PB – A comunidade do Porto do Capim e a sua luta

Uma história de abandono e resistência no centro da capital paraibana

Regina Célia Gonçalves*, Brasil de Fato

A comunidade do Porto do Capim, hoje formada por mais de 500 famílias, ocupa o local onde nasceu, em 1585, a cidade de João Pessoa, à margem direita do Rio Sanhauá, afluente do Rio Paraíba. Desde então, ali se localizava o porto comercial e os portos comunitários que ligavam as margens as ilhas do estuário. Em 1935, o porto comercial foi transferido para o município de Cabedelo devido ao assoreamento do rio Paraíba, provocado pela expansão descontrolada da atividade canavieira e pelo crescimento das cidades em suas margens. Iniciou-se, então, a decadência econômica da área, com as operações comerciais e financeiras, mudando-se para outros espaços. Enquanto isso, as instalações abandonadas deste antigo porto comercial foram sendo ocupadas, a partir dos anos 1940, por famílias de trabalhadores desempregados com o fim das atividades portuárias e das casas comerciais e de prestação de serviços. Elas se juntaram às de pescadores, marisqueiros, catadores de caranguejo e outros trabalhadores que já viviam ali, do rio e do mangue, desde que a cidade fora fundada no século XVI (herdeiros da cultura dos povos Potiguara).

Esse processo acelerou-se ao longo dos anos 1960/70 com a crise agrária deflagrada pela expulsão dos camponeses das terras, devido à expansão canavieira e à decadência da cotonicultura no agreste/sertão da Paraíba, que promoveu um intenso êxodo rural para a capital e outras cidades do estado. Essas são as origens de grande parte da população que hoje forma a comunidade e que, tendo se estabelecido na área, ali tem permanecido por quase 80 anos. A proximidade com o centro da cidade fez com que a mesma se consolidasse mantendo um forte vínculo com o território e com o mangue e o rio, em cujas ilhas alguns de seus membros praticavam agricultura familiar, ao mesmo tempo em que se consolidava também seu abandono pelo poder público. Ela pode ser entendida, hoje, como um espaço segregado, onde faltam creches, políticas de assistência à saúde, moradia digna para várias famílias e serviços públicos básicos como esgotamento sanitário e coleta regular de lixo.

Desde meados dos anos 1980, no entanto, a região tornou-se foco de atenção de projetos de exploração turística e comercial. Esse interesse aprofundou-se depois do tombamento do centro histórico de João Pessoa pelo IPHAN, em 2007, e, mais recentemente, pela existência do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC/Governo Federal/Prefeitura Municipal. Desde então, a comunidade tem vivido sob o risco de remoção, com o poder público alegando que “precisa devolver o Porto à cidade” e que para isso, é necessário remover os moradores que seriam responsáveis, entre outras acusações, pela degradação ambiental da área. O argumento não se sustenta porque a vida cotidiana da população e suas relações com o rio/manguezais resultaram na preservação dos mesmos (que estavam destruídos/degradados por obras mal sucedidas durante a reforma do porto nos anos 1920) e também na coesão da vida comunitária.

Em 2015, depois da mobilização da Associação de Mulheres do Porto do Capim, apoiada por parceiros como a UFPB e outras entidades, um laudo antropológico do Ministério Público Federal, a reconheceu como comunidade tradicional e ribeirinha. Hoje, em 2019, novo ataque é desferido contra essa comunidade, que deveria ser compreendida como patrimônio cultural da cidade, ao mesmo tempo em que precisa ser reconhecida e respeitada em seu direito a essa mesma cidade.

* Professora de História e coordenadora do Projeto Subindo a Ladeira

Edição: Heloisa de Sousa.

Imagem: Potira Tabajara durante protesto, realizado dia 20/03, contra ordem de despejo da comunidade Porto do Capim, emitida pela PMJP no dia 19/03. / Divulgação

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