Estudo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos aborda impactos socioambientais da ação de imobiliárias agrícolas transnacionais na “última fronteira do agronegócio”, no Cerrado
Por Bruno Stankevicius Bassi – De Olho nos Ruralistas
Considerada uma das últimas fronteiras agrícolas do mundo, a região de Cerrado entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – denominada Matopiba – tem sido alvo de uma desenfreada corrida por terras que vem intensificando os conflitos rurais devido à expulsão, muitas vezes violenta, de povos indígenas e comunidades tradicionais de seus lares. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2016 foram assassinadas 61 pessoas em conflitos por terras na região.
É o que nos conta, com detalhes, o relatório “Imobiliárias agrícolas transnacionais e a especulação com terras na região do Matopiba”, divulgado no dia 15 pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
De acordo com o time de pesquisadores que conduziu as investigações, esta tendência “só aumentará”, “à medida que as companhias internacionais e transnacionais expressarem interesse na terra, e seu valor continuar a aumentar e o estado continuar a priorizar a investimento privado sobre a responsabilidade social”.
Entre 2000 e 2014, a área plantada com soja no Matopiba aumentou 253%. A da cana-de-açúcar, 379%.
AS TRANSNACIONAIS AGRÍCOLAS
O relatório traz um levantamento sobre as propriedades das principais imobiliárias ligadas ao capital transnacional que atuam na região. Entre elas, corporações como a SLC Agrícola que, em parceria com o fundo britânico Valiance Capital, foi uma das pioneiras na especulação com terras no Brasil.
A BrasilAgro, que adquiriu em fevereiro de 2017 uma área de 17 mil hectares no Maranhão, por R$ 100 milhões, também possui fazendas em outros seis estados, incluindo propriedades na fronteira entre Mato Grosso do Sul e Paraguai. Este caso será tema da série De Olho no Paraguai, no eixo As Empresas.
Fruto de uma joint venture entre Cosan S/A e o fundo de pensão de professores Tiaa-Cref, a Radar S/A possui portfólio de terras estimado em R$ 2,7 bilhões. Em 2015 já havia sido alvo de investigação da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, por haver comprado terras da empresa Colonizadora De Carli, suspeita de grilagem.
Outro fundo atuante na região do Matopiba é o Vision Brazil Investments, cujo capital é oriundo da TibaAgro, controlada pela poderosa família Golim. Esta foi acusada de ser a responsável pelo esquema de “pirâmide financeira” das Fazendas Reunidas Boi Gordo.
Uma terceira empresa, a Sollus Capital, esteve envolvida em litígio pela apropriação de 6 mil hectares onde moram 41 famílias camponesas na região da Serra do Centro, na cidade de Campos Belos (TO). As terras da Serra do Centro são consideradas o “filé mignon” do Cerrado. Entre os latifundiários com fazendas na região, destaca-se o nome da senadora Kátia Abreu (sem partido-TO), ex-ministra da Agricultura, uma das principais defensoras da expansão agrícola no Matopiba.
Após mais de 20 anos de batalha judicial pela área, em outubro de 2016, 24 das 41 famílias foram despejadas de suas casas.
EXPANSÃO E IMPACTOS
Segundo os pesquisadores, por mais que a compra de terras pelas imobiliárias transnacionais não seja, por si, ilegal, essas empresas muitas vezes se beneficiam do processo de grilagem conduzido por grupos locais, além dos efeitos gerados pelo uso das terras como ativo financeiro para especulação. Também não é raro que esses grupos dividam áreas vizinhas, como demonstrado pela apuração na Chapada do Até Que Enfim, no sul do Piauí.
Nessa região o Grupo InSolo Agroindustrial – que recebe recursos do Harvard Endowment Fund, um fundo estadunidense – administra fazendas vizinhas à propriedades da SLC Agrícola e da Radar. O resultado? Um aumento expressivo e constante no preço das terras, ainda que a produtividade das safras esteja em declínio, dificultando ainda mais a permanência das comunidades tradicionais detentoras do conhecimento de preservação e manejo sustentável do Cerrado.
Do ponto de vista ambiental, mostra o relatório, a destruição do Cerrado nativo para a implantação de lavoura mecanizada nos chapadões alterou o regime pluviométrico da região, secou nascentes e poluiu com o uso de agrotóxicos rios e brejos que abasteciam as áreas chamadas de “baixões”, onde vive grande parte das comunidades rurais. Não suficiente, empresas têm apropriado terras nos baixões para cumprir os 35% de reserva legal exigidos pelo Código Florestal.
A aquisição desses lotes é, muitas vezes, precedida pela coerção aos moradores para que vendam as áreas a baixo custo, conforme foi apurado pela caravana coordenada pela Fian Internacional em setembro de 2017.
O tema da expansão das imobiliárias agrícolas transnacionais no Matopiba voltará a ser tema no De Olho nos Ruralistas. Seguindo à publicação do relatório “O controle de terras por estrangeiros no Brasil: panorama geopolítico, aspectos legais e macro-tendências”, o observatório publicará uma série de matérias tratando casos específicos na região.
Exterminar populações nativas para ocupar seus territórios é uma tradição brasileira. Começou no ano de 1500, quando o conquistador português desembarcou da caravela e avistou no litoral da Bahia índios que habitavam há séculos as terras anunciadas como recém-descobertas. Apesar de hoje ser tratado como herói por ter percorrido epicamente longas extensões do território brasileiro, o bandeirante foi, antes de tudo, um genocida. Entrava nos sertões à frente de uma comitiva armada e buscava populações indígenas. Ao encontrá-las, destruía aldeias, trucidava homens, mulheres e crianças indistintamente e conduzia os sobreviventes – acorrentados – até os engenhos de cana-de-açúcar onde os vendia como escravos. O extermínio dos povos originários foi amparado na Doutrina da Guerra Justa, utilizada pelo colonizador para banalizar a morte dos pagãos resistentes à chegada do progresso. Pagãos, infiéis, gentios bárbaros, tapuios, caboclos, caiçaras ou bugres eram pejorativamente chamados os povos que não compartilhavam com o colonizador religião, idioma e costumes e chegada do progresso significava a ocupação de suas terras pelo estrangeiro invasor. A História do Brasil precisa ser revista para se resgatar a verdade negligenciada nos livros didáticos, omissos em relação à política genocida praticada há 500 anos pelo Estado Brasileiro contra povos originários. Índios avistados nos semáforos das cidades brasileiras, pedindo esmolas para garantir a sobrevivência, provam que a tradição continua, porém com versão atualizada. Chegada do progresso significa, hoje, expulsar populações indígenas de suas terras, derrubar a floresta e implantar nelas atividades altamente lucrativas que destroem o meio ambiente e desestruturam a organização social indígena. Quem lucra com a mineração à base de mercúrio que contamina rios e lagos onde os índios pescam e bebem; com o comércio clandestino de madeira e carvão que reduz florestas inteiras a montes de toras e brasas; com a plantação extensiva de milho e soja que abusa dos agrotóxicos e torna o Brasil o maior consumidor de venenos do planeta; com hotéis de luxo construídos em praias de beleza paradisíaca à custa da expulsão de comunidades tradicionais que habitavam a região há séculos, e com os projetos de usinas hidrelétricas executados sem respeitar estudos de impacto ambiental e social ?
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/04/19/interna_politica,373440/documento-que-registra-exterminio-de-indios-e-resgatado-apos-decadas-desaparecido.shtml
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-09-25/construcao-de-rodovias-no-governo-militar-matou-cerca-de-8-mil-indios.html