Se superar desmatamento, Floresta Amazônica pode ganhar 15 mil hectares até 2050 e contribuir para atenuar crise climática

Uma maior cobertura florestal é capaz de capturar e armazenar uma quantidade superior de carbono, colaborando com a redução de impactos sociais causados pelo “efeito estufa” e promovendo uma economia de até 21 milhões de dólares para o país

por Jéssica Tokarski, em Ciência UFPR

Floresta Amazônica pode aumentar em mais de 15 mil hectares no Brasil, até 2050, caso a execução de programas para controle do desmatamento e combate a queimadas, aliada a uma intensa fiscalização governamental, continue. Os avanços com a conservação do bioma florestal têm o potencial de gerar benefícios sociais de mais de 21 milhões de dólares, considerando a captura e a estocagem de carbono realizadas pela vegetação e as estimativas do custo social do carbono.

Os dados foram levantados por pesquisadores que se basearam na dinâmica de uso e ocupação do solo na Floresta Amazônica, no estado do Tocantins, entre 2000 e 2020, e, por meio da metodologia de avaliação biofísica e econômica da dinâmica do carbono, simularam o estoque de carbono em 2050. Os resultados estão publicados no periódico Sustainable Production and Consumption, da Science Direct.

O estoque de carbono representa a quantidade do elemento químico retirada da atmosfera e mantida em florestas e oceanos, principalmente na biomassa dos vegetais e no solo. Esse processo faz parte do ciclo do carbono, permitindo sua reciclagem e mantendo-o em circulação entre os seres vivos. Contudo, quando há um desequilíbrio no ciclo do carbono, com emissões maiores do que a capacidade de captura pelos reservatórios, por exemplo, ocorre um aumento da sua concentração na atmosfera.

“Esse aumento da concentração de carbono na atmosfera é considerado o principal culpado pelas mudanças climáticas. Dessa maneira, o ciclo do carbono é responsável pela relativa estabilidade climática e pelo bem-estar humano”, explica à Ciência UFPR um dos autores do artigo, Junior Ruiz Garcia, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Grupo de Estudos em MacroEconomia Ecológica (Gemaeco).

Segundo ele, a relativa estabilidade climática é um dos componentes básicos para a vida e, portanto, para a sociedade e para a produção de bens e serviços.

“Nesse sentido, a perda da relativa estabilidade climática, em função do aumento da concentração de carbono na atmosfera, pode gerar efeitos negativos sobre as atividades econômicas, inclusive levar à morte precoce de pessoas e animais”.

Por isso, os valores econômicos do estoque de carbono são uma forma de expressar sua importância para a sociedade em valores monetários.

Para calcular esse custo, realiza-se uma estimativa (em unidades monetárias) decorrente da emissão de uma tonelada adicional de dióxido de carbono (CO2) pelas atividades humanas sobre o bem-estar humano e o ecossistema.

“É uma forma de dar valor econômico aos efeitos das mudanças climáticas para a sociedade. O custo social representa os danos causados às propriedades, redução da produtividade do trabalho ou da renda das famílias por cada tonelada adicional de emissões de dióxido de carbono”, esclarece Milton Marques Fernandes, professor de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Sergipe (UFS), também envolvido na pesquisa.

Agricultura e outras práticas humanas alteram a dinâmica de estocagem de carbono

O Tocantins é um dos estados brasileiros mais impactados pelos incêndios florestais, com mais de 225 mil focos de queimada registrados de 1998 a 2016. Tais incêndios levaram a alterações na dinâmica de uso e ocupação do solo, incluindo a perda direta de vegetação, o que contribuiu para mudanças no estoque de carbono.

Mas outros fatores, como a expansão agrícola, a construção de estradas, a implementação de projetos hidrelétricos e de mineração e o comércio ilegal de madeira também desempenham um papel crucial na condução destas mudanças. O desmatamento contínuo na Amazônia levou ao aumento das emissões de gases de efeito estufa e impactou os estoques de carbono e sua capacidade de sequestro.

Só em 2020, as mudanças na dinâmica do uso do solo pela agricultura foram responsáveis pela emissão de 998 milhões de toneladas de CO2, tornando o setor a maior fonte de emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil, representando 46% do total nacional naquele ano. Na prática, essas mudanças na ocupação do solo significam a conversão de áreas de floresta e de cerrado em pastagens para uso pecuário.

Cada tipo de ecossistema tem diferentes compartimentos de estoque de carbono.

“No estudo, adotamos quatro compartimentos: estoque de carbono no solo, nas raízes, na biomassa morta e na biomassa viva. Neste contexto, as vegetações do cerrado, as florestas e as pastagens apresentam diferentes quantidades de estoque de carbono em cada compartimento. As pastagens têm a menor estocagem de carbono, pois apresentam apenas dois compartimentos, as raízes e o solo. Já as florestas possuem os quatro compartimentos e maior estoque total que as pastagens”, afirma Fernandes.

Assim, quando ocorre a conversão da Floresta Amazônica para pastagem, por exemplo, existe uma maior emissão de CO2 para a atmosfera e uma menor capacidade de sequestro de carbono pelas pastagens.

Há esperança apesar dos desmatamentos e das queimadas

Entretanto, o estudo mostrou que a floresta pode estar em processo de regeneração no Tocantins. O aumento na formação florestal relatado no artigo se deve à maior fiscalização dos órgãos governamentais e à execução de projetos nacionais e estaduais de combate às queimadas e ao desmatamento.

“Apesar de o desmatamento ainda persistir no cerrado, há indícios de que áreas desmatadas na Floresta Amazônica do estado do Tocantins podem ter sido abandonadas e, por isso, estão em processo de regeneração, contribuindo para a captura e estocagem de carbono”, avalia Garcia.

A cobertura florestal tem maior potencial de captura e estocagem de carbono do que áreas de cerrado, vegetação que oferece outros benefícios para a sociedade, como abrigar nascentes de rios importantes para o abastecimento de água.

Supondo que a dinâmica de uso e ocupação da terra observada entre 2000 e 2020 seja mantida até 2050, os pesquisadores detectaram que a cobertura da Floresta Amazônica pode aumentar em mais de 15 mil hectares, o que corresponderia à captura e à estocagem de carbono de mais de dois milhões de toneladas.

“Considerando a estimativa em valores monetários, com base no custo social do carbono, representaria mais de 56 milhões de dólares. Contudo, em razão da emissão de carbono resultante da redução na área de cerrado, que é estimada em 13,5 mil hectares, a contribuição do aumento da cobertura florestal é menor”, analisa o professor da UFPR. Por isso, na ponta do lápis, os cálculos geram cerca de 21 milhões de dólares em benefícios sociais.

Fernandes acredita que a estimativa do valor econômico do sequestro de carbono pela Floresta Amazônica de Tocantins destaca uma oportunidade para ajudar a financiar ações que podem contribuir para a captura e o armazenamento de carbono.

“Houve alguns avanços nos últimos anos, como a promulgação da Lei 14.119/21 sobre a política nacional de pagamentos por serviços ambientais, em 2021, e o projeto que regulamenta o mercado brasileiro de redução de emissões de gases de efeito estufa e de créditos de carbono, em 2023”.

Para os pesquisadores, o desafio é manter a proteção nas áreas de regeneração. “É crucial monitorar e controlar o desmatamento, pois isso contribui para a proteção da biodiversidade, para a mitigação das alterações climáticas, para a preservação dos serviços ecossistêmicos e para a garantia do desenvolvimento sustentável. Ao abordar ativamente a desflorestação, o ambiente pode ser salvaguardado, garantindo um futuro melhor para as gerações vindouras”, concluem.

Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

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