Para Luciano Mariz Maia, classificar as pessoas como as que merecem ou não viver é o que há de mais dramático no racismo
Procuradoria-Geral da República
“Quantas mortes serão necessárias para sabermos que já morreu gente demais? Quatrocentos e vinte mortes são poucas porque há 60 mil mortes no Brasil por ano?”, questionou o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte iniciou, nesta quarta-feira (13), a discussão sobre a suposta omissão legislativa para a criminalização da homofobia. O tema entrou em debate no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4.733. Após as sustentações orais, o julgamento foi suspenso e será retomado na sessão desta quinta-feira (14).
Para o vice-procurador-geral da República, há em comum em todas essas mortes “o mesmo desrespeito, desprezo, desimportância de serem consideradas pessoas”. Segundo ele, há um elemento de falta de humanidade, de coisificação, de desconsideração dos seres humanos. “Essas pessoas foram mortas porque são pessoas, pelo que são, não porque fizeram algo. Nós sabemos o estigma, a marca indelével que elas carregam pelo fato de serem categorizadas e rotuladas em razão da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero”, comentou.
Luciano Mariz Maia destacou que a sociedade não pode ter preconceitos, citando o preâmbulo da Constituição, que estabelece o estado democrático de direito e exige que a sociedade seja justa, fraterna e sem preconceitos. Para ele, é preciso estabelecer uma forma de solução pacífica das controvérsias. De acordo com o vice-PGR, o conceito de racismo não se trata de raça. “O racismo não está na cor da pele de quem eu vejo, não está nas condições culturais de quem eu vejo, não está no que eu vejo, mas em mim, que vejo”, assinalou. O representante do MPF sustentou que “é isso que faz com que, para combater o racismo, precisemos trabalhar os fundamentos da cultura na qual o racismo se manifesta”.
O vice-procurador-geral assinalou que a Constituição estabelece um pluralismo político, religioso, de visões culturais e que não há supremacia de uma cultura sobre a outra, todas devendo conviver como cultura. “Classificar as pessoas para dizer as que merecem ou não viver é elemento que está presente no que há de mais dramático no racismo”, enfatizou, explicando que o STF deve responder se cabe no conceito de racismo esse processo de desumanização do outro, conhecido como homofobia.
Sobre a competência para essa decisão, o representante do MPF destacou que o Poder Judiciário e o Ministério Público são legítimos para debater o tema porque respeitam a vontade do povo dita na Constituição e nas leis. Isso porque, segundo ele, “foi o povo constituinte que escreveu a Constituição, foi o povo constituinte derivado que modificou a Constituição, e foi o povo legislador ordinário que escreveu as leis”.
O vice-PGR destacou que o Ministério Público se esforça para fazer cumprir essas normas, e o STF tem a coragem de sempre calar as injustiças. “Este Tribunal nunca se acovardou, nem se acovarda agora, este Tribunal tem a grandeza de olhar os pequenos, este Tribunal tem a coragem e a ousadia de afirmar que há o direito à vida de todos, e todos merecem igual proteção da lei”, enfatizou. Por fim, ressaltou que não basta aos parlamentares dizer que estão sendo discutidos projetos de lei no Congresso. “Há necessidade de apresentar ao presidente da República um projeto para ser sancionado”.