Assassinato de jovem Caiçara reacende conflito de terras em Paraty

Trindadeiros manifestam por Justiça e em Defesa de seu Território

Por Davi Detrinda

A manhã de segunda-feira (6/6) certamente ficará por muito tempo na lembrança das comunidades caiçaras de Paraty. Pela segunda vez, as ruas de pedras do centro histórico da cidade foram testemunha de uma manifestação da comunidade de Trindade reivindicando o direito pelo seu território tradicional. Mais de mil pessoas gritaram juntas palavras de ordem pedindo justiça e investigação imparcial pela morte do jovem caiçara Jaison Caique Sampaio, de 23 anos, cruelmente assassinado, em sua própria residência, por um policial militar de folga a serviço da empresa T.D.T, Trindade Desenvolvimento Territorial. A família do jovem caiçara, mora em área destinada à lavoura da comunidade e são os donos legítimos da terra.

“Um guerreiro que lutava, que mantinha a minha estrutura. Era ele”, essas foram algumas das palavras emocionadas da Dona Maria do Socorro, mãe de Jaison, em frente ao Fórum de Paraty. Os funcionários da companhia envolvidos no crime, dois sargentos da polícia militar, Udson de Oliveira e Claudio Antônio Fonseca, além de atuarem como seguranças da T.D.T, trabalhavam no Fórum.

O crime ocorreu na manhã de 2 de junho e mobilizou rapidamente a comunidade na busca por justiça e manutenção do território. A única testemunha, irmão da vítima, também sofreu a tentativa de assassinato. Segundo seu depoimento, os jovens estavam na propriedade da família quando foram abordados pelos invasores. Os policiais ordenaram que eles deixassem a própria casa, para que o imóvel pudesse ser derrubado. Ao questionarem a falta de um mandado judicial, os criminosos agrediram o irmão da vítima e dispararam tiros em direção aos jovens. Duas balas atingiram Jaison, uma no braço e outra no abdômen. O caiçara foi levado ainda com consciência para o Hospital Municipal de Paraty, mas não resistiu aos ferimentos. Após o crime, os policiais se entregaram à delegacia alegando legítima defesa e estão presos administrativamente. Segundo a família, ambos já vinham fazendo ameaças a algum tempo dizendo que a terra em questão fazia parte do grupo.

A comunidade de Trindade está sobreposta a duas unidades de conservação, o Parque Nacional da Serra de Bocaina e Área de Proteção Ambiental do Cairuçu. Após o acontecimento, os Trindadeiros realizam um movimento para ocupar as áreas da APA, que supostamente seriam da empresa, para que sejam desenvolvidas atividades de esporte, lazer e de cunho social e cultural, conforme garante a Lei Municipal 1828/2011. Conhecidas como ZULCEL, essas áreas nunca tiveram a finalidade que especifica a lei. Até o dia do crime, o local abrigava imóveis que serviam de alojamento para os seguranças da empresa. Após o ocorrido a comunidade de Trindade queimou as casas, derrubou as cercas, ocupou o local e agora reivindica o cumprimento da referida legislação.

O deputado Federal Nilto Tatto – PT, membro da mesa diretora da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, esteve na manifestação dos Trindadeiros para apoiar a comunidade e fortalecer o movimento. Para Tatto, é preciso buscar uma saída para o conflito: “a Câmara Federal, através da Comissão dos Direitos Humanos, vai acompanhar de perto para que o inquérito avance e não tenha problemas”. Também marcou presença no ato representante do Poder Legislativo Estadual, o assessor do Deputado Estadual Flávio Serafini – PSOL, Leonardo Moreira, integrante da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ. Moreira lembrou que a ausência física de Jaison reafirma a luta do povo de Trindade pelo seu território e que a união dos Trindadeiros serve de exemplo para todas as comunidades tradicionais do Brasil.

Após passar pelo Fórum da cidade, a manifestação dos Trindadeiros realizou atos em frente a Câmara e Prefeitura Municipal. No poder legislativo, os manifestantes foram recebidos pelo presidente da Casa, vereador Luciano Vidal – PMDB, que se comprometeu a fazer o que for possível para punir a T.D.T. e expulsá-la do município. “São pessoas que merecem o rigor da Lei”, enfatizou. Já o prefeito Carlos José Gama Miranda – PMDB afirmou, na presença dos manifestantes, que esse é um momento importante para que se façam algumas discussões que há décadas o município deveria fazer. “Inclusive as áreas Zulcel, eu me coloco à disposição para gente fazer isso. São discussões que estão ai há mais de dez anos e agora é o momento pra gente avançar”, concluiu. Ainda em frente a prefeitura, o presidente da Associação de Moradores de Trindade, Fausto Rosa de Campos, enfatizou ao prefeito e a todos os presentes que o povo caiçara de Trindade não vai mais permitir a presença empresa Trindade Desenvolvimento Territorial. “O Território é nosso”, finaliza.

História

O primeiro grande ato realizado pela comunidade de Trindade em Paraty ocorreu em 1978; a luta era contra a empresa Paraty Desenvolvimento Turístico, união de duas multinacionais, a Brascan e a Adela (Agência de Desenvolvimento na América Latina) e popularmente conhecida como Companhia. Essa empresa era constituída por 280 dos mais poderosos grupos empresariais do mundo, com sede em Luxemburgo.

A Companhia se dizia dona das terras de Trindade e por nove anos tentou de forma violenta ocupar a área, chegando a manter 60 homens armados no local. Nessa época, os Trindadeiros sofreram diversas agressões físicas, além de ter a estrada de acesso ao lugarejo bloqueada por jagunços, suas plantações e casas de pau-a-pique serem destruídas e até estupros praticados contra duas professoras.

Durante os anos da luta, a comunidade de Trindade, que chegou a ser constituída de 120 famílias e, em certo momento foi reduzida a apenas 23, recebeu ajuda da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro, grupo que surgiu quando jovens paulistas e cariocas que frequentavam o local e presenciaram as violências cometidas contra os caiçaras decidiu unir-se aos moradores. Com a união, o conflito de terras em Trindade ganhou grande repercussão nacional e internacional, conquistando o apoio jurídico do importante advogado Sobral Pinto.

Foto: Fausto Rosa de Campos
AMOT – Associação de Moradores de Trindade

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