Consea pede veto “presidencial” à pulverização aérea para controle vetorial

Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República,

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), por diversas ocasiões, destacou a importância do debate sobre os efeitos do uso de agrotóxicos na saúde humana, animal e ambiental, e o risco que ele traz para a garantia à promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional da população brasileira.

Importante ressaltar que o Brasil, desde 2008, ocupa a primeira posição no consumo mundial de agrotóxicos. O Consea, entendendo o grave risco à garantia do direito humano a alimentação adequada e saudável em função do uso de agrotóxicos, em diversos momentos tem alertado sobre os seus impactos na saúde humana, animal e do meio ambiente, se manifestando por meio de Recomendações, como a de nº 006/2005, que solicita medidas para manutenção e aprimoramento das disposições de controle e fiscalização dos agrotóxicos; a de nº 011/2005, que solicita a não flexibilização dos procedimentos de registro de agrotóxicos, além da Exposição de Motivo nº 005/2013, que solicita o veto ao Art. 53 do Projeto de Lei de Conversão – PLV nº 25/2013, que autoriza de forma temporária e emergencial a produção, importação, liberação comercial e uso de agrotóxicos em situação epidemiológica emergencial.

Dada a importância do tema, o Consea, em 2012, promoveu a “Mesa de Controvérsia sobre os Impactos dos Agrotóxicos na Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada”, com o objetivo de estimular o Estado Brasileiro a tomar iniciativas concretas de curto, médio e longo prazos para a redução do uso de agrotóxicos, tendo como base as proposições aprovadas na 4ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional realizada em novembro de 2011. Como resultado da Mesa de controvérsia, foi encaminhada a Exposição de Motivo nº 003/2013, contendo uma série de propostas ao Governo Federal para a redução do uso de agrotóxicos, a afirmação do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), em consonância com o que estabelece o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN).

O Consea, junto a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), elaboraram Ofício endereçado ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, recomendando a publicação e lançamento do Programa Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos, previsto no PLANAPO, que tem como um dos principais objetivos ampliar e fortalecer a produção de produtos orgânicos e de base agroecológica, reduzindo o uso de agrotóxicos nas plantações.

A preocupação do Consea com o aumento do uso de agrotóxicos cresce à medida em que mais estudos e pesquisas vão apontando para suas graves consequências. Na Universidade Federal do Ceará, pesquisa intitulada “Estudo epidemiológico do baixo Jaguaribe exposta à contaminação ambiental em área de uso de agrotóxicos”, constatou a contaminação da água consumida pela população por mais de 15 agrotóxicos diferentes, sendo que a comunidade que mais apresentou queixas sobre a qualidade da água para consumo humano, na cidade de Tomé, fica exposta a até 6 aplicações aéreas de agrotóxicos por ano. Outra pesquisa realizada sobre o tema foi feita pela Universidade Federal de Mato Grosso, na cidade de Lucas do Rio Verde, amplamente noticiada pela imprensa, onde se detectou a presença de agrotóxicos no leite materno.

De acordo com a “Nota Informativa contendo esclarecimentos sobre pulverização aérea e o controle de endemias”, do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde1, o estudo aponta que menos de 0,1% dos agrotóxicos aplicados por meio de pulverizações aéreas atingem as pragas-alvo, e que a deriva (deslocamento da calda do produto para além do alvo desejado) já atingiu a distância de 32 quilômetros da área alvo. Em Rio Verde, estado de Goiás, 92 pessoas, em grande parte crianças e adolescentes, de uma escola municipal sofreram intoxicação aguda devido a pulverização aérea de agrotóxicos, conforme registro no Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação (Sinan).

A mesma Nota Informativa do Ministério da Saúde aponta outros estudos, como o realizado na Jamaica, que demonstra que a mortalidade média de mosquitos em locais internos (13%) e externos (55%) às residências, não foi significativa após a pulverização aérea com Malathion, e o realizado na comunidade de Colima, no México, que indicou que “campanhas educacionais reduziram de forma mais eficaz os criadouros de Aedes Aegypti do que o uso de produtos químicos de pulverização, e que a combinação de ambos os tratamentos pode reduzir a eficiência das campanhas educativas, possivelmente devido a falsa expectativa de que a proteção de pulverização de veneno cria na comunidade”.

Por isso, dirijo-me à Vossa Excelência para, em nome do CONSEA, solicitar o veto ao Art. 1º, § 3º, inciso IV, do Projeto de Lei de Conversão nº 9, de 2016, que dá “permissão da incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida”, por motivos acima explicitados. Cremos, Excelência, que ao abordar essa temática ad referendum da Plenária do Conselho, preservamos nosso papel institucional como órgão consultivo da Presidência da República e contribuímos para a consolidação do modelo democrático de tomada de decisão que se têm consolidado no País, além de contribuir para a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e para a realização progressiva do Direito Humano à Alimentação Adequada da população brasileira.

Respeitosamente,

Maria Emília Lisboa Pacheco
Presidenta do CONSEA

Nota:

1 http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/abril/01/Esclarecimentos-sobre-pulveriza—-o-a–rea-e-o-controle-de-endemias.pdf

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