Barbara Souza, Informe Ensp
O grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), esteve na Terra Indígena Sete de Setembro, do Povo Paiter-Suruí, em Rondônia, entre os dias 29 de abril e 6 de maio. A equipe coordenada pelo pesquisador Paulo Basta realizou uma importante etapa do trabalho que busca identificar os níveis de contaminação por mercúrio desta população indígena. A TI Sete de Setembro fica na bacia do rio Madeira. A região tem sido alvo de garimpeiros que fazem, de forma ilegal, extração de ouro.
Parte do projeto Proteção dos Povos Indígenas e Tradicionais do Brasil, financiado pelo governo da Alemanha por intermédio da rede WWF, o trabalho tem como objetivo investigar o impacto da atividade garimpeira na saúde humana e no meio ambiente. O território e a população foram escolhidos com apoio do WWF e da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que também é parceira do projeto, além da própria sociedade local.
“Nossa equipe construiu essa agenda por demanda dos próprios indígenas, em parceria com a Kanindé, que tem larga experiência e longo tempo de interação com o povo Paiter Suruí. É uma possibilidade de a gente revelar problemas de saúde associados à presença de garimpeiros ilegais naquele território. Nosso trabalho busca encontrar evidências dos danos à saúde e ao meio ambiente, principalmente devido à contaminação por mercúrio”, detalha Paulo Basta.
Durante uma semana de trabalho na aldeia Lapetanha, localizada nas proximidades de Cacoal (RO), a equipe multidisciplinar realizou avaliações clínicas, exames clínicos neurológicos e diversos testes com as crianças, além de um censo para colher dados socioeconômicos. Outra importante etapa foi a coleta de material biológico dos participantes para a possível detecção de mercúrio e alterações genéticas em enzimas que metabolizam o mercúrio e outros metais pesados no organismo. Amostras de cabelo serão examinadas pela própria equipe da Ensp/Fiocruz que adquiriu um analisador portátil de mercúrio com recursos disponibilizados no âmbito do projeto Proteção dos Povos Indígenas. Já as amostras de células colhidas na mucosa da boca serão analisadas no Laboratório de Pesquisa de Ciências Farmacêuticas (Lapesf) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenado pela geneticista Jamila Perini, parceira no projeto.
“Faremos a extração do DNA para avaliar possíveis alterações genéticas, principalmente poliformismos genéticos, que podem estar associados aos níveis de mercúrio e a efeitos neurológicos”, explicou Jamila. A pesquisadora também comentou como se sentiu ao participar do trabalho de campo com o povo Suruí. “O que eu mais ganhei aqui foi a convivência com esse povo, que é indescritível. E é uma honra poder fazer parte deste grupo de profissionais extremamente qualificados e dedicados, com cada um, dentro da sua expertise, contribuindo para o bem comum”, celebrou.
Para o censo socioeconômico, foram entrevistados 176 moradores de seis aldeias: Lapetanha, Gamir, Riozinho, Pabekepi, Joaquim e Tikã. A equipe colheu informações sobre estrutura domiciliar, renda, escolaridade e números de habitantes por moradia, por exemplo. Os pesquisadores também reuniram relatos de problemas de saúde reportados pelos participantes, com foco na alimentação, principalmente em relação ao consumo do pescado. “A sociedade local nos solicitou orientações nutricionais, pois há casos de sobrepeso e obesidade entre os moradores. Eles têm forte proximidade com o município de Cacoal e, com isso, houve muitas mudanças nos hábitos alimentares. Para atender ao pedido, vamos levar informações sobre alimentação saudável e atividade física quando formos apresentar os resultados, a devolutiva da pesquisa, no fim do ano”, contou Paulo Basta.
Cinco médicos ficaram responsáveis pelas avaliações clínicas que, além de aferição de peso, altura, glicose, hemoglobina e pressão arterial, também incluíram testes rápidos para doenças como malária, hepatites B e C, sífilis e HIV. Ao fim desta avaliação, os adultos passaram por exame clínico neurológico focado em alterações de sensibilidade, motoras e cognitivas. Já as crianças tiveram checadas as vacinas já recebidas, as curvas de evolução de peso e estatura e passaram por testes de triagem para avaliar os marcos do neurodesenvolvimento (Denver II).
Todo o trabalho foi apoiado pelas comunidades locais. Em especial, três mulheres indígenas tiveram uma atuação expressiva: a biomédica Tonica Suruí, a técnica de enfermagem Aloma Suruí e a jovem Riffati Suruí. “Participar deste projeto com a Fiocruz foi muito bom para nós do povo Paiter Suruí. Precisamos dessas pesquisas sobre mercúrio, além dos outros tipos de exames. Temos que saber se estamos bem, o que devemos fazer para melhorar e o que temos que evitar. Para mim, particularmente, foi uma experiência ótima ter contribuído com a equipe”, disse Tonica.
Os próximos passos da pesquisa são analisar as amostras, montar uma base de dados, cruzar as informações, produzir um relatório técnico e laudos individuais que serão entregues a cada participante na devolutiva prevista para o fim deste ano. Os laudos vão informar se há contaminação por mercúrio e em que nível, caso a resposta seja positiva.
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Imagem: À esquerda, o cacique geral do Povo Paiter-Suruí, Almir Suruí. No centro, o pesquisador Paulo Basta (foto: Informe Ensp)