Documento divulgado hoje (6) consolida posição e recomendações de mais de 100 organizações e movimentos para retomada do protagonismo do Brasil nas negociações.
Mais de 100 organizações e movimentos da sociedade civil divulgaram hoje (6) carta de posicionamento conjunto com recomendações para a participação brasileira na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP15. Realizado em Montreal, no Canadá, entre os dias 7 e 19 de dezembro, o encontro dos países signatários da convenção visa o estabelecimento de novos compromissos com a conservação e o uso sustentável da biodiversidade na próxima década.
O documento é resultado da articulação de propostas de mulheres e homens, camponesas e camponeses, agricultoras e agricultores familiares, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, cientistas populares, movimentos sociais e sindicais e coletivos urbanos.
Elaborada no âmbito do Grupo de Trabalho de Biodiversidade (GT Bio) da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a carta aberta tem como objetivos ‘denunciar políticas e processos em curso no Brasil e que afetam os territórios tradicionais e a biodiversidade, e manifestar posicionamento e recomendações da sociedade civil, esperando um país social e ambientalmente justo’. A carta da sociedade civil brasileira para a COP15 da biodiversidade está disponível em português, inglês e espanhol.
“Os absurdos que a gente tem visto aqui são gigantes, e a gente não pode fazer intervenções, apenas os estados-parte. O Brasil tem feito posicionamentos arbitrários, horríveis, e a gente não pode fazer nenhuma intervenção, por hora”, diz Cristiane Pankararu, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do GT Bio da ANA, que já se encontra em Montreal com parte da delegação da sociedade civil brasileira.
“O que tenho percebido é que, quem está no comando, podendo dar suas opiniões e sugestões, está fazendo tudo arbitrariamente, porque povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e outras organizações de base não foram ouvidos”, comenta Cristiane.
A liderança Pankararu ressalta a importância da manifestação da sociedade civil brasileira, em um contexto de crescente pressão de atividades ilícitas sobre terras indígenas e unidades de conservação. “A carta foi feita a muitas mãos e traz os anseios dos coletivos sociais, com todos os pontos sendo construídos a partir dos movimentos de base, tentando inclusive dialogar com outros países”, destaca.
“Quem está decidindo demonstra total desconhecimento de quem são esses coletivos porque fazem sugestões abusivas, colonialistas, tutelares e que nos segregam cada vez mais. É um conjunto de ideias que faz com que nós tenhamos a obrigação de ceder os nossos saberes tradicionais, tanto na gestão dos espaços como os saberes que alimentem a indústria farmacêutica, de perfumaria, cosméticos e outras”, denuncia Cristiane.
Pela carta, as organizações sociais e movimentos populares propõem medidas para enfrentamento do desmatamento e do garimpo ilegal, ações contra privatização das unidades de conservação e medidas para o fortalecimento e reconstrução dos órgãos de fiscalização e para respeito aos povos no Marco Global da Biodiversidade, entre outras ações.
Esta é a primeira vez que o Brasil pode votar nos debates do Protocolo de Nagóia porque ratificou este instrumento em 2021.
“Esta COP é importante porque haverá a reavaliação das metas da década da biodiversidade, as chamadas Metas de Aichi, que foram consideradas fracassadas, por isso, as discussões estão acirradas sobre estipulação de novas ações e como vão ser implementadas pelos países”, explica Naiara Bittencourt, coordenadora do Programa Iguaçu de Terra de Direitos e integrante do GT Bio da ANA.
“A delegação oficial brasileira ainda responde à gestão de Jair Bolsonaro, mas os olhos mundiais estão atentos ao governo de transição. Por isso é fundamental que a sociedade fique alerta a esta agenda e cobre que o Brasil tenha uma posição de proteção da sociobiodiversidade e dos direitos de povos e comunidades tradicionais”, comenta Naiara.
Sobre a COP15
Nesta edição da Conferência sobre biodiversidade devem ser definidas metas para a próxima década para a conservação, proteção, restauração e gestão sustentável da biodiversidade do mundo. O que é um desafio, pois as metas passadas fracassaram. Além disso, o debate e metas também se debruçam sobre o cumprimento de dois protocolos que tratam de temas relacionados à biodiversidade: o de Cartagena (sobre biossegurança) e o de Nagoya (sobre repartição dos benefícios do uso da biodiversidade).
Os impactos locais e mundiais na biodiversidade de uma gestão pública de retrocesso na política socioambiental intensificam a atenção mundial voltada para o Brasil. As organizações e movimentos sociais também reivindicam a retomada do protagonismo brasileiro, com participação dos povos, nas negociações internacionais sobre a pauta e na adoção de medidas de proteção e preservação da biodiversidade..
‘O Brasil deve voltar a ter protagonismo, como país megadiverso, na promoção de iniciativas que promovam a diversidade biológica, os sistemas agrícolas tradicionais e o uso e manejo destes recursos aliados ao conhecimento e à cultura dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares. Essa retomada deve afastar a privatização de bens comuns e as iniciativas do capitalismo verde e financeirização da natureza, pois só acumulam capital e excluem os povos das florestas, das águas e do campo’, aponta um trecho da carta.
Além de líderes mundiais, a agenda da Organização das Nações Unidas na COP-15 conta com a participação de pesquisadores, organizações sociais e representantes de povos tradicionais de várias partes do mundo.
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Imagem do documentário Sementes: Bem Comum ou Propriedade Privada?, produzido por coletivos de oito países / Reprodução