“Relações existentes antes do rompimento não são mais possíveis”, afirma pesquisador sobre bacias do Doce e Paraopeba

Professor especializado em Ciência de Dados aplica método para analisar impacto dos rompimentos das barragens nas relações humanas entre os atingidos

por Coletivo de Comunicação MAB MG

Com pós doutorado em física pelo Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), Evandro Saidel é professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP) da USP e, atualmente, professor convidado no núcleo de pesquisa coordenado pela professora Dulce Maria Pereira na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) sobre os impactos dos crimes da Vale em Mariana e Brumadinho.

Especialista em ciência de dados, Saidel aplica um método que analisa as consequências dos rompimentos das barragens nas relações humanas desenvolvidas nas comunidades das bacias atingidas. De acordo com o professor, o prejuízo imaterial é grande. Saiba mais sobre o estudo na entrevista:

MAB: Uma das suas áreas de estudos é a elaboração de mapas de redes, e agora com o foco nas relações das comunidades atingidas por barragens. Como é feito este trabalho? E qual o efeito dele na vida dos atingidos?

Evandro Saidel: O trabalho é feito em duas etapas. Na primeira entrevistamos cada pessoa atingida para entender como era o dia a dia de cada um, ou seja, as relações com outras pessoas, atividades sociais, interação com o meio ambiente. Depois, na segunda etapa, os dados de todas as entrevistas são inseridos num mapa de relações. Então, por exemplo, se várias pessoas indicaram que participam de determinada festa estas participações estarão desenhadas num mapa. Mas, uma mesma pessoa participa de várias atividades com as mesmas ou outras pessoas. No final, teremos um mapa que apresenta as relações socioambientais antes do rompimento da barragem e depois. Este mapa pode ser um documento que registra o histórico vivido pelos atingidos. Como as atividades sociais e a relação com o meio ambiente estavam interligadas, quais ainda se mantém, quais podem ser recuperadas.

O que os estudos proporcionam para os atingidos e quando chegam ao fim?

Por meio da ciência de redes, são construídos mapas com as relações socioambientais na região, antes e depois do rompimento da barragem. Com a finalização do estudo, será possível dimensionar a transformação nessas relações. Já sabemos que vários laços foram rompidos.

As empresas que causam os crimes se negam a indenizar danos não materiais. Mesmo sabendo da dificuldade em precificar o empobrecimento das redes de relações, o que o você acredita que pode ser feito no sentido de mitigar esse tipo de prejuízo? Como o estudo contribui com isso?

Este estudo pode complementar o trabalho já realizado por vários profissionais na construção de “matrizes de danos”. Também, na realização da cartografia socioamiental das bacias do Rio Doce e do Paraopeba. O estudo de ciência de redes fornece várias medidas de importância relacionadas às pessoas e aos relacionamentos. Estas medidas podem ser ligadas às características de matrizes de danos e ajudar no dimensionamento dos danos não materiais mais ligados à realidade.O estudo das perdas imateriais, com identificação dos impactos das perdas ecossistêmica, é uma das possibilidades do estudo.

Sabemos que, neste momento, além das comunidades atingidas diretamente pelos rompimentos das barragens, muitas outras sofrem as consequências, seja nas bacias dos rios contaminados ou nas cidades que estão ameaçadas por novos rompimentos. Baseado na sua experiência, o empobrecimento das redes de relacionamento pode estar ocorrendo também nesses outros locais?

Uma característica existente na ciência de redes é revelar relacionamentos que ocorrem de forma direta e também indireta. De forma simplificada, tudo e todos estamos conectados. Certamente, as consequências são propagadas para a vizinhança, principalmente, para as cidades ameaçadas por novos rompimentos. Até mesmo a relação das pessoas com a natureza fica comprometida.

Quais foram os elos que se romperam no processo e que prejuízos isso traz nas redes de relações?

Esta é uma pergunta importante. Todos os atingidos já sabem a resposta de forma individual, e existe uma dificuldade de registrar e comunicar estas perdas, principalmente para autoridades. Ainda estamos no meio do estudo, mas já conseguimos mapear elos importantes na vida de pessoas que foram rompidos, como por exemplo as participações em atividades culturais, religiosas, vivência em família, contato com a natureza.

E quais são as principais relações rompidas?

Relações entre pessoas e elementos do meio ambiente, como água, frutas, alimentos. Também a dinâmica entre o local e a capacidade de geração de renda. Relações de amizades, pois muitos relatam que tiveram que morar longe de amigos que antes viam com frequência. Relações culturais e de lazer.

Em resumo, quais os principais prejuízos para os atingidos em uma previsão para os próximos anos?

É muito difícil entendermos e dimensionarmos os prejuízos. Mas, recentemente, o mundo todo teve uma ideia do prejuízo que existe quando nossas relações são cortadas, como no caso do isolamento social necessário para combater a pandemia da Covid-19. No caso da pandemia, muitos perderam empregos, ficaram sem contato de amigos, estão preocupados com o ar que respiram. Mas, os prejuízos para os atingidos são bem maiores. Além de recentemente também terem que enfrentar a pandemia, eles já sofrem muitas outras privações por um período bem maior, no caso de Mariana, cinco anos. A expectativa é que o resultado de vários estudos colaborem para que nos próximos anos os atingidos consigam recuperar os relacionamentos socioambientais que foram quebrados pelo rompimento da barragem.

Existe expectativa de aplicar esta metodologia em outros locais de comunidades atingidas por barragens?

A intenção é completar este estudo aplicando a metodologia até obter informações da maior parte dos atingidos nas bacias dos rios contaminados. Tenho um compromisso com a pesquisa em colaboração com a Professora Dulce Maria Pereira, da Universidade Federal de Ouro Preto, que tem liderado estes estudos. Assim, colaborando com ela, poderemos aplicar a metodologia em outros locais atingidos.

Foto: ANTONIO CRUZ – AGÊNCIA BRASIL

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