Criança foi atingida durante tiroteio ocorrido no último dia 03, na aldeia Parima. Autoridades policiais acreditam que garimpeiros estão aliciando e armando outros Yanomami para incentivar conflito.
Por Felipe Medeiros, no Amazônia Real
Boa Vista (RR) – O corpo de uma criança morta durante um ataque à aldeia Parima (mesmo nome do rio), na Terra Indígena Yanomami, ocorrido na última segunda-feira (03), foi encontrado nesta sexta-feira (07) pelo Corpo de Bombeiros. A informação é da liderança Júnior Hekurari Yanomami, em entrevista à Amazônia Real neste sábado (08), e confirmada pelas autoridades do governo de Roraima. Segundo nota da corporação, o corpo da menina de sete anos estava a cerca de 25 metros, rio abaixo, na região de Parima. A operação para encontrar a menina começou um dia após o ataque.
Segundo Júnior Hekurari, que é presidente da Urihi Associação Yanomami e do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi-Y), o corpo foi entregue para os ritos fúnebres aos familiares que permanecem na comunidade. A mãe da menina também foi atingida durante o ataque e está internada no Hospital Geral em Boa Vista, com mais cinco indígenas que ficaram feridos.
A liderança Yanomami afirmou que o tiroteio do último dia 03 aconteceu próximo à Unidade Básica de Saúde da aldeia de Parima. “Um grupo de indígenas armados atacou essa família que ia à Unidade. Os garimpeiros estão aliciando os indígenas do Xitei, Parima, Aracaça, Tirei, Wathóu, que estão recebendo muitas armas, eu vi, só não deixaram eu tirar fotos. Eles falam que os garimpeiros dão as armas para que eles se defendam”, disse.
O ataque à aldeia da região do rio Parima aconteceu no início desta semana supostamente por indígenas de outras aldeias Yanomami – Whaputa e Castelo – segundo informações repassadas à imprensa de Boa Vista. A PF avalia que os garimpeiros que permanecem no território indígena estão armando e aliciando os indígenas para causar divisões e conflitos entre as aldeias. A Amazônia Real procurou a PF para obter mais informações sobre essa versão, mas não teve respostas.
Um relatório de abril de 2022, elaborado pela Hutukara Associação Yanomami, já apontava que, além das invasões, os garimpeiros estavam empreendendo um forte assédio pra aliciar os indígenas, especialmente os jovens, e incentivá-los a se envolver com o garimpo.
“Os aliciadores abordam os indígenas em locais frequentados para receber atendimento de saúde, realizar serviços bancários ou para comprar ferramentas agrícolas, roupas, material de higiene entre outros objetos”, diz trecho do documento.
Hutukara diz que garimpeiros continuam
Os ataques dentro da área indígena mostram que o garimpo está em plena atividade e é um sinal de alerta que a TI não está sob controle das forças de segurança, conforme divulgado pelo Governo Federal.
No mês passado, a Hutukara Associação Yanomami contestou os informes otimistas das autoridades do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, entre eles delegados da Polícia Federal que atuam na Amazônia, de que o avanço do garimpo havia diminuído. Para a entidade, é temeroso fazer este tipo de anúncio há poucos meses desde o início da operação de retirada dos garimpeiros.
“Os garimpeiros continuam atuando dentro do território, mesmo com diminuição da atividade e apesar do zero alerta indicado pela Polícia Federal”, diz a nota da HAY. Parte desta ação criminosa, como mostrado com exclusividade pela Amazônia Real, ocorre durante a noite, quando a fiscalização é mais limitada.
A nota da Hutukara destaca ainda as particularidades do clima de Roraima, que impede visualizar e, consequentemente, monitorar de forma contínua as áreas de atuação dos invasores. “Esse zero alerta não significa que o garimpo acabou, e ainda é importante considerar que Roraima vive a estação do inverno, no período mais intenso de chuvas, onde é mais difícil detectar, via satélite, as áreas desmatadas”, contesta a entidade que tem como presidente Davi Kopenawa.
O geógrafo Ayala Colares, doutor em ciências do desenvolvimento socioambiental, pesquisador da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, analisa que o conflito entre garimpeiros e indígenas é histórico e estrutural, e que por isso, é precipitado afirmar que zerou o avanço do garimpo na Terra Yanomami.
“Temos apenas meses de intervenção em relação a uma atividade que já estava há anos e que ganhou muita força nos últimos quatro anos, com consequências irreversíveis”. Entretanto, segundo Colares, “a grande ideia do Governo Federal é repassar a imagem de que o Estado governamental enfrenta as atividades ilegais relacionadas ao garimpo, ao crime organizado na Amazônia e que vai combater os crimes ambientais. Qualquer tipo de dado apresentado hoje pelo Estado tem como foco posicionar, politicamente, o Brasil no debate internacional da segurança climática”, reforçou.
A nota da HAY compartilha da opinião de Colares. “Esses dados não correspondem com a realidade que vivem, cotidianamente, os povos indígenas da Terra Yanomami”.
Em nota enviada no dia 4 de julho, antes do corpo ser encontrado, o Ministério dos Povos Indígenas lamentou a morte da menina Yanomami e informou que as equipes “prestaram atendimento imediato aos feridos no local e foram transferidos nesta tarde para Surucucu e Boa Vista, em aeronaves da Marinha do Brasil (MB) e da Força Aérea Brasileira (FAB) equipadas com respiradores e outros equipamentos de resgate emergencial”.
Agentes da Polícia Federal, Ibama e Força Nacional de Saúde Pública foram enviadas ao local para investigar o ataque e o Corpo de Bombeiros de Roraima realizou as buscas, segundo o MPI. A nota foi assinada também pelos Ministérios da Saúde, da Defesa e da Justiça e Segurança Pública, além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
Com a operação de retirada dos garimpeiros da TI Yanomami, os conflitos com armas de fogo aumentaram. No último dia 4, na mesma região de Parima, o corpo de dois garimpeiros foram encontrados e outros dois ficaram feridos. O caso foi registrado na Delegacia Geral de Homicídios (DGH).
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Resgate dos feridos no conflito que foram para o hospital em Boa Vista (Foto: CMA)