Especial: Desmonte acima de tudo

Por Rebeca Lerer*, em Sinal de Fumaça

Ao longo da pesquisa de mais de 800 notícias e publicações sobre a crise socioambiental brasileira para construir a linha do tempo de Sinal de Fumaça, identificamos quatro padrões de atuação do governo Bolsonaro: interferência política e ideológica em agências e autarquias para desregulamentar normas e silenciar opositores; cortes de orçamento e não execução de verbas autorizadas; falta de transparência nos dados; e criminalização da sociedade civil.

Navegar pela linha do tempo de Sinal de Fumaça e acompanhar as atualizações semanais do monitor ajuda a entender que, com maioria ruralista no Congresso Nacional, o discurso negacionista da gestão Bolsonaro integra uma sofisticada estratégia de aparelhamento do Estado e consolidação de seu projeto de poder.

Bem antes de verbalizar a “boiada” na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o Ministro Salles já vinha alterando as estruturas do Instituto Brasileiro de Recursos Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), com a militarização de cargos-chave, exoneração de servidores e proibição de entrevistas e manifestações na internet. Na Fundação Nacional do Índio (Funai), após tentativas frustradas de tirar a agência do Ministério da Justiça, o governo nomeou um missionário evangélico para a coordenação de povos isolados.

Os cortes de orçamento prejudicaram ações de combate ao fogo, ao desmatamento, à extração ilegal de madeira e ao garimpo em terras indígenas, além de impactar a já precária assistência de saúde aos povos tradicionais durante a pandemia do coronavírus. A baixa execução dos recursos aprovados para o MMA e Funai completa o ciclo de desinvestimento nas políticas socioambientais do país.

Contrariando sua própria narrativa anti-crime, o presidente Bolsonaro recebeu garimpeiros invasores e proibiu a destruição de maquinário apreendido em operações contra madeira ilegal. Mesmo com o decreto de Garantia de Lei e Ordem – GLO, as Forças Armadas falharam em conter a invasão de áreas indígenas e o avanço da grilagem e do desmatamento sobre terras públicas. Como resultado de dois anos consecutivos de queimadas descontroladas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, o Brasil está sendo descartado por fundos internacionais de investimentos e eurodeputados colocaram o tratado comercial União Européia – Mercosul na berlinda.

Nesse período, as imagens de satélite e informações produzidas pelo Inpe, que revelaram a dimensão do fogo nos biomas do centro-oeste e norte e registraram as nuvens de fumaça desses incêndios chegando aos céus do sul e sudeste, foram questionadas sistematicamente pelo governo, ameaçando interromper as séries históricas de dados sobre a desmatamento no país.

As declarações de cunho racista contra indígenas e quilombolas em eventos de campanha do então candidato Bolsonaro não eram mera retórica eleitoral. As falas do presidente se traduziram na paralisação total da demarcação de novas reservas e no envio de projetos de lei ao Congresso para permitir mineração em terras indígenas. ONGs e entidades ambientalistas têm sido rotuladas de “inimigas do Brasil” e frequentemente envolvidas em fake news e “teorias da conspiração” – como a que culminou com a prisão preventiva de brigadistas voluntários que combateram incêndios florestais no Pará no final do ano passado.

Assim, o Brasil chega ao final de 2020 acumulando recordes de devastação do seu patrimônio natural, expondo suas populações indígenas e quilombolas à violência e à pandemia e ocupando o lugar de pária na diplomacia internacional de meio ambiente e direitos humanos. Apesar de todo escândalo e da crescente pressão pública, o desmonte socioambiental e as reformas infralegais do governo Bolsonaro continuam; o nosso monitoramento, também.

*Rebeca Lerer, jornalista, ativista de direitos humanos e coordenadora do Sinal de Fumaça – Monitor Socioambiental

Ilustração: Bianca Baderna

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