MPF e Brigada Militar apuram abordagem de homens armados a Guaranis na Fazenda do Arado Velho

Por Fernanda Canofre, no Sul21

A Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, através do Núcleo das Comunidades Indígenas e Minorias Étnicas (Nucime), anunciou que está apurando a denúncia de que homens armados teriam abordado famílias indígenas que fazem parte de uma retomada na Fazenda do Arado Velho, no bairro de Belém Novo, zona sul de Porto Alegre. O caso foi noticiado no Sul21, no último domingo (17).

Os Mbyá Guarani começaram o que chamam de retomada ancestral na sexta-feira (15), ocupando um trecho da orla da Ponta do Arado. Com as chuvas e época de cheias, eles acabaram tendo de entrar em uma área de matas, de propriedade privada. Segundo o grupo, na manhã de domingo eles foram abordados por seis homens que se apresentavam como policiais militares, exigindo que os indígenas saíssem imediatamente do local ou os removeriam a força. Os homens chegaram a dizer que já estavam providenciando transportes e mais homens. As famílias indígenas, no entanto, seguem no local.

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De acordo com a nota enviada pelo MPF ao Sul21, o grupo Guarani procurou a Procuradoria pela primeira vez no dia 5 de março deste ano. Eles relatavam que a empresa Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda. pretendia dar seguimento a construção de um condomínio de luxo na área da Ponta do Arado. O local, como já foi constatado em mais de um laudo arqueológico, abriga um possível sítio arqueológico pré-colonial Mbyá-Guarani.

Além da denúncia dos Guarani, o Núcleo de Meio Ambiente da própria Procuradoria também abriu inquérito pedindo para “averiguar as ações adotadas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional) para resguardar o patrimônio histórico, artístico e cultural possível de ser impactado pelo Empreendimento Urbanístico Fazenda Arado Velho”. A PR instaurou ainda uma notícia fato pedindo esclarecimentos ao coordenador de identificação e delimitação da Funai e ao superintendente regional do IPHAN sobre a área.

O Núcleo responsável por atender povos indígenas diz que foi comunicado da retomada no mesmo dia em que os indígenas chegaram ao local e que vem acompanhando o movimento desde então. O MPF diz ainda que “está analisando quais providências serão tomadas de modo a resguardar os direitos indígenas e sua liberdade de manifestação”, mas como há outras partes interessadas no fato, a questão é complexa.

“É importante salientar que este movimento se insere num bojo maior de reivindicações por parte desta etnia indígena no Rio Grande do Sul, que vem enfrentando dificuldades históricas na implementação das políticas públicas indigenistas, bem como lida com o tempo de espera, nem sempre rápido, de demarcação de áreas tradicionais pela Funai”, diz a nota.

A Fazenda do Arado Velho

A área da Fazenda do Arado, com 426 hectares, é reconhecida como um importante sítio arqueológico, com marcas de ocupação guarani, do período pré-colonial. Algumas das peças encontradas na região encontram-se em exposição no Museu Joaquim José Felizardo, na Cidade Baixa, em Porto Alegre.

A parte da Fazenda em si, com construções que datam dos séculos XIX e XX, teve como últimos donos a família Caldas, proprietários do jornal Correio do Povo.

Em um site mantido pelo grupo Preserva Arado, que defende a conservação da antiga fazenda, os ativistas lembram ainda da sua importância cultural para a identidade da própria região. A área está ligada à realização da pesca artesanal, criação de gado e cavalos, navegação e cultivo de alimentos. Além de ser uma referência no “núcleo urbano de Belém Novo”, “uma região marcada pela tranquilidade e qualidade de vida” na Zona Sul.

Há anos, moradores do Belém Novo tentam barrar o projeto que pretende transformar a antiga fazenda em um condomínio de 2,3 mil unidades residenciais e comerciais. Em 2015, a Câmara de Vereadores aprovou um projeto que retirou a área da zona rural da cidade e ampliando as possibilidades de uso da mesma, com aumento dos índices construtivos, na definição do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA). Em agosto do ano passado, porém, a decisão foi suspensa na Justiça.

Área ocupada por indígenas só pode ser acessada por barco. Foto: CimiSul /Divulgação

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