sexta-feira (15) é meramente política e não trará resultado de efeito prático para reduzir a violência no Estado fluminense. Autor do best-seller Elite da Tropa, que deu origem ao roteiro do aclamado filme Tropa de Elite (2008, dirigido por José Padilha), Soares foi entrevistado pelo canal no youtube Tutameia e falou sobre as consequências técnicas e políticas da intervenção, especialmente para a população do Rio.
A agência Saiba Mais acompanhou a entrevista pela internet.
Para ele, o governo Temer está tentando colher o que o pré-candidato à presidência da República Jair Bolsonaro vem plantando em relação à militarização do combate à violência. E acredita que a intervenção no Rio é mais uma etapa do golpe de 2016que retirou do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff. Para Soares, é possível que deste processo surja ou ganhe força um candidato conservador alçado por uma coalização de centro-direita.
Na visão do especialista, transferir para as Forças Armadas o controle da Segurança Pública do Rio é a “legalização da brutalidade do Estado”, uma vez que os militares não são treinados para abordar o cidadão nas ruas, mas para manusear armas de fogo e atirar. Luiz Eduardo Soares também previu o fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), quando o governador Sérgio Cabral (do PMDB, hoje preso por corrupção) anunciou o projeto como a redenção da violência nas favelas cariocas.
“As UPPs estavam fadadas ao fracasso, isso era óbvio porque a ideia inicial tinha até virtudes, mas implicava em incursões bélicas nas favelas nas quais morrem suspeitos, cidadãos comuns e policiais. O que se altera é o poder de negociação da propina, do arrego…, mas o ciclo de violência continua se reproduzindo.”
Ele acredita que a intervenção militar do governo Temer só terá algum sucesso temporário em curto prazo se houver uma negociação com a mídia tradicional, em especial com a Rede Globo.
“Vai ser decisivo negociar com a mídia. Estamos tratando de aparência, os problemas não serão enfrentados, mas adiados. Se trata basicamente de uma intervenção para o Jornal Nacional. A intervenção militar é um problema editorial.”
O fato de, num primeiro momento, as Forças Armadas conseguirem reduzir os sintomas da violência no Rio não significa, de acordo com o Luiz Eduardo Soares, que os problemas de Segurança Pública estão sendo tratados. E chamou a atenção para um fato importante: as Forças Armadas sabem que não estão preparadas para os problemas que terão pela frente.
“Essa intervenção será magnificada pela grande mídia e num primeiro momento é possível que a população sinta um alívio, mas não poderemos continuar nessa trilha porque as próprias Forças Armadas não gostam desse tipo de responsabilidade, elas sabem que não estão preparadas para isso. O que pode levar a uma degradação institucional, como ocorreu no México, a ponto dos policiais ficarem ainda mais vulneráveis.”
Outro ponto do decreto de intervenção federal que preocupou o especialista em Segurança Pública do Rio foi a transferência para a Justiça Militar dos casos de violência envolvendo os militares das Forças Armadas. Hoje, quando um policial civil ou militar é acusado por algum crime, o caso é levado ao Ministério Público e à Corregedoria de Polícia.
“Estamos na iminência da intensificação da violência nos confrontos. No caso da violência letal da PM e unidades militarizadas da Polícia Civil, os casos estavam sob a vigência das corregedorias e do MP. E ainda que haja erro, do ponto de vista constitucional pode-se cobrar. Mas quando estão em ação as Forças Armadas, seus eventuais desvios e transgressões estarão sob a regência e supervisão da Justiça Militar, que tenderá a reagir de forma mais tolerante com a violência. Porque definirá confronto como confronto bélico.”
Ao abdicar de enfrentar os problemas estruturais que provocam a violência, especialmente a desigualdade social, o Estado passou a desempenhar o papel de interventor brutal nas comunidades periféricas. Não há saída para o problema em curto prazo, avalia Soares, sem confrontar o país com questões cruciais que estão na raiz, a exemplo da fracassada política antidrogas.
“Deixamos de enfrentar os grandes problemas estruturais e tratamos da crise quando o paciente está na CTI. Não enfrentamos as grandes questões. A segurança passa pela discussão sobre a lei de drogas absolutamente irracional, pela explosão da população penitenciária, que hoje é a terceira maior do mundo e a que mais cresce. Também não enfrentamos as desigualdades sociais, nas favelas e periferias. O Estado continua sendo um interventor brutal violento e é parte do problema. Sem investimentos preventivos, seguiremos enfrentando essa situação de maneira perigosa.”
Bolsonaro cai, Alckmin cresce
Ao afirmar que a intervenção militar do governo Temer no Rio de Janeiro é mais midiática do que resolutiva, o antropólogo faz uma análise política da estratégia federal. Para ele, caso o projeto consiga o que chama de “aparência” é provável que deste processo emerja um político de centro-direita para disputar e vencer as eleições para o Governo do Rio de Janeiro. O “sucesso” da intervenção também teria reflexos nacionais.
Soares acredita que a presença das Forças Armadas nas ruas do Rio deve esvaziar o discurso do político que mais se escora na retórica do combate à violência: JairBolsonaro.
“O movimento no Rio esvazia o Bolsonaro porque eles (a direita) querem colher o que o Bolsonaro está plantando. O (Geraldo) Alckmin (PSDB), por exemplo, está passando ao lado da intervenção militar. Que a população fale com o general, e não com o capitão. Na medida em que o clamor é atendido na prática o Bolsonaro perde esse discurso porque ele é um aventureiro, um nômade que pretende ser esse sebastianismo de direita. Então, (eles pensam) vamos ter a consistência do poder militar para mostrar como se pode agir para operar os problemas brasileiros. E isso certamente esvazia o Bolsonaro. E abre-se uma avenida para uma candidatura de centro conservadora que se apresente como solução viável, um ponto de gravitação em torno do qual formalizam-se alianças de direita e centro-direita.”
Apesar da análise pessimista, o especialista em Segurança Pública afirma que acredita num candidato apresentado pelas forças democráticas de esquerda para vencer aeleição. Para ele, está clara a tentativa de retirar do páreo o ex-presidente Lula, assim como também é nítido que a intervenção representa um novo patamar do golpe de 2016, que destituiu a ex-presidenta Dilma Rousseff.
“Acho que as coisas não são intencionais, com cada etapa que aplica funções coordenadas. Não há um demiurgo por trás ditando tudo. Mas se tratando de um governo ilegítimo e uma realidade ilegítima, em função da maneira ilegal como ocorreu o impedimento da Dilma, estamos sob esse momento. E se esse momento é capaz de ameaçar a liberdade do Lula e de inviabilizar a participação dele no processo eleitoral, esse ambiente também está presente na intervenção militar, independente de que tenha sido programada a intervenção numa visão totalizante. Nesse quadro (o governo Temer) quer buscar a legitimidade na marra, na força, endossar o discurso de Bolsonaro sem o Bolsonaro. É o Bolsonarismo sem o Bolsonaro.”