Graves violações de direitos humanos foram relatadas por diversas comunidades camponesas durante a audiência pública com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), ocorrida na sede da OAB, Recife, nessa quinta-feira, 22. A audiência fez parte da missão do CNDH que, desde a última segunda-feira, 19, vinha apurando in loco denúncias de violências e de conflitos agrários situados especialmente na Zona da Mata do estado.
por CPT Nordeste 2
Além de agricultores(as) dessa região, a audiência contou com a participação de famílias vindas de outras localidades do estado. Pescadores(as) tradicionais, indígenas, quilombolas e camponeses(as) posseiros(as) deram testemunhos emocionantes sobre as violências, ameaças e humilhações enfrentadas na luta por suas terras e territórios. Os impactos causados por Suape, pela Transnordestina, além do avanço da pecuária e dos conflitos em terras de usinas falidas na Zona da Mata, foram alguns dos principais problemas relatados.
“Não é de hoje que pedimos socorro. Parece que somos invisíveis. Eu gostaria de perguntar: será que somos seres humanos? Tem horas que fico pensando que ser eu sou, porque as autoridades não nos enxergam. A gente denuncia as atrocidades que sentimos na pele, mas nós é quem somos chamados de bandidos. Trabalhamos na terra para cuidar de nossos filhos e alimentar a nação e não somos enxergados”, disse Antônio Cicero, agricultor da comunidade de Barro Branco, em Jaqueira.
O relato de Antônio se repetiu na voz de outros camponeses e camponesas durante a audiência. Carlos Adriano, 19, da comunidade do Engenho Fervedouro, em Jaqueira, indagou as autoridades presentes: “quem nós somos? Por que fazem isso com a gente? Sou nascido e criado na terra, filho de agricultor, meu avô foi agricultor, mas infelizmente não está mais conosco, morreu ano passado com 92 anos”. Carlos relatou que não suportaria dizer para seu avô que hoje a família pode ser despejada da terra que ele tanto amou, criou os filhos e netos e onde ensinou o que é a agricultura familiar. “Podem nos humilhar, nos alvejar, nos matar, mas gerações se levantarão para lutar por essa causa, porque somos trabalhadores da terra”, concluiu.
Já Edina Maria, da comunidade Barra do Dia, em Palmares, destacou a importância dos povos do campo para reverter o cenário de destruição provocado pelo agronegócio e grandes empreendimentos. “A nossa terra também precisa que os (as) agricultores permaneçam nela. Então peço que olhem com o olhar diferente para agricultura, para a Reforma Agrária, pois sofremos ameaças, ordem de despejo, mortes. Isso basta. O que mais precisa acontecer para que a Reforma Agrária seja feita em nosso Pernambuco?”, questionou.
O coordenador Regional da CPT Geovani Leão destacou que os conflitos agrários no estado, sobretudo na Zona da Mata, “vêm destruindo vidas, culturas e histórias, mergulhando a região num enorme caos social que não só atingirá a zona rural, mas também os centros urbanos”, fazendo referência à fome, que se agravará com os despejos e o impedimento da produção de alimentos das famílias camponesas da região. Geovani também relembrou o agente pastoral da CPT Padre Tiago Thorlby que acompanhou o sofrimento e a luta de diversas comunidades pernambucanas pelo direito à terra e ao território.
Para assegurar os direitos das comunidades impactadas, a presidenta da Fetape, Cícera Nunes, reforçou que a luta deve continuar. “Precisamos dar continuidade a nossa luta, reafirmando que não vamos sair da terra, que vamos resistir. Contem com a Fetape e com a Contag, e vamos lutar contra todas as formas de violações de direitos humanos e contra as manobras que o capital e o latifúndio têm feito em nosso estado”, destacou.
A audiência Pública encerrou a missão do CNDH em Pernambuco alimentando a esperança dos agricultores e agricultoras presentes. Os testemunhos feitos ao longo da missão vão compor um relatório do CNDH, que deverá também indicar aos órgãos públicos estaduais e federais recomendações de providências a serem tomadas para combater a violência no campo no estado. “A missão trouxe a possibilidade de ouvir as comunidades, levar as denúncias aos poderes públicos e fortalecer redes de apoio. A missão não termina aqui, terá continuidade até que que todas as comunidades tenham seus territórios regularizados, sem perseguição, sem ameaça e vivendo dignamente”, assegurou Sandra Andrade, conselheira do CNDH.
Compuseram a mesa da audiência o relator Marcelo Chalréo e a relatora Sandra Andrade, do CNDH; Geovani Leão, da CPT; Cícera Nunes, presidenta da Fetape; Alair Luiz dos Santos, diretor de Política Agrária da Contag; Antônio Crioulo, da Conaq; Mona Lisa Duarte, Procuradora da República em Pernambuco; José Fernandes, da Defensoria Pública do Estado (DPE); André Carneiro Leão, defensor regional de Direitos Humanos de Pernambuco (DRDH/PE); Renan Castro, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PE.