Situação de menina de 5 anos e pesando apenas 8,6kg, quanto deveria ter, em média, 18kg, foi registrada pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami.
Por Caíque Rodrigues e Valéria Oliveira, g1 RR
“Enquanto o mundo se prepara para receber o ano de 2022, o meu povo Yanomami segue lutando para sobreviver contra malária e desnutrição”.
A declaração às vésperas de encerrar 2021 é do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, sobre uma menina sofrendo com desnutrição grave e malária falciparum, a forma mais agressiva da doença, dentro da Terra Yanomami, a maior reserva do país.
Numa rede social, ele postou a imagem da criança nessa quarta-feira (29) e expôs, mais uma vez, o drama que vive seu povo diante ao descaso na saúde que enfrentam.
A criança, uma menina de 5 anos e pesando apenas 8,6Kg – menos da metade dos 18Kg que deveria ter, aparece nas imagens tomando soro e sendo atendida por profissionais da saúde no posto de Surucucu, unidade considerada referência na região, mas que possui estrutura precária e a enfermaria se resume a um barracão de madeira de chão batido.
A menina é da comunidade Wathoú. Segundo Hekurari, a mãe relatou que a filha estava doente havia alguns dias, mas “sem atendimento médico”.
A criança já estava doente há alguns dias e estava sem atendimento médico na Comunidade Wathoú. — Foto: Divulgação/Condisi-YY
Ela só foi atendida e removida para Surucucu, quando a avó procurou ajuda em uma região do garimpo ilegal — situação semelhante já relatada por indígenas quando, no limite, precisam de socorro e não o encontram.
“A avó da criança foi ao ponto do garimpo para pedir socorro (via internet) e assim conseguiu que o resgate fosse realizado pelo Dsei Yanomami às 12h30m de hoje (29/12) para o polo base surucucu, sendo atendida de imediato pela equipe que se encontra no polo-base”, publicou Hekurari.
O resgate foi feito de helicóptero, o único que atende as mais de 370 comunidades da reserva. A previsão é que a menina fosse transferida para Boa Vista nesta quinta-feira (30).
O Dsei-Y informou que a menina está estável e, nesta quinta-feira (30), está em trânsito para Boa Vista, onde receberá cuidados clínicos.
O g1 procurou o Ministério da Saúde, responsável pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), e aguarda resposta para saber como está a menina.
“A saúde Yanomami está em colapso”, afirmou Hekurai, em entrevista anteriormente ao g1.
Descaso na saúde Yanomami
A menina é mais um caso que denuncia e expõe o abandono da saúde Yanomami. Em novembro, o Fantástico e g1 mostraram cenas do colapso na saúde dentro a reserva, causadas pela precariedade na assistência de saúde nas comunidades na Terra Yanomami, atingida, principalmente, pela desnutrição e malária – situação em grande parte agravada pelo garimpo ilegal.
Após a reportagem, o Ministério Público Federal deu 90 dias para o Ministério da Saúde um plano de reestruturação da assistência básica que possa reverter o cenário da saúde Yanomami. O prazo acaba em fevereiro.
Em nota, o Desei-Y informou que está executando o Plano de Ação Emergencial para Enfrentamento da Malária, Desnutrição Infantil e Mortalidade Infantil, na Região de Surucucu, Kayanau, Parafuri, Hakoma, Haxiu, Xitei, Homoxi juntamente com Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde.
Informou ainda que o plano está dividido por metas e etapas de execução que “incluem ações imediatas, de médio e longo prazo, tendo como objetivo reforçar o atendimento de saúde da população local”.
Também em novembro, no dia 3, uma adolescente de 17 anos, da comunidade Yaritopi, que estava em estado grave também de malária falciparum morreu após demora no atendimento médico.
À época, Júnior Hekurari Yanomami informou ao g1 apenas dois profissionais estavam atendendo no polo base de Surucucu, aonde os indígenas em situação grave são encaminhados, e falou em negligencia médica por parte do Dsei-Y.
Terra Yanomami e o abandono na saúde
No dia 18 de novembro, uma criança Yanomami de 3 anos morreu na comunidade Xaruna. O menino estava em estado grave de pneumonia e malária e, de acordo com o Condisi-YY, também houve negligencia médica. Três dias depois, outra criança morreu em situação parecida na mesma comunidade.
Xaruna foi a mesma comunidade que a reportagem do Fantástico e o g1 encontraram uma das piores situações dentro da Terra Yanomami, com dezenas de crianças desnutridas e com sintomas de malária.
No dia 30 de novembro, uma jovem de 19 anos grávida com 7 meses de gestação e em estado grave de malária morreu em trabalho de parto. A vítima estava em estado grave de malária vivax e morreu na Terra Yanomami. À época, o Ministério da Saúde afirmou que ela recusou o tratamento e também o pré-natal.
Na Comunidade Yaritopi, os indígenas construiram por conta própria um posto de saúde para abrigar as equipes de saúde. O trabalho foi feito após uma criança de 3 anos morrer na região e o Dsei-Y informar que não tinha como enviar equipes para a comunidade por não ter lugar para eles ficarem.
“Tem aproximadamente 300 pessoas nessa comunidade, 16 delas estão em estado grave de malária, cinco foram resgatadas. Além da adolescente que morreu semana passada, mês passado uma criança de 3 anos morreu”, disse o presidente do Condisi-YY.
Terra Indígena Yanomami
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas, e parte da Venezuela. Cerca de 30 mil indígenas vivem na região em mais de 370 comunidades.
A área é alvo do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Mas, nos últimos anos, essa busca pelo minério se intensificou, causando além de conflitos armados, a degradação da floresta e ameaça a saúde dos indígenas.
A invasão garimpeira causa a contaminação dos rios e degradação da floresta, o que reflete na saúde dos Yanomami, principalmente crianças, que enfrentam a desnutrição por conta do escasseamento dos alimentos.
O número de casos de Covid entre indígenas que habitam a região, aumentou em razão da presença de garimpeiros. No ano passado, em apenas três meses, as infecções avançaram 250%.
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A criança já estava doente a alguns dias e estava sem atendimento médico na Comunidade Wathoú. — Foto: Divulgação/Condisi-YY