Michel Temer decretou a intervenção federal no Rio de Janeiro para melhorar sua popularidade e distrair o país diante de sua incapacidade de aprovar a Reforma da Previdência. Como já disse aqui, nada como uma ”guerra” para melhorar taxas de aprovação de um político menos popular que broca de dentista.
E enquanto for mantida a intervenção, nenhuma mudança à Constituição Federal pode ser aprovada – até para evitar (mais) golpes e afins.
Claro que, desde o impeachment, vivemos um momento de esgarçamento institucional, com leis, regras e normas dobrando-se à necessidade de quem detém os poderes político e econômico. Tornou-se corriqueiro ver nossa Carta Magna sendo usada como papel higiênico de luxo por gente que defende a moral e os bons costumes.
Talvez por isso, o governo federal nem corou as bochechas quando afirmou que pode suspender a intervenção federal por um dia ou dois para votar a Reforma da Previdência.
O que é uma proposta bizarra. Mesmo para Temer.
Em seu pronunciamento em rádio e TV para defender a intervenção federal no Rio, o ocupante do Palácio do Planalto disse que tomou uma ”medida extrema” porque a realidade está o ó do borogodó. ”Não aceitaremos mais passivamente a morte de inocentes. É intolerável que estejamos enterrando pais e mães de família, trabalhadores honestos, policiais, jovens e crianças. Estamos vendo bairros inteiros sitiados, escolas sob a mira de fuzis, avenidas transformadas em trincheiras”, cravou em tom dramático.
Se a sua preocupação fosse realmente a população, seu governo nem cogitaria a suspensão. Porque um local onde ocorrem ”morte de inocentes”, ”bairros inteiros sitiados” e ”avenidas transformadas em trincheiras” não pode ficar um ou dois dias sem a ”medida extrema” que ele escolheu para resolver o problema, correto?
O que ele vai fazer para que o povo, governo estadual, policiais, militares, traficantes, milicianos permaneçam sem fazer nada de novo enquanto Brasília vota a reforma? Vai gritar ”estátua” e confiar que todos fiquem exatamente no mesmo lugar, esperando?
Isso sem contar que essa ”pausa” pode ser declarada inconstitucional. Na verdade, como não existe a ”suspensão”, ele teria que conseguir vários deputados federais com cara de otário para aceitarem, após revogado a intervenção, votar a Reforma da Previdência e, logo depois, aprovar um novo decreto de intervenção.
Mas o governo Temer diz qualquer coisa porque sabe que o impopular projeto de mudança nas aposentadorias dificilmente será apreciado antes das eleições de outubro.
Fico imaginando a quem ele quer enganar, uma vez que o mercado também sabe disso e, de certo modo, precificou esse fracasso. E o povo, que é contra a proposta, ficaria satisfeito com o fato dela ser postergada até que um novo mandatário eleito estabeleça um debate público a respeito.
Tampouco Temer consegue, antes das eleições, aprovar mudanças infraconstitucionais mais radicais, que dependem de menos de 308 votos para serem aprovadas, como o aumento de 15 para 25 anos de contribuição mínima. Ou a redução no valor da pensão de quem já se aposenta por idade, ou seja, os mais pobres. Porque os deputados federal não são suicidas.
Já que o governo federal gosta de soluções que batem de frente com a lei, talvez não se importe de consultar se o povo deseja suspender Michel Temer e Luiz Fernando Pezão por algum tempo até que sejam votados o impeachment dos dois. Dessa forma, distante das canetas, não poderiam liberar emendas e cargos e prometer a aprovação de leis em nome de votos para salvar seus pescoços.
O Brasil é um grande videogame com botão de pausa. Funciona tão bem que até a democracia foi posta em compasso de espera enquanto seus políticos brincam com jogos de guerra.
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Foto: Sergio Lima/Poder 360