Desalento diante da falta de emprego ajuda a corroer o apoio à democracia. Por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Cerca de 4,6 milhões de pessoas desistiram de procurar emprego no primeiro trimestre deste ano por desalento. Esses contingente está fora da força de trabalho por não acreditar que exista oportunidade ou espaço no mercado, não contar com experiência ou qualificação, ser considerado muito jovem ou muito idoso, não encontrar serviço no local de residência ou não ter conseguido trabalho adequado.

No último trimestre do ano passado, o número era de 4,3 milhões, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.  A taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2017 foi de 13,7% e a do mesmo período deste ano, 13,1%. O governo Michel Temer diz que o desemprego caiu – mas só porque aumentou  o número de pessoas que, desanimadas, desistiram de procurar serviço. Elas representam, hoje, 4,1% da força de trabalho.

Na quinta (17), quando o IBGE divulgou os resultados, postei uma análise sobre o número. Mas considerando o tamanho do problema, há muito o que precisa ser dito sobre ele.

Esses 4,6 milhões são o maior contingente da série histórica. A região Nordeste concentrou 60,6% do desalento do país – Alagoas (17%), Maranhão (13,3%), Piauí (11,2%), Paraíba (10,3%) e Rio Grande do Norte (10,1%) estão à frente na questão do desalento. E Paraná (1,5%). Espírito Santo (1,2%), Rio Grande do Sul (1%), Rio de Janeiro (0,8%) e Santa Catarina (0,8%) nas últimas colocações.

E os desempregados, somados às pessoas que gostariam de trabalhar mais e os que desistiram de procurar emprego chegam a 24,7% – o que representa uma força de trabalho de 27,7 milhões.

Quando milhões de trabalhadores deixam de procurar empregos eles, ao mesmo tempo, param de acreditar em seu país e na viabilidade de seu futuro. E isso pode minar a já frágil e desorientada democracia.

Mesmo com indicadores como esses, o governo Michel Temer comemora que as ruas não estejam coalhadas de gente pedindo sua cabeça, tal qual ocorreu com Dilma Rousseff. De forma cínica, seus apoiadores afirmam que isso é uma prova de que a população entende que ele tem agido corretamente para tirar o país da crise e confia em sua honestidade. E que sabe que, no tempo certo, virá a bonança.

Ao mesmo tempo, pesquisas mostraram que ele, ao atingir índices de 3% de aprovação, conseguiu a proeza de estar abaixo dos pisos atingidos por Collor, Dilma e até Sarney. Sua reprovação segue estável – na incrível casa de 70%, segundo a última pesquisa Datafolha de abril.

Como já disse aqui, o silêncio na rua, quebrado aqui e ali por manifestações, não significa que a insatisfação não esteja no ar. Mas que há uma sensação de desalento generalizado. A parte que apoiou a saída de Dilma, seja por conta das denúncias de corrupção em seu governo ou pelo desgosto com a grave situação econômica que ele ajudou a construir, agora sente tristeza ao perceber que saiu da frigideira para cair direto no fogo. Dizem que há felicidade sincera no antipetismo puro, mas não questiono a religião de ninguém.

Quem não apoiou o impeachment sente impotência diante da profusão de denúncias de corrupção e o desemprego que não caiu mesmo com a agenda de desmonte da proteção social, trabalhista, que não foi chancelada pela população através de eleições.

E quem não foi às ruas nem para apoiar a queda de Dilma, nem para defendê-la, grupo que representa a maioria da população, e assistiu bestializado pela TV ao impeachment, segue onde sempre esteve: sentindo que o país não lhe pertence. Entende que as coisas vão piorando e, quando bandidos não retiram o pouco que ele tem, o Estado faz isso. Seja roubando suas aposentadorias, seja violentando-o nas periferias de todo o país.

O desalento da falta de emprego emprego está relacionado ao desalento da política. A manutenção forçada de um governo cuja legitimidade, honestidade e competência são questionadas seria suficiente para levar o país às ruas. Contudo, a sensação é de que boa parte da população, aturdida com tudo o que foi descrito acima, está deixando de acreditar na coletividade e buscando construir sua vida tirando o Estado da equação. O que deixa o Estado livre para continuar servindo à velha política e a uma parte do poder econômico.

Caídas em descrença, instituições levam décadas para se reerguer – quando conseguem. No meio desse vácuo, vai surgindo a oportunidade para serem sinistros que se consideram acima das leis se apresentarem como a saída para os nossos problemas. Sim, no médio prazo, o desalento pode parir o desespero.

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