Impunidade em Rondônia: Assassinatos no Campo seguem sem investigação

Dentre os casos, está o de Jheilson Batista Pecla Cordeiro, de 23 anos, e Normande Mariano Barbosa, de 46 anos, achados mortos no dia 12 de agosto de 2022, na região dos Soldados da Borracha, uma área situada entre Cujubim e o Distrito de Calama, de Porto Velho (RO).

por Josep Iborra Plans – Coordenação da Articulação das CPTs da Amazônia / CPT Regional Rondônia

No momento que a Comissão Pastoral da Terra e diversas organizações de povos do campo, das águas e das florestas têm articulado a “CAMPANHA CONTRA VIOLÊNCIA NO CAMPO – Em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas” – em Rondônia, não podemos deixar de denunciar mais dois assassinatos de trabalhadores rurais, que aconteceram no dia 11 de agosto de 2022.

Quase dois meses após os assassinatos, ninguém foi preso e nenhuma informação foi divulgada sobre o resultado das investigações, apontando suspeitos da autoria e mandantes das mortes.

Jheilson Batista Pecla Cordeiro, de 23 anos, e Normande Mariano Barbosa, de 46 anos, foram achados mortos no dia 12 de agosto de 2022 perto do local onde estavam construindo uma cerca, na região dos Soldados da Borracha, uma área situada entre Cujubim e o Distrito de Calama, de Porto Velho (RO).

Normande Mariano Barbosa deixa esposa e um filho de 16 anos, já o jovem Jheilson Batista Pecla Cordeiro, deixa companheira e enteada. Os dois eram conhecidos moradores do Distrito de Estrela Azul, do município de Machadinho do Oeste (RO). Normande era sitiante e pequeno agricultor, presidente da Associação de Produtores Rurais da Estrela Azul (ASPROEZA) e produtor de café, que vendia o produto beneficiado. Ele foi, por alguns anos, conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT-RO), representando a paróquia de Machadinho do Oeste (RO). Atualmente era coordenador de uma comunidade católica local e ministro da eucaristia.

Depois destes mais de cinquenta dias após os dois homicídios, ainda há muita perplexidade sobre as mortes. Segundo relatos de moradores da região, há unanimidade em apresentar os dois trabalhadores como vítimas de um conflito por terra. As duas vítimas teriam ido construir a cerca em uma empreitada e sido confundidos por pistoleiros contratados para matar o atual ocupante da terra.

Segundo o Boletim de Ocorrência do dia 12/08/22 de N. 838655/2022, os corpos dos trabalhadores foram achados pelo irmão do detentor da área, que no dia anterior tinha se ausentado do sítio. Os donos da terra declararam que eram possuidores da área fazia oito anos e que ultimamente tinha recebido ameaças, após aparecer outro suposto dono do sítio.

Há anos que na região dos Soldados da Borracha se conhece uma extensa área de terra pública, situada entre os municípios rondonienses de Cujubim e de Porto Velho, até as proximidades de Distrito de Calama, no Baixo Madeira, perto do limite do Estado do Amazonas. Nos anos 1950 parte desta região tinha sido destinada aos seringueiros recrutados durante a guerra, porém fazia anos que não era mais ocupada por eles.

O local, nos últimos anos, é palco de intenso processo de grilagem, desmatamento e queimadas, acompanhadas de numerosas ocorrências de violência e de conflitos pela disputa da terra, decorrente da tolerância institucional da ocupação desordenada da mesma.

No local, em 27/03/2018 foi criada a Estação Ecológica Soldado da Borracha, pelo Decreto nº 22.690, decreto que, juntamente aos de outras dez unidades de conservação, foi rejeitado pela Assembleia Legislativa e na prática jamais foi implementado. Assim o local continua com muitas invasões e desmatamento, inclusive adentrando na vizinha Resex Rio Preto Jacundá, detendo recordes de queimadas e de focos de incêndio da floresta.

O saque de madeiras e a entrada de grileiros é accessível pela chamada “Estrada do Chaules”, poderoso madeireiro preso pela justiça, suspeito de ser um dos maiores desmatadores do Brasil, condenado por manter na entrada da estrada, que construiu ilegalmente, uma porteira fechada e vigiada por pessoas armadas, cobrando pedágio dos que entravam e saíam com madeira da região.

No local, numerosas denúncias de 2017-2018 davam conta da presença, aterrorizando a região, do famoso pistoleiro Zé do Brejo, que foi assassinado pouco depois, em um restaurante, junto com seu filho, em Vista Alegre do Abunã (RO), em 2018.

Ocorrências de mortes suspeitas, outras provocadas por derrubadas de madeira e episódios de violência, como casas queimadas, pipocam na região. O próprio filho de Chaules foi preso também. Uma milícia armada, composta por nove servidores públicos, entre conhecidos policiais militares e bombeiros, foi presa em agosto de 2021, acusada de integrar uma organização criminosa armada, que praticava extorsão na região. Pouco depois, em novembro, em Cujubim foi registrado o homicídio de uma das lideranças da região, Aldenir dos Santos Macedo, que presidia uma Associação local de posseiros.

Em junho deste ano, aproximadamente 30 pessoas “montaram uma barreira” com vários veículos impedindo a ação dos agentes de fiscalização ambiental. No bloqueio, foi usado um caminhão carregado de madeira que havia sido apreendido por autoridades ambientais, na mesma estrada dos Soldados da Borracha. O veículo foi localizado posteriormente no pátio de uma madeireira abandonada de Cujubim.

Campanha

A Comissão Pastoral da Terra com a CAMPANHA CONTRA A VIOLÊNCIA NO CAMPO ecobrou de candidatos estaduais e federais que assinassem o compromisso com uma atuação firme do Estado nestas regiões abandonadas propositalmente para o avanço do desmatamento, ao saque ilegal de recursos naturais e da gananciosa grilagem de terras, propiciando todo tipo de conflitos e de violência, e de organizações criminosas, como as citadas acima.

A Campanha busca também o compromisso de eleitores, para que apoiassem e votassem apenas em candidatos dispostos a intervir contra a violência e contra tais invasões, facilitadas e toleradas, por propostas legislativas de regularização fundiária, junto com relaxamento ambiental e descaracterização de unidades de conservação.

Sem uma atuação mais firme do Estado de proteção ambiental, os remanescentes das florestas de Rondônia seguem abandonados à especulação, em vez de serem submetidos a uma efetiva intervenção e ordenamento territorial, com reconhecimento e preservação efetiva das Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Assim como a implementação efetiva do mandato constitucional, com criação de novos assentamentos da Reforma Agrária para as famílias necessitadas, naquelas Terras Públicas da União abandonadas, ou tomadas injustamente pela grilagem dos mais poderosos e violentos, como acontece nesta região dos Soldados da Borracha.

Não é por meio da liberação das armas que vai reduzir a violência, ao contrário, como está sendo comprovado. O Governo do Estado de Rondônia, em parceria com o governo federal, tem se caracterizado nos últimos anos por uma atuação policial totalmente parcial, que mais tem contribuído em aumentar as mortes e acirrar os conflitos e a violência institucional, que em pacificar o campo, com maior equidade e justiça. Uma atuação que é mais dirigida a criminalizar os pequenos agricultores em conflito, que em apoiar uma forma mais justa de distribuição da terra, que segue acumulando o latifúndio e efetiva proteção dos últimos remanescentes de floresta de nosso Estado.

 

Os agentes de proteção ambiental são perseguidos e escorraçados das áreas de conservação invadidas, como ocorre no Parque Estadual de Guajará Mirim, ao passo que, ao menor esboço de cobrança e de ocupação de áreas de terra pública para demanda da reforma agrária, as famílias são detidas e presas, fazendo de Rondônia o Estado da Federação com mais de 80% de camponeses e camponesas presas dos últimos anos em todo o Brasil.

Assim, estamos vendo uma atuação parcial, de tolerância às invasões de áreas ambientais e de extremo rigor policial e judicial com conflitos agrários específicos, sem atender às necessidades da população mais pobre e necessitada.

Neste cenário, o legislativo estadual tem uma grande responsabilidade. Enquanto alguns deputados estaduais estão envolvidos publicamente em grilagens de terras e especulação territorial, predomina uma atuação nefasta e totalmente negativa da imensa maioria dos representantes da Assembleia Legislativa de Rondônia, em conluio com o executivo, descaracterizando unidades de conservação, acobertando e justificando invasões das áreas de floresta, que são apoiadas publicamente em audiências públicas legislativas. Muitos conflitos já teriam se resolvido se a legalidade fosse respeitada e mantida na Casa de Leis de Rondônia. Legislando com respeito ao Estado de Direito nacional e internacional, inclusive aos direitos da natureza, a ALERO precisa ser uma casa de respeito a ela mesma, casa de leis e não de incentivo à ilegalidade consumada.

“Realizar as reformas, reparações e políticas públicas necessárias a implementar os direitos constitucionalmente consagrados à reforma agrária, demarcação de terras indígenas, titulação das comunidades quilombolas e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como atuar para proteger essas comunidades dos ataques e avanços do agronegócio, das madeireiras, do garimpo, dentre outros violadores de direitos humanos”, são compromissos da CAMPANHA CONTRA A VIOLÊNCIA que temos que exigir aos candidatos que queiram se comprometer contra a violência no campo, para que a política armamentista não acirre ainda mais os conflitos e a violência.

Atualmente há vinte pessoas de Rondônia que estão sendo ameaçadas de morte e oficialmente incluídas no Programa Nacional de Proteção. Esta mantém uma equipe permanente para atender no local as necessidades em Rondônia, sem que exista um Programa Estadual de Proteção aos Defensores/as de Direitos Humanos.

As ameaças não são apuradas e os ameaçadores não são punidos, tampouco as denúncias de violência no campo. Assim os assassinatos de camponeses e camponesas permanecem na impunidade. Nos últimos três anos a CPT registrou 18 assassinatos de camponeses e camponesas, com apuração policial conhecida até agora, apenas da morte do indígena Ari Uru Eu Au Au, acontecida em 2020, e que teve repercussão internacional.

Casos emblemáticos dos anos anteriores continuam pendentes, como as mortes de dois jovens sem terra Alysson Henrique Lopes de 22 anos, encontrado carbonizado dentro de um veículo, e Ruan Hildebran Aguiar, 18 anos, nas proximidades da Fazenda Tucumã, em 2016, também de Cujubim. Com envolvimento comprovado de milícias de policiais (alguns deles presos novamente agora na região dos Soldados da Borracha), pistoleiros e fazendeiros foram presos e condenados num primeiro julgamento, mas foram soltos e estão à espera da convocatória de um novo Tribunal do Júri na Comarca de Ariquemes, enquanto familiares que exigem justiça e testemunhas continuam obrigados a ficar refugiadas longe de suas terras, para não serem mortos, como já foram outras quatro testemunhas dos crimes.

Em Rondônia, que no ano passado de 2021 já ficou novamente à frente dos estados brasileiros no registro da CPT,  de mortes de camponeses em conflito no campo, também urge somarmos na cobrança por “celeridade às ações judiciais que investigam crimes contra os povos do campo, das águas e das florestas, bem como de defensores e defensoras de direitos humanos, que geram impunidade aos executores e especialmente aos mandantes”.

Exige-se a imediata apuração da morte dos camponeses registradas aqui nos últimos anos, oito deles executados em 2021 pela própria polícia militar e outros sem autor conhecido, como a morte de Aldenir dos Santos Macedo, assim como o esforço pela prisão dos milicianos e pistoleiros armados que continuam operando impunes nas áreas de conflito no campo, como o ataque sofrido pela Comunidade do Seringal Belmont, em Porto Velho, no dia 18 de setembro, seguido de ameaças às lideranças, do qual ainda estão sendo criminalizados injustamente.

Não podemos deixar de exigir agora, especialmente, o esclarecimento, prisão e julgamento dos assassinos e mandantes das mortes do nosso companheiro Normande e do seu vizinho Jheilson, pois até o momento as autoridades responsáveis não prenderam nenhum suspeito, nem divulgaram nenhuma informação sobre os autores e/ou mandantes das duas mortes.

Em 2022, estas duas mortes de Normande e Jheilson somam-se, em Rondônia, às do casal Ilma Rodrigues dos Santos e Edson Lima Rodrigues, lideranças do Acampamento Thiago dos Santos, assassinados em 17 de fevereiro, em Nova Mamoré (RO). Há ainda o caso de assassinato da liderança da Associação Nova Esperança, Wesley Flavio da Silva (Campo Novo de Rondônia, em 17 de junho), assim como a morte de Josias Vicente Mafra (em 12 de fevereiro) no Acampamento Enilson Ribeiro, de Seringueiras.

A impunidade não pode continuar sendo a norma geral da violência e dos assassinatos de camponeses de Rondônia.

“A justiça e a paz se abraçarão. (Salmos 84, 11)”

Foto: Arquivo / Andressa Zumpano – CPT Nacional

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