Lisbet Julca Gonza*, Fundação Rosa Luxemburgo
A crescente urgência em enfrentar as mudanças climáticas tem colocado a transição energética no centro dos debates globais. No Brasil, um país rico em recursos naturais, mas também vulnerável a desastres climáticos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem se destacado na promoção de práticas agroecológicas e na transição para energias renováveis como pilares fundamentais para o futuro da agricultura e do meio ambiente.
Compromisso com a sustentabilidade
A energia solar, como fonte renovável e limpa, desempenha um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas e no fortalecimento da segurança alimentar através de práticas agroecológicas. O MST, por meio de suas práticas e parcerias, reafirma seu compromisso com um modelo de desenvolvimento que prioriza o respeito à natureza e a autonomia energética das comunidades rurais.
Desafios e propostas
Entre as iniciativas do Movimento, destaca-se a formação sobre fabricação de placas solares. O curso, realizado de 10 a 14 de junho de 2024 na Escola Popular Rosa Luxemburgo, em Agudos, São Paulo, reuniu 25 pessoas assentadas e acampadas de diversas regiões do estado. O objetivo principal foi capacitar os participantes e inspirar uma mudança significativa na forma como a energia é utilizada e produzida no campo brasileiro. A atividade foi realizada em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo (FRL), o Instituto I9Sol e o Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER-UFSCAR).
Durante a formação, os participantes aprenderam a fabricar e instalar sistemas fotovoltaicos, discutindo estratégias para superar os desafios estruturais impostos pelo modelo econômico atual. Villi Seilert, educador do Instituto I9Sol, destacou a importância de superar a falta de acesso à energia adequada, um obstáculo significativo para a economia familiar e para a produção agrícola sustentável. Seilert analisou que “depois da conquista da terra, vem o desafio de se estabelecer na atividade agrícola. Transformar a agricultura em uma atividade capaz de proporcionar bem-estar às comunidades é crucial, e a energia é um dos problemas sérios que os trabalhadores enfrentam. A falta de energia adequada é um gargalo que impede a economia familiar de agregar valor, limitando a participação crescente no mercado com produtos provenientes de processos sustentáveis e coletivos.”
Inovação e impacto social
A produção local de equipamentos solares reduz a dependência de fornecedores externos, fortalece a economia local e promove a sustentabilidade ambiental. A integração dessas tecnologias com práticas agroecológicas melhora a qualidade de vida das famílias no campo e estabelece uma conexão profunda entre seres humanos e natureza, essencial para um futuro mais equilibrado.
Um passo rumo à soberania alimentar e energética
Ao longo dos seus 40 anos de história, o MST tem defendido a reforma agrária e um modelo de desenvolvimento que coloca a soberania alimentar e energética no centro das suas lutas. A formação em Agudos capacitou tecnicamente os participantes e os estimulou a liderar iniciativas que promovam a sustentabilidade em suas próprias comunidades.
Energia nos territórios da reforma agrária
A realização do curso na Escola Popular Rosa Luxemburgo, sede de uma antiga fazenda, demonstra a riqueza desse processo formativo, que é, de fato, um saber-fazer compartilhado. Assentadas e acampadas são sujeitos ativos nessa grande prática política no âmbito da transição energética limpa, sustentável e democrática. Além disso, o curso foi especialmente significativo no mês em que celebramos o “Dia Mundial do Meio Ambiente” (5 de junho).
O lugar que hoje é uma escola popular é um exemplo de espaço apropriado e ocupado, possibilitando o processo de formação, fortalecendo o acesso democrático à terra e propondo formas de geração de energia sustentável, considerando processos de trabalho que podem tanto favorecer a apropriação da técnica de forma autogestionada, quanto a produção em escala no âmbito da agroecologia, experiência que precisa ser integrada às cooperativas e associações em áreas de assentamentos, de acordo com a realidade local.
O desafio é transformar experiências de formação como essas em direitos concretos que garantam o acesso à energia limpa e sustentável para todos, através de políticas públicas, fazendo com que sem-terra, indígenas, quilombolas e trabalhadores de todas as origens participem e desempenhem um papel crucial na transformação social, promovendo o acesso aos direitos necessários para uma vida digna, tanto no campo quanto na cidade.
*Lisbet Julca Gonza é militante do MST e contribui na Coordenação Política Pedagógica na Escola Popular Rosa Luxemburgo. Doutora em Geografia pela UNESP, e pesquisadora colaboradora na Rede DataLuta – Banco de Dados das Lutas por Espaços e Território.