Por Rubens Valente, da Folhapress, no Jornal do Brasil
A invasão de garimpeiros à terra indígena Yanomami, em Roraima, cresce a cada dia e já envolve cerca de 20 mil pessoas, afirmou à reportagem o líder indígena Davi Kopenawa. Ele e outros líderes na região fizeram denúncias e pediram providências a autoridades do governo Bolsonaro em audiências nestas terça-feira (14) e quarta-feira (15) nos ministérios da Justiça e da Defesa e na Funai, em Brasília.
Segundo os indígenas, os garimpeiros se espalham por quatro rios da região é até construíram uma vila com casas de madeiras, balsas e pistas de pouso na região de Auaris. O cálculo dos indígenas é que somente ali há 7 mil garimpeiros atrás de ouro e diamante. Em março de 2018, conforme uma denúncia protocolada pelas associações indígenas no Ministério Público Federal, esse número estimado era de 5 mil.
“Eu calculo que quatro rios -Uraricoera, Mucajaí, Apiaú e Alto Catrimani- estão poluídos. Eu calculo o número de garimpeiros em 20 mil. Está piorando, está chegando [mais gente]”, disse Kopenawa. “Eles não estão trazendo nada [de bom]. Só estão trazendo problema. A doença que cria é a malária, já aumentou nesse lugar. Lá no Amazonas na região Marari a malária aumentou. Já matou quatro crianças.”
Júlio Ye’kuhana, da associação indígena Seduume, disse que o garimpo ameaça três aldeias com cerca de 500 indígenas em Auaris. Os garimpeiros estão aparecendo nas aldeias para comprar alimentos e cooptar jovens indígenas. “A gente não gosta. Hoje em dia os jovens estão preocupados com o dinheiro. E jovens já estão envolvidos, são aliciados pelo garimpo. São minoria, quatro jovens. Os donos de balsas do lugar pegam os indígenas para pilotar o barco deles. Naquela região tem muitas corredeiras e os indígenas têm conhecimento para não bater em tocos [de madeira] e pedras”, disse Júlio.
Segundo o líder indígena, os jovens são remunerados com poucas quantidades de ouro, que trocam na cidade e lá “se envolvem com bebidas, com problemas”. Antes do garimpo, disse Júlio, havia caça e pesca em abundância, agora o cenário mudou. Os primeiros garimpeiros chegaram em 2007, mas depois de 2016, segundo Júlio, o número de invasores explodiu.
“Agora está sumindo tudo. Muito barulho de motor, isso que espanta a caça. E muito pior, não está dando mais para pescar. Água suja, barrenta. Não dá mais para tomar banho. As crianças caem lá e, quando saem do rio, começam a se coçar. Os peixes estão começando a morrer. Lá para cima, onde está o garimpo, muito lixo, muito podre. Jogam coisas no lixo e às vezes cadáver também. Eles se matam lá. Tem fugitivos de penitenciária, tem drogas, bebidas”, contou o líder indígena. Ele disse que os garimpeiros criaram uma vila num lugar conhecido como “Tatuzão do Mutum”, com “casa de madeira, cabeleireiro, oficina de conserta de motor, borracharia”.
Os indígenas a princípio foram até o garimpo para pedir que eles saíssem da região, mas depois se retraíram porque começaram a ser ameaçados. “Um tuxaua foi lá, disse que eles deviam ir embora, aí começaram as ameaças. ‘Vocês querem fazer isso com a gente, vocês vão o que nós vamos fazer com vocês.’ Isso é perigoso, por isso que a comunidade não está mais discutindo com eles. A comunidade agora fica quieta, não fala. Tentou impedir, mas as ameaças vêm forte em cima deles. Essa é a preocupação. Os garimpeiros andam todos armados, [com] pistola, espingarda.”
O garimpo também atinge a região do rio Mucajaí, onde vive a líder indígena Susana Xirixana. Com ajuda de intérprete, ela disse à Folha: “Minha preocupação é voltar aos rios limpos. Não quero como está. Vim aqui reclamar com a Funai, buscar apoio para a retirada dos não indígenas. A preocupação é muito grande com as crianças. Todo mundo sabe que a comunidade está sendo afetada. Eu também quero que os senhores autoridades tomem essa providência para voltar a como era antes”.
Outro líder da região, Eliseu Xirixana Yanomami, calculou que só na região do Alto Mucajaí há 2 mil garimpeiros. “Na região passam uns 20 barcos de 20 metros todo dia. A região está muito precária a respeito do garimpo. Eles colocaram até um equipamento ‘tatuzão’, aquele que destrói tudo, é uma máquina que come por dentro. É uma máquina que acha ouro onde ela pega. As pessoas estão destruindo o meio ambiente da nossa terra”, disse Eliseu.
Em Brasília, o grupo de indígenas foi recebido no Ministério da Defesa por um general do Exército que demonstrou conhecer o problema das invasões e prometeu fazer algo a respeito. Até o ano passado, segundo os indígenas, o Exército atuava na região tentando coibir o garimpo, ainda que sem muitos resultados práticos. De setembro para cá, contudo, as atividades cessaram. Os militares disseram aos indígenas que hoje os recursos estão sendo dirigidos para a operação de acolhimento de refugiados da Venezuela. Os indígenas apontam que as duas atividades são urgentes.
Os indígenas desconfiam das reais intenções do governo. O presidente Jair Bolsonaro já afirmou que apoia a exploração mineral em terras indígenas, hoje proibida. Os líderes rebatem a possibilidade. Davi Kopenawa disse que a maioria dos ianomâmis é contrária à exploração mineral.
“Eu tô achando que o governo Bolsonaro é muito difícil, [tem] pensamento diferente. Pensamento para ele [é que o garimpo] é bom. Mas, para nós, não é bom. O governo não vai apoiar a retirada dos garimpeiros. Eu acredito que não vai apoiar. Porque ele está querendo que os garimpeiros continuem. Até estragar nossos rios. Mas eu, Davi Kopenawa, tenho 38 anos lutando contra o garimpo. Eu não quero que o governo deixa continuar. Queria que o governo tomasse as providências para retirada dos invasores do garimpo da terra demarcada e homologada”, disse Kopenawa, que entre os dias 7 e 9 de maio participou, como convidado de destaque, de uma conferência sobre mudanças climáticas na Universidade de Harvard, em Boston (EUA).
“Nós queremos que o governo federal cumpra seu dever referente à saúde, educação e território. Da Constituição. É só isso que a gente quer hoje. Não queremos apoio de outros projetos do governo. Que o governo respeitasse nosso território”, disse Júlio Ye’kuhana.
OUTRO LADO
Em nota à reportagem, a Funai (Fundação Nacional do Índio) afirmou que desde a posse de Bolsonaro o órgão “apoiou o desenvolvimento de 80 ações de proteção territorial, atendendo 64 terras indígenas. Destas, 31 foram ações de fiscalização e 49 consistiram em ações de prevenção de ilícitos”. A Funai disse ainda que tem buscado “ampliar parcerias junto aos órgãos de segurança pública e de polícia ambiental, visando o fortalecimento das ações de proteção territorial nas terras indígenas mais críticas. Para tal, está sendo realizado um conjunto de reuniões junto ao Ibama, à Polícia Federal, às Secretarias Estaduais de Segurança Pública, entre outros”.
“Desde 2015, a proteção territorial das terras indígenas brasileiras tem sido fortalecida por meio dos dados de desmatamento fornecidos pelo Centro de Monitoramento Remoto (CMR). Por meio desses dados tem sido possível detectar, com menor lapso temporal, as atividades de desmatamento e degradação e, por consequência, realizar intervenções mais rápidas e apuradas em campo, visando à repressão dos ilícitos em curso”, informou a Funai.
O Ministério da Justiça afirmou que os dados apresentados pelos indígenas durante audiência no órgão “serão analisados a nível de inteligência e para adoção de medidas visando subsidiar as investigações a respeito e coibir as ações criminosas apontadas, inclusive em face de eventuais danos ambientais provocados pelos envolvidos”.
“O MJSP [Ministério da Justiça e Segurança Pública] reitera o compromisso de continuar atuando firmemente contra a atuação das organizações criminosas, inclusive aquelas que insistem em degradar o meio ambiente, por meio de atividades de garimpo ilegal, ou cometer crimes contra as comunidades indígenas”, afirmou o órgão.
Procurado desde quarta-feira (15), o Ministério da Defesa não havia se manifestado até o fechamento deste texto.
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Davi Kopenawa é uma das principais lideranças indígenas do país. Foto: Sesai /Ministério da Saúde