Caso Samarco: MPF recorre contra extinção de ação que pedia implementação de plano de ação em saúde de Barra longa (MG)

Justiça Federal considerou que MPF é parte ilegítima para propor ação que buscava solução para o sistema de saúde municipal, que continua sobrecarregado com as demandas geradas pelo desastre

Ministério Público Federal em Minas Gerais

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força-Tarefa Rio Doce, recorreu da sentença que extinguiu a ação civil pública que buscava obrigar a Fundação Renova a custear integralmente a implementação de um Plano de Ação em Saúde no município de Barra Longa (MG). Os recursos deveriam ser repassados para o Sistema Único de Saúde (SUS) no município, sobrecarregado com os atendimentos à população desde o rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015.

A ação, extinta pelo juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, foi proposta em março deste ano e frisava que a atuação desidiosa e ineficiente da Fundação Renova tem sido causadora de novos danos à população atingida.

Danos morais – A ação, entre outros pedidos, também requeria a condenação da Renova por danos morais coletivos, decorrentes do sofrimento e da sensação de desproteção advindos do contexto da inviabilização dos serviços de saúde prestados no município de Barra Longa, no valor de R$ 32.588.712,00. Para o MPF, o montante deveria ser revertido ao sistema de saúde do município.

Barra Longa, cuja sede está localizada a 72 quilômetros de Mariana, foi severamente atingida: a lama desceu o Rio do Carmo, que cruza todo o município, com um volume tão intenso que transbordou o leito do curso d’água, formando espessa camada de rejeitos de minério nas ruas e praças da cidade, assim como na zona rural. A poluição ambiental, somada à profunda alteração na rotina de vida das pessoas atingidas causou à população diversos e graves problemas de saúde.

Decisão – Segundo a sentença que extinguiu o processo sem o julgamento do mérito, o MPF não seria parte legitima para propor a ação sob o fundamento de que o “objeto da demanda é o repasse/custeio de natureza pecuniária e indenização por dano moral pela Fundação Renova ao município de Barra Longa (MG).”

Mas, para o MPF, esse argumento é equivocado, pois o financiamento da saúde atende principalmente aos interesses da população e não exclusivamente ao ente municipal. “Por esse raciocínio, toda política pública seria apenas do interesse do ente público, se tornando em uma visão fortemente antidemocrática das políticas públicas, em que apenas o interesse do Estado prevaleceria. A decisão também vai na contramão da jurisprudência pacífica reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para atuar nessas causas”, afirmam os procuradores da República que recorreram da sentença.

“O que é lamentável, é bom que se aponte, é que seja necessário perder tanto tempo e despender recursos públicos com a tramitação deste expediente, discutindo uma questão meramente processual, desvinculada do mérito de um direito tão fundamental ao ser humano, que é o direito à saúde. Lamentável, mais ainda, quando se observa que a decisão recorrida é flagrantemente equivocada e viola, de modo patente, centenas, senão milhares de precedentes do Superior Tribunal de Justiça”, diz o recurso.

O MPF ressalta que não objetiva defender o interesse do ente municipal, mas sim assegurar à população o acesso a um sistema público de saúde hígido e apto a dar conta das demandas que lhe foram acrescidas pelo desastre do rompimento da barragem de Fundão. Ainda assim, quando ajuizou a ação, requereu a citação da União, do estado de Minas Gerais e do próprio município de Barra Longa para integrarem a ação, na condição de interessados.

O recurso relata ainda que, após o município de Barra Longa requerer a entrada no processo ajuizado pelo MPF, o juízo federal não foi receptivo, de imediato, ao pedido, determinando a intimação do “município de Barra Longa (MG) para que, querendo, venha aos autos esclarecer o pedido de admissão no processo, indicando qual tipo de participação pretende deferimento”. O que, para os procuradores, torna a decisão contraditória, já que o próprio ente municipal se manifestou favoravelmente a ingressar na ação civil pública proposta pelo MPF.

O recurso afirma ainda que, cerca de três meses depois do ajuizamento da ação civil pública do MPF, “o município de Barra Longa, em boa hora, diante das dificuldades que foram impostas pelo Juízo Federal à tramitação da presente ação civil pública, propôs, também contra a Fundação Renova, a ação ordinária 1024832-63.2020.4.01.3800”.

Ocorre que os pedidos formulados pelo MPF na ação que ajuizou em março são mais abrangentes do que aqueles que foram formulados na ação que o município propôs em junho, na qual foi proferida decisão do Juízo Federal concedendo apenas em parte a medida liminar pleiteada pelo ente municipal.

Pedidos – O MPF pede que a ação civil pública volte a tramitar, reconhecendo-se sua legitimidade para atuar na causa. Também pede no recurso de apelação que a ação do MPF e a que veio depois a ser proposta pelo município de Barra Longa passem a tramitar conjuntamente, permitindo-se dessa forma o julgamento de ambas, conforme prevê a legislação.

Íntegra do recurso

Imagem: Município Barra Longa-MG, atingido pela lama da barragem de mineração da Vale/BHP Billiton. Foto: Joka Madruga

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