Dois assassinatos em Anapu aumentam preocupação por falta de acesso à justiça para defensoras e defensores do direito à terra no Pará

Front Line Defenders

Em 4 de dezembro de 2019, o defensor de direitos fundiários Marcio Rodrigues dos Reis foi assassinado em uma estrada próxima a Anapu. Ele era a principal testemunha de defesa em um processo de criminalização contra o defensor de direitos humanos Padre Amaro. Márcio é o 15º trabalhador rural assassinado na área desde 2015. Pouco depois, em 9 de dezembro de 2019, o conselheiro tutelar Paulo Anacleto também foi encontrado morto. O conselheiro estava ativamente envolvido nas investigações do assassinato de Marcio Rodrigues dos Reis.

Márcio Rodrigues dos Reis foi um defensor de direitos fundiários que ajudou a reorganizar a ocupação de pessoas trabalhadoras sem-terra onde vivia, após o acampamento ter sido atacado e destruído por pistoleiros. As terras ocupadas estão localizadas na fazenda Santa Maria, que é uma área de terras públicas griladas por empresário do agronegócio local. Como represália por seu papel de liderança no acampamento, Márcio esteve preso em 2017 durante nove meses e novamente em 2018 por cinco meses, sob acusações falsas de porte de arma sem permissão e por esbulho, acusações feitas pelo próprio fazendeiro.

Em 2018, como resultado de repetidas ameaças contra sua vida, Marcio foi aconselhado a deixar Anapu. Ele passou mais de um ano se escondendo das milícias, só retornando à cidade há alguns meses para ficar com sua família e trabalhar como mototaxista. Na noite de 4 de dezembro de 2019, Márcio Rodrigues dos Reis foi assassinado após ter sido esfaqueado no pescoço em uma estrada próxima a Anapu. A pessoa que o matou ainda não foi identificada, entretanto, organizações  locais acreditam na probabilidade de ser um assassino contratado por milícias ligadas a madeireiros e garimpeiros ilegais. Márcio tinha apenas 33 anos e era pai de quatro filhas.

O mesmo fazendeiro que já havia acusado a Márcio Rodrigues dos Santos usou sua influência para convencer fazendeiros locais a apresentar acusações contra o defensor de direitos humanos Padre Amaro, acusando-o falsamente de organizar e incitar ocupações de trabalhadores sem-terra na área. Padre Amaro atua na defesa dos direitos ambientais e fundiários em Anapu desde 1989, auxiliando trabalhadores rurais em conflitos agrários. Padre Amaro é conhecido como o sucessor da missionária Dorothy Stang, que também foi assassinada na mesma área em 2005, durante a luta pela reforma agrária e por uma vida digna para os trabalhadores da região. Devido ao ocorrido, Padre Amaro esteve em prisão provisória entre 4 de março e 18 de junho de 2018, e hoje enfrenta medidas alternativas que incluem a proibição de celebrar missas ou realizar reuniões com mais de cinco pessoas ao mesmo tempo.

Márcio Rodrigues dos Reis foi um dos trabalhadores pressionados pelo delegado da cidade para apoiar as falsas acusações contra Padre Amaro. Como não concordou em fazê-lo, tornou-se uma das poucas testemunhas que pôde falar sobre os esforços para criminalizar o Padre Amaro nos processos judiciais em andamento contra ele.

Márcio Rodrigues dos Reis seria o 15º trabalhador assassinado em Anapu, presumivelmente por milícias madeireiras, mineradoras e grileiras, desde 2015. Ate o começo de 2019, apenas dois desses casos resultaram em processos criminais, e três na acusação dos suspeitos. O estado do Pará é conhecido por sua impunidade endêmica, neste caso agravada pelo aparente controle que as milícias têm sobre a polícia e o judiciário. Sob a administração do presidente Bolsonaro, a apropriação de terras e o assassinato de pessoas defensoras de direitos humanos que denunciam tais atividades tornaram-se moralmente sancionados em favor da expansão do agronegócio e do lucro econômico.

Front Line Defenders está profundamente preocupada pelas violações de direitos humanos, assassinatos e impunidade por crimes contra pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, em particular na região de Anapu.

Front Line Defenders insta as autoridades no Brasil a:

1. Condenar veementemente o assassinato de Márcio Rodrigues dos Reis, o qual se acredita ser diretamente motivado pelo seu trabalho pacífico e legítimo em defesa dos direitos humanos;     

2. Realizar uma investigação imediata, completa e imparcial sobre o assassinato de Márcio Rodrigues dos Reis, bem como sobre as ameaças contra ele, tendo em conta a retaliação pelo seu trabalho em direitos humanos como principal linha de investigação, com vista a publicar os resultados e levar os responsáveis à justiça de acordo com as normas internacionais;

3. Tomar todas as medidas necessárias para proteger a integridade física e psicológica dos familiares de Márcio Rodrigues dos Reis, especialmente da sua esposa e quatro filhas, bem como de todas as pessoas defensoras de direitos humanos em Anapu, em consulta com as mesmas;

4. Garantir, em todas as circunstâncias, que todas as pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, em particular as defensoras da terra e de direitos ambientais, sejam capazes de realizar suas atividades legítimas de direitos humanos sem medo de represálias e livres de quaisquer restrições.

Imagem: Cruz sinaliza local da morte de Dorothy Stang, em 2005

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

12 − onze =