Só o campesinato pode solucionar o problema da fome no Brasil, afirma representante do MPA

Saiane Santos fala sobre Dia Mundial da Alimentação e destaca papel da agricultura familiar frente ao agronegócio

Gabriela Amorim, Brasil de Fato

Nesta segunda-feira (16), é comemorado o Dia Mundial da Alimentação e de Luta pela Soberania Alimentar. Uma data para lembrar quem produz os alimentos que chegam às nossas mesas e para lutar por mais investimentos na agricultura camponesa e popular, pelo direito à alimentação saudável, em quantidade suficiente e de acordo com as culturas alimentares da sociedade brasileira.

Outubro é marcado por diversas manifestações de movimentos sociais camponeses para chamar atenção para a data. Em entrevista ao Brasil de Fato Bahia, Saiane Santos, da direção estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), destaca as principais lutas dos povos do campo evidenciadas nesta data.

Brasil de Fato Bahia – 16 de outubro é o Dia Mundial da Alimentação e da Soberania Alimentar. Neste momento em que o Brasil volta a enfrentar a fome, quais são os caminhos apontados pelos movimentos sociais camponeses para o combate à fome na Bahia e no Brasil? Quais são as experiências que podem servir de modelo?

Saiane Santos – O MPA e a Via Campesina têm demarcado outubro como mês de Luta em Defesa da Soberania Alimentar e Contra as Empresas Transnacionais. Nesse ano de 2023, o MPA estará realizando sua jornada de luta que tem como lema “MPA e luta por direito, terra e soberania alimentar”. Então, estaremos realizando em diversos estados um conjunto de atividades que busca dialogar com a sociedade sobre a importância do campesinato, a importância da produção de alimentos e também denunciando o que é o modelo agroexportador que o agronegócio produz, que é morte e destruição, envenenamento da Terra e dos nossos corpos. E nessa perspectiva do enfrentamento à fome, o MPA tem afirmado que a fome é estrutural. Ela é consequência do modelo capitalista que temos, que produz mazelas e desigualdades sociais e concentra as riquezas. A fome é estrutural e nós temos afirmado que só a partir da produção de alimentos saudáveis, de qualidade, a partir da reforma agrária, da demarcação dos territórios indígenas também da criação de mecanismos para o abastecimento popular, que permitam que os alimentos que a gente produz chegue na mesa de quem precisa que é o povo trabalhador, que é quem está na periferia, que não tem acesso aos alimentos agroecológicos, possamos avançar nessa dimensão do enfrentamento à fome. As nossas experiências mostram que é possível, sim, a partir desses elementos, avançarmos no enfrentamento da fome. As nossas ações de solidariedade no período da pandemia, a exemplo do Mutirão Contra a Fome, onde a gente buscou impulsionar a produção agroecológica do nosso povo e criar essa rede de distribuição de alimentos e doação de alimentos saudáveis desde as cestas e as cozinhas solidárias comunitárias, em que a gente doa cestas e também doa os alimentos nas marmitas. Isso mostrou como pode ser construída essa rede de produção de abastecimento popular de alimentos, e impulsionar tanto essas experiências, como feiras e mercados populares de alimento. Então, é preciso pensar tanto a produção de alimentos, como o abastecimento popular de alimentos.

O agronegócio investe muito em propagandear que, sem a sua produção, a fome vai aumentar no país e no mundo. Qual tem sido o real papel do agro no combate à fome?

Isso é uma falácia, né? O agronegócio tem colocado muito, sobretudo a partir das mídias, da comunicação que eles produzem, que, para acabar com a fome no mundo e no país, é preciso a produção do agronegócio. Isso é uma falácia, porque o agronegócio não produz alimentos. Produz commodities, produz para exportação, produz mercadoria. Então, só o campesinato pode cumprir essa tarefa de enfrentar a fome, a partir da produção de alimentos saudáveis, de qualidade. O agronegócio concentra a maioria das terras e recebe a maior fatia de recursos e não produz alimento, né? Não é ele que abastece a mesa do povo trabalhador com a diversidade dos alimentos que chega. Na nossa mesa, mais de 70% dos alimentos quem produz é a agricultura familiar camponesa. Então, a gente tem afirmado que: não, o agronegócio não pode combater a fome, porque ele não produz alimento, pelo contrário, produz desigualdades sociais e econômicas no nosso país.

Nas últimas semanas, o país foi atingido por diversos eventos que são consequência das mudanças climáticas. Como esses eventos podem impactar a produção de alimentos e o que isso tem a ver com o modelo de produção?

Nós temos feito a leitura que isso tem um impacto gigantesco na produção de alimentos. Porque o aumento das temperaturas provoca as secas intensas, que têm acontecido mais frequentemente na região sul, por exemplo, e também o excesso de chuvas em outras regiões, têm causado muita quebra de safra, perda de safra da produção. E quando você tem diminuição da produção de alimentos, você tem aumento do preço. Então já se tem um impacto nessa questão do preço, né? E essa dimensão [do aumento dos preços] vai além da questão das mudanças climáticas, porque tem o impacto nos sistemas alimentares pra saúde, devido à contaminação dos alimentos por agrotóxicos e também o aumento [do consumo] dos alimentos ultraprocessados. Isso é consequência do modelo de produção que tem gerado e tem aumentado as mudanças climáticas. O desmatamento, a perda dos ecossistemas também têm resultado no aumento de doenças contagiosas. É possível que uma das causas da pandemia da covid-19 foi por conta desse modelo de produção que a gente tem no mundo, né? Então, a gente tem feito essa leitura também, e que a crise climática retroalimenta a fome, a desnutrição, a obesidade.

Na década de 1990, a Via Campesina passa a adotar o termo “soberania alimentar” em contraposição à “segurança alimentar”. Pode explicar pra gente qual a diferença de um pra outro e por que o MPA e outros movimentos defendem o conceito de soberania alimentar?

Para nós, a diferença entre segurança alimentar e a soberania alimentar é que a soberania alimentar tem a ver com os alimentos saudáveis, com a cultura, com os hábitos alimentares e com os sistemas locais, com respeito à natureza. É mais que ter a comida no prato, é a gente saber quem produz, como produz, quais são as condições que o campesinato tem para produzir, como que esses alimentos chegam na mesa de quem produz. Não é só ter a segurança que vai ter o café, o almoço, a janta, mas qual é essa alimentação que está sendo consumida, de onde está vindo essa alimentação, que projeto de sociedade a gente está fortalecendo com essa comida que chega na mesa do nosso povo, né? Nós estamos afirmando a produção de alimentos saudáveis, com quantidade necessária e suficiente para o nosso povo se nutrir e que essa produção seja a partir de sistemas diversificados. Então, é comida boa, é comida de verdade e é comida para todos e todas. E pensar que uma nação soberana é aquela que é dona do seu próprio destino. E quando ela tem alimentação suficiente para todo seu povo comer bem e com estoque, pensado para períodos como foi o período da pandemia, significa soberania alimentar. Então, partirmos dessa dimensão que é mais que ter a segurança, se vai comer ou não, mas é que alimento está sendo consumido.

Saiane, neste ano, durante a jornada de lutas que marca o dia 16, vamos ter o Acampamento da Juventude Camponesa em Brasília, que pretende reunir milhares de jovens camponeses de todo o país. Qual a importância da juventude do campo na construção da soberania alimentar e no combate à fome?

De 13 a 17 de outubro, a juventude camponesa estará em luta por terra e soberania alimentar, no Acampamento da Juventude da Via Campesina. Esse é um espaço massivo, que vai reunir mais de cinco mil jovens pra pensar processo de formação, pensar reafirmação da juventude camponesa, afirmar a juventude como fundamental pro campesinato, pra produção de alimentos, pra reforma agrária. Também é uma ação que busca denunciar essas crises do capitalismo e como o capitalismo busca sair dessas crises, que é concentrando riqueza, concentrando a natureza, explorando a força de trabalho da classe trabalhadora. Afirmando a importância da juventude, a importância da luta, a importância da soberania alimentar, da reforma agrária e da demarcação dos territórios indígenas e quilombola. Então, a jornada de luta do MPA, o acampamento da Via Campesina e diversas atividades que estarão sendo realizadas agora no mês de outubro buscam, nessa conjuntura que estamos vivendo, reafirmar a importância da agricultura camponesa, dos indígenas, dos quilombolas, nessa dimensão da soberania alimentar.

Edição: Alfredo Portugal

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