Apocalipse Parakanã

Em acordo “com Supremo, com tudo” apoiado pela Funai, etnia do Pará perde metade de seu território para grileiros

Do Observatório do Clima

Além de não demarcar “um centímetro” de terra indígena, o governo Bolsonaro termina seu terceiro ano de destruição do meio ambiente cumprindo a promessa macabra do presidente de tentar reduzir áreas já demarcadas.

Documento obtido pelo repórter Rubens Valente revela que a Fundação Nacional do Índio (Funai) apoiou uma “conciliação” entre indígenas e fazendeiros invasores que poderá cortar ao meio a Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará, homologada em 2007 pelo presidente Lula.

No despacho protocolado na Justiça Federal em 4 de junho, o procurador federal Elder Novais Logrado aponta “vícios” no processo de demarcação da Apyterewa e afirma que a área técnica e a presidência da Funai “manifestaram-se pela não oposição à revisão do laudo antropológico referente à TI”.

É a chancela oficial ao discurso bolsonarista de que existiria “muita terra para pouco índio”, de que o tamanho dessas áreas seria “abusivo“, como afirma o presidente, o que é falso. Trata-se de caso inédito desde a Constituição de 1988 em que a fundação que deveria proteger os indígenas e suas terras apoia a redução de uma área demarcada.

Em novembro de 2020, equipe do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela pastora evangélica Damares Alves, intermediou e participou de reunião “surpresa” com fazendeiros dentro da Apyterewa para pressionar caciques a aceitar um “acordo” para reduzir a área indígena.

Em ofícios protocolados no STF nos últimos dois meses, um grupo de caciques da etnia parakanã e associações de agricultores que ocupam ilegalmente o território afirmaram que aceitam a redução de 50,7% da terra indígena, que tem 773 mil hectares.

Apesar de a terra pertencer à União, quem assina o “termo de acordo” com o grupo de indígenas é a prefeitura de São Felix do Xingu (PA), que questiona a demarcação desde 2007. São Félix detém o maior rebanho bovino do Brasil e é o município campeão de emissões de gases de efeito estufa. A proposta foi apresentada porque o ministro do STF Gilmar Mendes abriu a possibilidade de uma “conciliação” entre indígenas e invasores, em processo ajuizado pela prefeitura.

Os documentos da Funai foram apresentados ao STF por advogados da prefeitura. Em despacho de 20 de outubro de 2020, o delegado da PF Marcelo Xavier, que preside a Funai, escreveu que “a via conciliatória deve ser buscada”. Na época, o Ministério da Justiça era comandado por André Mendonça, que nesta semana foi aprovado pelo Senado para ocupar uma vaga de ministro do STF, indicado por Bolsonaro.

Os 392 mil hectares de que a associação parakanã concorda em abrir mão têm valor de mercado estimado em até R$ 3,9 bilhões, e o “acordo” protocolado no STF não prevê nenhum tipo de compensação ou indenização para os indígenas.

Em entrevista, o cacique Kaworé Parakanã, um dos que assinam o documento, afirma que se sentiu ameaçado. “Eu fiquei com medo mesmo. Porque a gente tem família, nossos filhos, pais, irmãos, amigos.” Ele já declarou ao MPF de Altamira (PA) que foi “enganado”, mas depois recuou e assinou outro documento aceitando a redução de sua terra.

O “termo de acordo” prevê um “novo estudo antropológico da área, de maneira que seja encontrada a real delimitação de ocupação tradicional indígena”, jogando no lixo o processo documentado e finalizado há 14 anos. O tamanho da terra indígena havia sido definido em 2001, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2007, o STJ decidiu por unanimidade pela legalidade da demarcação, após questionamento da prefeitura.

A grilagem de terras na Apyterewa explodiu no governo Bolsonaro, que é obrigado a retirar os invasores e nada fez– hoje, ela é a segunda terra indígena mais desmatada do país, segundo dados do Inpe.

A prefeitura e líderes políticos da região apoiam os mais de 1,5 mil invasores, que já ameaçaram equipes do Ibama, cercaram uma base da Força Nacional e destruíram pontes para impedir a fiscalização.

Em vídeo publicado no último dia 14, um grupo de indígenas acompanhado por um dos caciques que assinam o documento recebe equipamentos de um fazendeiro para abrir um “picadão” na terra indígena, marcando a nova divisão em um trecho inicial de 25 km.

Terra Indígena Apyterewa, 2019. Garimpo Pista Dois teve as atividades paralisadas. Imagens: MPF e PF

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