Mesmo sendo intimada, a Fundação não incluiu Terras Indígenas interditadas, de índios isolados, no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef)
A Fundação Nacional do Índio (Funai) é acusada, pelo Ministério Público Federal (MPF), de descumprimento da decisão judicial, em liminar, que suspendeu os efeitos da Instrução Normativa nº 09, em 14 de maio de 2020. O MPF, por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, entrou com pedido judicial para que a Fundação pague a multa de R$ 100 mil/dia por descumprir a decisão. A IN 09 permite, de forma ilegal e inconstitucional, o repasse de títulos de terra a particulares dentro de áreas indígenas, protegidas pela legislação brasileira.
Conforme o pedido feito à Justiça Federal pelo MPF, a decisão liminar foi oficialmente comunicada à Funai no dia 23 de junho. Data que, segundo a Fundação, foram inseridos no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) as áreas indígenas que ainda possuem processos demarcatórios que não foram finalizados. Na mesma data, foi realizada a inclusão das áreas ainda não georreferenciadas e não homologadas no Sigef, impedindo, assim, a certificação de imóveis particulares em áreas não homologadas.
Ocorre que as informações trazidas aos autos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) revelam que a Funai não está cumprindo a ordem judicial.
O MPF se baseia na inconsistência dos dados informados pela Fundação no Sigef, em comparação com a informação trazida pelo INCRA. De fato, em junho de 2020, quando a Funai alegou que cumpriu a liminar, a instituição informou existirem um total de 513 Terras Indígenas em todo o Brasil, sendo que, posteriormente, em novembro de 2020, segundo o INCRA, o número informado aumentou para um total de 538 TI no país. “Ora, se os dados fornecidos após a intimação formal da liminar deferida não traziam todas as Terras Indígenas cadastradas, posto que entre junho e novembro houve um aumento nesse número, a conclusão a que se chega é que houve o descumprimento da liminar por parte da Funai”, enfatizou o procurador da República Ricardo Pael.
O MPF também salienta na manifestação enviada à Justiça Federal que “nem mesmo após a última atualização da base de dados do Sigef, em novembro de 2020, pode-se falar em cumprimento da liminar”.
Com efeito, segundo as informações fornecidas pelo Incra, ainda não constam do Sigef as Terras Indígenas interditadas, ou seja, de índios isolados, apesar da determinação judicial ordenar expressamente sua proteção. “Evidente, portanto, que a Funai insiste em desrespeitar a ordem judicial, faz pouco caso das diversas intimações que já recebeu e falta com transparência nestes autos, deixando de cumprir a liminar e omitindo tal informação, flertando com a má-fé e a deslealdade processual”, concluiu o procurador em seu pedido à Justiça Federal.
O Incra também noticiou que foi verificada a abertura de 47 requerimentos para certificações de propriedades particulares que incidem sobre Terras Indígenas em Mato Grosso, o que revela o grave risco de dano em razão do descumprimento ou do cumprimento parcial da decisão por parte da Funai.
Sobre a decisão
Na decisão liminar proferida em maio do ano passado, o juiz da 3ª Vara Federal em Mato Grosso, César Augusto Bearsi, lembrou que as terras indígenas são um bem da União e, portanto, são inalienáveis e indisponíveis, independentemente da vontade da etnia envolvida, e os direitos sobre elas não se perdem com o tempo. Destacou também que a instrução normativa anula, inconstitucionalmente, a proteção das terras indígenas, reconhecendo a validade de propriedade privada onde talvez ela não exista, colocando em risco os indígenas e os particulares, que podem criar expectativas falsas sobre a propriedade, que depois pode vir a não ser realmente reconhecida. “Assim, seja pelo respeito devido às terras indígenas e à opção feita pelo legislador constituinte em relação a elas, seja porque a nova IN/9 possa trair a confiança dos administrados na Administração ao emitir documento potencialmente falso, deve ser dada a liminar. Presente, portanto, a probabilidade do direito”, afirmou.
Levantamento
Um levantamento realizado pelo Ministério Público Federal, por meio da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea), da Procuradoria-Geral da República (PGR), divulgado no dia 9 de junho de 2020, aponta que 9.901 registros de imóveis rurais, inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) estão sobrepostos a terras indígenas em diferentes fases de regularização ou a áreas com restrição de uso. Foram considerados os dados extraídos do Sistema CAR, vinculado ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB), no período de 21 a 31 de maio do ano passado. De acordo com o levantamento, em Mato Grosso existem 1.062 áreas indígenas com sobreposição de cadastro de imóveis rurais, sendo que 1013 são Terras Indígenas e 49 possuem restrição de uso.
Decisões pelo Brasil
Até o momento, já foram ajuizadas 26 ações judiciais em 13 estados brasileiros – Pará, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – perante a Justiça Federal buscando o retorno dos registros das terras indígenas para os cadastros fundiários públicos. Destas, foram concedidas 18 decisões liminares, mas em duas o efeito da liminar foi suspenso por decisão judicial. Com isso, os pleitos liminares indeferidos totalizam quatro. Outra parte das ações ainda se encontra sob análise judicial.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal
Procuradoria da República em Mato Grosso
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Foto: Mídia Ninja