Deputados retiraram “jabuti” que versava sobre empreendimentos e licenciamentos ambientais em Terras Indígenas sem consulta prévia aos povos afetados
por Guilherme Cavalli, em Cimi
A Câmara dos Deputados aprovou ontem, terça-feira (05), a Medida Provisória (MP) 820/18 que em sua ementa original dispunha sobre medidas de assistências emergenciais para acolhimentos de migrantes decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária. Contudo, a MP 820 preocupava indígenas por que, sorrateiramente, recebeu emendas que violam o direito de consulta prévia dos povos indígenas, com o objetivo de forçar a construção de um linhão na terra indígena Waimiri-Atroari.
A votação do projeto de lei do deputado Jhonatan de Jesus (PRB-RR) ocorreu após a retirada do Artigo 11, que versava sobre empreendimentos e licenciamentos ambientais em Terras Indígenas sem consulta prévia aos povos afetados. Devido a inconstitucionalidade do “jabuti” – acréscimos que nada tem a ver com o propósito original da medida – um acordo entre os partidos orientou a retirada do trecho.
Em marcha contra projetos anti-indígenas que tramitam na Câmara dos Deputados, uma delegação indígena da Bahia está em Brasília (DF) para semana de mobilização. Ontem, o grupo de 50 indígenas dos povos Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe e Tupinambá percorreu os corredores do congresso, cotidianamente frequentado por engravatados.
As lideranças assumiram posição contra a Medida Provisória, que segundo eles, “desrespeita a organização social dos povos”.
A MP 820/2018 alterava a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (6.938/81), dando um irrisório prazo de 30 dias o prazo para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) se manifestasse sobre a autorização de estudos ambientais em terra indígena para a realização de empreendimentos. Sem manifestação, o empreendedor teria livre acesso a estudos ambientais em Terra Indígena. O artigo eliminava a consulta prévia assegurada pelo Brasil em convenções internacionais. “
Pela afrontava a legislação internacional, a Constituição Federal e os direitos dos povos indígenas, o artigo 11 foi retirado da MP. “Esse artigo retira o poder autodeterminação das comunidades indígenas. Essa violação precisa ser repelida e rejeitada”, sustentou Chico Alencar (PSOL-RJ) ao defender a retirada do jabuti. “Esse corpo estranho tira autonomia de vida e cultura dos povos indígenas, autoriza intervenção em suas terras. O Brasil precisa aprender a respeitar sua diversidade humana e de culturas. Esse respeito é fundamental e antídotos a preconceitos e autoritarismos”, sustentou o deputado.
Em nota técnica que denunciava a inclusão de emendas sem qualquer relação com a crise migratória do texto original, o Ministério Público Federal apontou “contrabando legislativo” e violação a direitos indígenas em emenda à medida provisória de apoio a refugiados venezuelanos.
Segundo texto elaborado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), o relatório aprovado pela comissão mista que analisou a matéria incluiu no texto legislativo emendas inconstitucionais que, além de não terem qualquer relação com a temática, restringem o direito de consulta aos povos indígenas, garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Sem que a medida traga qualquer benefício concreto aos migrantes venezuelanos, busca restringir direitos indígenas previstos no Direito Internacional dos Direitos Humanos e também em sede constitucional”
Semana de Mobilização
Na manhã de ontem, em conversa com deputados e assessores que acompanham a pauta dos povos indígenas, a delegação marcou posição contrária também ao Projeto de Lei 490/2007 que altera Estatuto do Índio e estabelece o marco temporal como critério para demarcações e retira direito de consulta. O PL 490 está na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) e aguarda por votação.
“As alterações feitas na MP afetam o licenciamento ambiental e pretende infringir o direito dos povos indígenas a consulta prévia”, comentou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) durante a sessão plenária. “O PLV [agora MP 820] acabou por acrescentar dispositivos que impões significativas alterações na lei de Licenciamento Ambiental. As matérias, evidentemente, possuem conteúdos absolutamente estranhos ao teor do MP, o que afronta gravemente determinação vinculante expressa proferida pelo Supremo Tribunal Federal que vedou a inserção de emendas a lei caracterizamos de contrabandos legislativos, ou jabutis”, sustentou o deputado.
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Ontem, indígenas participaram da sessão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi