Fórum de Educação Escolar Indígena de Carauari (AM) discute legislação, projetos de vida e processos de aprendizagem

Com o tema “A educação é um direito e tem que ser do nosso jeito”, o Fórum de Educação Escolar Indígena reuniu cerca de 50 representantes dos Povos Kanamari e Madija Kulina

POR FÁBIO PEREIRA, MISSIONÁRIO DO CIMI DA EQUIPE DE TEFÉ

“A gente sabe que essa luta, por esse ensino de qualidade, não terminou. Ela continua, tanto para a estrutura da escola como para a contratação de pessoas ou para salários de professores”. Essa foi uma das constatações da professora indígena Nenekam Kanamari, participante do encontro do Fórum de Educação Escolar Indígena, que ocorreu de 3 a 5 de março na aldeia Taquara, na Terra Indígena Taquara, município de Carauari (AM).

O Fórum teve como tema “A educação é um direito e tem que ser do nosso jeito”, e contou com a participação de cerca de 50 pessoas, entre lideranças, tuxauas (caciques) e integrantes das aldeias Taquara, Matatibem e Bauana. O evento contou também com a presença de professores indígenas, não indígenas, do gestor da escola indígena da aldeia Taquara, do representante da Secretaria Municipal de Educação e da Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena do município.

O objetivo do encontro foi proporcionar formação política-jurídica aos povos Kanamari e Kulina. Assim, eles poderão identificar violações de direitos, e saber a quais instâncias podem recorrer na busca de soluções, com conhecimento, habilidades e mecanismos de articulações interna e externa, para o desenvolvimento de ações de defesa e garantia de seus direitos previstos na Política de Educação.

“A gente sabe que essa luta, por esse ensino de qualidade, não terminou”

Durante os dias de atividades, os participantes fizeram uma análise da conjuntura das políticas de educação no Brasil, debateram sobre o histórico da educação escolar indígena nas aldeias do município, com seus desafios e conquistas, conversaram sobre a legislação e estrutura da Política de Educação para os povos indígenas, e a atuação da Coordenação de Educação Escolar Indígena.

Para o Coordenador de Educação Escolar Indígena do Município de Carauari, Professor Ahe Joabes Kanamari, da aldeia Taquara, o encontro é um momento importante para o conhecimento da legislação da educação escolar indígena. É um espaço de debates sobre os direitos e as necessidades, desafios e perspectivas da educação específica e diferenciada e, assim, poder atuar como agente público.

“A importância desse curso está em conhecermos quais são os nossos direitos, quais são as leis, os artigos que amparam a educação indígena. Em cima disso, enquanto Coordenação de Educação Escolar Indígena, ouvirmos as demandas e conhecermos os desafios e as propostas que os professores indígenas, pais, lideranças e participantes têm, para que, tendo em vista essas demandas, possamos ajudar a melhorar a educação em cada aldeia. Para termos um resultado bem melhor e uma educação de qualidade e diferenciada”, afirmou.

“A importância desse curso está em conhecermos quais são os nossos direitos”

A atividade é uma das iniciativas prevista nas ações do Cimi Regional Norte I, desenvolvida pela equipe do Cimi localizada no médio rio Juruá, da Prelazia de Tefé, com o apoio da agência financiadora Málaga. O missionário dessa equipe, Raimundo Francisco, disse que a atividade foi preparada de forma articulada com as lideranças das aldeias para proporcionar um espaço formativo e de discussão com a participação de setores do poder público.

“Temos a perspectiva de ser um encontro que pode trazer um desejo de melhoria, de provocar nos participantes uma reflexão sobre o caminho percorrido, as conquistas e o que deve ser melhorado, num diálogo coletivo, político e em parceria com a sede do município, que é quem deve resguardar e efetivar esses direitos”.

As políticas de educação para os povos indígenas foram uma conquista histórica feita pelo movimento indígena e seus aliados. Essas lutas e ações políticas partem da organização social dos povos indígenas nas aldeias e de seus parceiros. A professora indígena e estudante do curso de Pedagogia do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica na Universidade do Estado do Amazonas (PARFOR/UEA), Nenekam Kanamari, da Aldeia Taquara, relata o histórico de reinvindicação que seu povo fez para ter uma escola na aldeia e seus parentes terem direito de estudar.

“Não tínhamos escola na nossa aldeia, enfrentávamos lama e por isso fui para a cidade estudar. Somente em 2013 foi construída a escola na aldeia. O que nós temos hoje, conseguimos a partir das lutas que nós fizemos”, disse a professora, emocionada. “Meu choro é de alegria, de uma luta que meus avós, meus parentes fizeram. Os conhecimentos tradicionais deles nos ajudaram a construir e ter nossa escola e outros direitos. Por todo o esforço deles, hoje temos isso como resultado”.

“Meu choro é de alegria, de uma luta que meus avós, meus parentes fizeram”

O Fórum contou com a assessoria de Carla Cetina, da assessora jurídica do Cimi Regional Norte I, que mediou as palestras sobre as temáticas de legislação. A advogada fala da importância desses espaços formativos, pois “ajudam os povos indígenas a terem acesso a informações e, assim, promoverem incidência para o respeito à Educação Escolar Indígena diferenciada, por uma educação e uma escola do jeito que os indígenas Kulina e Kanamari realmente querem ter, onde exista valorização das suas culturas, respeito às tradições e formas de viver, e a seus próprios processos de aprendizagem”, defende.

Nos grupos de trabalhos e nas plenárias, os participantes expuseram seus anseios, suas dificuldades e perspectivas de como querem a educação escolar indígena dentro das suas aldeias. Manifestações que visam trazer resolutividade para os desafios ainda enfrentados.

Em documento final, os indígenas apresentaram as reivindicações à luz da legislação que rege a Educação Escolar Indígena como um projeto de vida para os povos Kanamari e Kulina.

1. Que a Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena seja fortalecida, garantindo autonomia, estrutura e demais condições necessárias para atuar nas aldeias;
2. Que seja elaborada, com a participação das aldeias, a matriz curricular indígena para escolas indígenas;
3. Fortalecer a participação das lideranças indígenas e moradores das aldeias nas discussões sobre a escolha de professores, gestores e coordenadores de Educação Escolar Indígena;
4. Discutir a criação de um projeto de lei municipal da categoria professor e escola indígena, e que esse seja aprovado pelo município;
5. Que o município possa garantir a formação continuada para professores indígenas em pós-graduação, mestrado e doutorado;
6. Que cada escola indígena do município de Carauari construa o Projeto Político Pedagógico Indígena (PPPI) com a participação dos moradores das aldeias em todo o seu processo.

Essas e outras demandas e propostas descritas no documento serão encaminhadas aos órgãos públicos encarregados de fazer cumprir as reivindicações.

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