‘A possibilidade de ruptura institucional vem pelas PMs’, diz Adilson Souza

Doutor em Psicologia e mestre em Direitos Humanos, tenente-coronel Adilson Paes de Souza comentou sobre o bolsonarismo nas PMs e as projeções para os atos de 7 de setembro no Da Ponte pra Cá

Por Elisa Fontes, na Ponte

Desde o mês de agosto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem estimulado seus apoiadores a participarem dos atos do dia 7 de setembro ao proferir ataques às instituições democráticas, ao sistema eleitoral e fazer ameaças golpistas. Parte desta base de apoio ao presidente é formada por policiais militares que também convocaram e prometem aderir às manifestações bolsonaristas previstas em diferentes estados do país.

Para debater esta relação e a politização das PMs, o Da Ponte pra Cá desta quinta-feira (2/9) recebeu Adilson Paes de Souza, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) com a tese “O policial que mata: um estudo sobre a letalidade praticada por policiais militares do Estado de São Paulo”, mestre em direitos humanos e tenente-coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo. A conversa mediada pelo diretor de redação da Ponte Fausto Salvadori, disponível no YouTube da Ponte, expôs quais são as chances de um golpe de Estado no Brasil regido por policiais, no chamado “modelo boliviano”.

Um dos PMs envolvidos na mobilização para o dia 7 em redes sociais é o coronel Aleksander Lacerda, chefe do Comando de Policiamento do Interior-7 (CPI-7), que foi afastado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB) no dia 23 de agosto. Adilson avalia que dificilmente o coronel da ativa será punido por ato indisciplinar após manifestar-se politicamente “insuflando a quebra da ordem institucional”.

“A polícia e o governador não puniram. E o governador não fez isso justamente por não ter a certeza de que ponto ele pode contar com a polícia. Eu acho que o governador deve estar se perguntando ‘quantos policiais militares que me elogiam no meu gabinete ou em eventos, mas na verdade estão conspirando contra mim?’”, considera.

Adilson diz que pesquisas têm mostrado cada vez mais o apoio de policiais à Jair Bolsonaro e suas ideologias que pregam o discurso de ódio. “A possibilidade de ruptura institucional vem pelas Polícias Militares. Não é de hoje que a imprensa está publicando, que por mais dúbia que seja a postura do comandante do Exército, os generais do alto comando deixam vazar para a imprensa que discordam dessa dubiedade e são totalmente contra a uma aventura antidemocrática por parte das Forças Armadas, porque eles sabem que o Exército já está para lá de desmoralizado.”

No entanto, os militares sabem que o risco de um golpe acontecer pode partir da polícia que é uma força muito capilarizada, ressalta o pesquisador. A forma como as polícias têm atuado diante dos atos pró-governo e contra Bolsonaro, além da proximidade que o presidente tem com os oficiais, mostram também que o levante é viável, o que seria uma divergência ao que, em tese, defende boa parte do Exército. Adilson diz que não é possível cravar o que irá acontecer.

‘Raízes militarizadas’

Para chegarmos a este cenário de ameaças ao STF e flerte com uma ruptura democrática por parte das PMs, Adilson considera que houve omissão das instituições durante décadas e isso “permitiu que esse corpo anacrônico, que é a Polícia Militar no Estado Democrático de Direito, subsistisse”. A lei que instituiu a reorganização das PMs, feita em 1969, foi mantida intacta mesmo após a redemocratização e tem fundamento no ato institucional nº 5, o mais duro da ditadura militar.

“Essas raízes militarizadas com o cerne dos valores carreados pela doutrina de segurança nacional, que é a doutrina do combate e da eliminação do inimigo, ficaram presentes produzindo resultados, quando muito latentes, e as autoridades acharam que estava tudo controlado pelo Estado Democrático de Direito e eles eram obedientes ao poder civil. E não são”, explica.

A figura de Jair Bolsonaro evidencia este processo e encoraja a corporação, entre praças e oficiais, a agir da mesma maneira. Apesar das declarações antidemocráticas do presidente e até mesmo um aparelhamento de instituições, segundo Adilson, nada é feito para inibi-lo, mesmo com todas os instrumentos legais e jurídicos que existem.

7 de setembro

A possibilidade da presença dos PMs da ativa e da reserva armados nas manifestações pró-Bolsonaro levantaram a preocupação sobre a segurança dos atos por parte das autoridades, do Ministério Público e da Ouvidoria das Polícias na última semana e de que forma será o policiamento. Adilson destaca a importância de filmar as ações de policiais e o planejamento para monitorar estas ações com o apoio da sociedade e das autoridades civis. “Há policiais que estão em serviço que veem alguma coisa errada e fingem que não vê. esse apoio velado a determinadas práticas”, ressalva.

“Eu acho que a coisa é tão grave que basta um policial militar da ativa carregar uma faixa pedindo o fechamento do Congresso que isso já é um ato de golpe de Estado. Mas pode ser mais como mostrar a arma, hostilizar repórter da imprensa, políticos, opositores. Tudo pode acontecer e o golpe vem disso”.

Segundo ele, estas possíveis atitudes podem intimidar a própria população e influenciar outras manifestações da oposição, cerceando direitos constitucionais. “O conceito da democracia controlada ou vigiada, é essa democracia que eles querem, de manifestações público para o ‘amém’, para o aplauso e nunca para a crítica, pois quem criticar é inimigo”, afirma Adilson se referindo ao alto número de letalidade policial.

Esta mentalidade é uma herança da ditadura militar que se respalda na defesa da pátria e na ordem. “Existe uma sabotagem em inciativa da sociedade civil que procura exercer um controle sobre a polícia, uma coisa natural da sociedade democrática”. No ponto de vista de Adilson, outros grupos que podem acolher a ideia de um golpe e apoiar a atuação das polícias são as milícias urbanas e rurais e grupos privados como os CACs (colecionadores, atiradores e caçadores), beneficiados por Bolsonaro em decretos que facilitam acesso a armas.

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Reverter esta situação exige políticas públicas para que se reformule decretos, se instale parâmetros de controle, prevenção e aplicação das leis, opina o pesquisador. “A gente tem que ter acesso e controle sobre a forma de atuação, de seleção, de formação desses policiais”.

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