A dessolidarização social e a ostentação pelo consumo: um novo retrato do Brasil à luz da periferia urbana de São Paulo. Entrevista especial com Thais Pavez

“Tanto na ascensão social quanto no crime, há essa opção do consumo, só que, obviamente, de formas muito diferentes, porque no crime isso ganha uma dimensão exacerbada, já que a ostentação é uma forma de exercer a superioridade social entre os mesmos pares”, afirma a cientista política

Por Patricia Fachin – IHU On-Line

As mudanças sociais, econômicas e políticas que estão ocorrendo no Brasil desde os anos 1990 têm dado origem a um “movimento preocupante”, denominado pela cientista política Thais Pavez de “dessolidarização social”.

Segundo ela, tal fenômeno é vivido por aqueles “que ascendem socialmente” e “não necessariamente permanecem ligados aos interesses do próprio grupo social; ao contrário, às vezes, ocorre um processo de desvalorização do próprio grupo para aderir a uma identificação, por exemplo, de classe média, ou quem vive do crime passa a ostentar seu consumo”.

De acordo com Thais, esse fenômeno tem sido recorrente nas periferias de São Paulo, onde oconsumo se tornou um dos principais desejos dos membros das comunidades.

Autora da dissertação de mestrado intitulada “Política pública e formação de capital social: avaliação da política municipal de urbanização de favelas de programa ‘Santo André mais igual’, Thais reflete sobre as expectativas de vida dos jovens que vivem nas periferias em relação aos projetos de vida de seus pais e avós, e frisa que “há uma mudança fundamental de expectativa entre os mais pobres”. Enquanto as gerações passadas tiveram seus projetos de vida associados à migração do campo para a cidade e foram empregados no setor industrial, as novas gerações foram integradas ao “mercado moderno de consumo”, o qual passou a ocupar um espaço central em suas vidas.

Junto com essa mudança de perspectiva, explica, houve também uma reestruturação do mercado do tráfico nas periferias, bem como do mercado de trabalho durante o lulismo, que embora tenha garantido aumento do emprego formal, também assegurou a precarização e os baixos salários. Com isso, menciona, “duas possibilidades reacenderam entre os jovens: se envolver no crime ou seguir no caminho do trabalho”.

Na avaliação da pesquisadora, o movimento que hoje melhor exprime os anseios dos jovens da periferia é o chamado “rolezinho”, “que expressa o desejo desses jovens de participar dos shoppings, de passear, de ter acesso a lazer”. Para ela, hoje “há uma dificuldade de apresentar um projeto que contribua para aproveitar esse movimento reivindicatório dos jovens, como o dos rolezinhos ou outros que têm acontecido, e que vão no sentido de organizar esses jovens politicamente, porque esse projeto de integração ao mercado é o que está posto”.

Em termos políticos, pontua, “há dificuldades para a esquerda fazer trabalhos de base na periferia, principalmente por conta das igrejas evangélicas, que acabam inibindo muitas ações mais reivindicativas, em razão de toda essa associação que elas fazem das manifestações aos baderneiros, inclusive aos bandidos; e por conta do PCC, que tem a gestão e o controle territorial das periferias”.

Thais Pavez é doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP e graduada em Administração Pública pela Universidade do Chile.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De que modo os jovens da periferia, entrevistados na sua pesquisa, pensam a política e os partidos?

Thais Pavez – A tese mostrou que entre os jovens que já tinham participado das eleições – trabalhei com jovens entre 16 e 24 anos de idade – havia uma relação entre o comportamento do grupo familiar deles e o seu próprio, ou seja, havia uma importância central da referência social ou do seu meio social imediato para a escolha dos candidatos. Então, essas referências apontavam para a escolha de candidatos do PT nas eleições para o Executivo.

As referências mais difusas que apareciam nas falas dos jovens mostravam uma valorização das melhorias que o governo do PT tinha realizado e, de certo modo, estavam presentes na forma de pensar a respeito das gestões do PT e das eleições. Os jovens viam no PT um interesse social e essas referências acabavam sinalizando que havia no PT uma preocupação em ajudar ou melhorar a vida dos sujeitos da sua própria classe. Por conta da preocupação que os governos do PT tinham com os pobres, esses jovens acabavam vinculando o partido aos seus interesses, o que contrastava com os grupos sociais que eles associavam ao PSDB.

Ao PSDB associavam, por exemplo, a classe média e os grupos que moravam nas áreas ricas das cidades, e também os funcionários públicos, especificamente os professores, por conta da rede de ensino estadual. Havia, também, um certo rechaço ao PSDB por conta da crítica que eles tinham ao sistema prisional, porque muitos desses jovens tinham parentes, familiares ou companheiros presos, ou seja, conheciam muito mais de perto a realidade do campo prisional e por isso tinham uma forte crítica. Essa percepção de que o PT se preocupava com os mais pobres também foi expressa na valorização do governo da Marta Suplicy, entre 2001 e 2005, em São Paulo, em que houve uma melhoria social e uma melhoria na periferia.

Além do PT e do PSDB, o Partido Verde – PV também aparecia nas referências deles, mas nesse caso os jovens não exemplificavam diretamente questões sociais relativas ao partido; havia uma indefinição com grupos sociais que eles achavam que votavam no PV. Mas eles associavam ao PV algumas pautas de meio ambiente, especialmente o desejo por melhorias urbanas, como parques, ciclovias etc.

A referência social vs a crítica social

Essa referência social, em especial da família – os jovens sofriam uma pressão muito forte, a qual influenciava na escolha dos candidatos -, aumentou nas eleições de 2014, quando começou a se manifestar a crise do lulismo. De um lado, essa pressão os aproximava das suas referências e, de outro, eles mostravam um descontentamento muito forte com relação às demandas. Quando esse descontentamento aparecia, eles faziam um movimento contrário a esse de se aproximar das suas referências sociais. Portanto, diferentemente da narrativa construída em torno do PT e de identificação desse partido com os pobres, nesse momento de descontentamento os jovens perdiam essa referência do partido. Isso se refletia num descontentamento com a política, que mobilizava um voto de indignação direta à opção finalizada do grupo social, portanto, essa relação com o partido se invertia.

Assim, havia uma espécie de “denúncia” sobre o descaso dos políticos, sobre a ausência de mudanças sociais substantivas. Nessa perspectiva, nas eleições de 2014, eles cogitavam votar em branco ou nulo, ou, inclusive, em um candidato oposto à sinalização do grupo social, porque quando eles estavam descontentes, havia uma desautorização das referências sociais, inclusive a respeito das melhorias do governo Lula, ainda que muito jovens conservassem essa ideia de fundo a respeito das melhorias dos governos do PT. Um dos jovens que entrevistei falava muito da ausência de políticas de lazer e de cultura no seu bairro. A espera pela construção desses espaços é em uma perspectiva que, entre os jovens, não se enxerga um horizonte de realização. Assim, eles inclusive criticavam o governo municipal por conta disso.

Reivindicações por espaços de lazer

É interessante que essa reivindicação por espaços de lazer tem a ver com uma demanda muito forte por espaços de valor de uso da cidade, a qual aparecia em algumas ações políticas ou de movimentos mais espontâneos de autonomia desses jovens que vêm de baixo, como os rolezinhos ou as idas deles à Virada Cultural ou ao Ibirapuera. Então, além dessa ideia de que as classes populares são movidas por lutas salariais, também percebi que há uma força motora nessas reivindicações, a qual tem a ver com essas outras questões ligadas ao lazer e ao uso dos espaços.

Enfim, nas eleições de 2014, diante da possibilidade de votar em branco ou em algum candidato que se opunha à representação social, geralmente os candidatos do PSDB, muitos optaram pela Marina como sendo esse candidato contra o PT. Entretanto, apareciam, às vezes, também figuras “soltas”, descontextualizadas dos partidos políticos. Então, a mesma Marta que apareceu em um momento desse registro, quando eles estavam próximos da referência social do governo, no momento de desencantamento, também aparecia como uma figura que se elevava sobre as outras figuras políticas. Ou aparecia uma figura como Tiririca, que figurava, de certa forma, como um cinismo em relação à política, ou seja, a uma desesperança muita grande em relação à perspectiva de haver uma mudança, uma transformação substantiva na vida deles. Não é à toa que o slogan de campanha “pior que está não fica, vote no Tiririca” demonstrava que o Tiririca era um candidato que expressava e figurava esse desencanto, essa situação de desesperança.

IHU On-Line – Qual é a visão de mundo desses jovens e de que modo essa visão teve influência no posicionamento deles nas eleições de 2014? Como eles estavam compreendendo o momento político que o Brasil vivia em 2014? Eles se dividiram entre votar no PT e na Marina num primeiro momento?

Thais Pavez – À medida que o pleito foi acontecendo e que foi se aproximando do 2º turno das eleições, essas pressões, crises e conflitos em relação ao voto aumentaram muito. Inclusive, famílias brigaram durante as eleições, chefes ficaram em cima dos jovens para saber como eles votariam etc. Então, no 1º turno, alguns votaram no PT, no caso, na candidata Dilma, e contra o PT, votando na Marina ou, ainda, votaram nulo, como uma espécie de contestação ao sistema – que é diferente do voto em branco, que é um “tanto faz” -, ou em candidatos como Pastor Everaldo ou Eduardo Jorge.

No 2º turno, como a pressão social aumentou por conta de que a disputa começou a ficar muito acirrada entre a Dilma e o Aécio, houve um realocamento dos votos e uma parte dos jovens continuou votando na Dilma, e os que votaram na opção nulo, em parte aderiram à indicação do grupo e, em parte, votaram anti-Dilma, escolhendo o Aécio, principalmente as mulheres. Elas expressavam um descontentamento muito grande e uma crítica em relação à expectativa de aumento dessas melhorias que não vieram no mesmo ritmo.

IHU On-Line – Como os jovens percebiam o lulismo nesse momento?

Thais Pavez – Em 2014, eles já faziam uma avaliação em que percebiam que o governo Dilma não tinha conseguido manter o ritmo de mudanças sociais, ou seja, havia uma valorização do que tinha se feito no governo Lula, principalmente em relação ao Programa Bolsa Família, ao aumento de empregos, mas ao mesmo tempo o descontentamento começou a emergir forte e eles começam, inclusive, a atribuir aspectos negativos à figura da presidente, que expressavam esse enfraquecimento no ritmo das mudanças. Havia também uma crítica em relação ao tipo de emprego oferecido, pois apesar de serem empregos formais, eram precários em relação às condições de trabalho e aos baixos salários.

IHU On-Line – Em que aspectos esses jovens pensam de modo diferente de seus pais em relação à política, trabalho, estudo e ao modo de vida que desejam ter?

Thais Pavez – Há uma mudança fundamental de expectativas entre os mais pobres. Os pais e avós vinham daquela geração que migrou do campo para a cidade, que tinha a expectativa de um emprego industrial. Contudo, nos anos 90, houve o desmonte das cadeias produtivas, portanto se tirou do horizonte a possibilidade do emprego industrial, e, com a globalização, os jovens da nova geração foram integrados ao “mercado moderno de consumo”, o qual começou a aparecer como uma expectativa. Assim, a expectativa desses jovens já era mais a possibilidade de ter um emprego industrial, de melhoria de vida e de ficar na cidade, como foi a dos seus pais.

Ao mesmo tempo, nos anos 90 houve um processo de estruturação do mercado do tráfico nas periferias e, nos anos 2000, uma organização dos negócios ilícitos via PCC [Primeiro Comando da Capital], narcotráfico, roubos, furtos e, ao mesmo tempo, uma reestruturação do trabalho por conta do lulismo. Com isso, duas possibilidades reacenderam entre os jovens: se envolver no crime ou seguir no caminho do trabalho.

O caminho do trabalhador tem uma expectativa mais rebaixada, que não é mais a mesma do período industrial, porque os empregos de hoje são mais ligados ao setor de serviços, logo, a precariedade é maior, mas, em contrapartida, oferece uma segurança e direitos formais. A via do crime, de outro lado, dá conta desse desejo de consumo, dá o “dinheiro fácil”, como eles chamam. Portanto, essa é uma mudança muito grande em relação ao que é a expectativa de vida dos jovens e daquela que era a dos seus pais ou avós.

As mulheres também trazem uma novidade: se, por um lado, elas se vinculam de forma indireta ao crime, principalmente através das relações afetivas, por outro lado, a oferta de emprego convergiu, para elas, num processo de aumento de escolarização. Essa mudança abriu, para um grupo de mulheres, a perspectiva de ascensão social e de ficarem mais próximas do que André Singer chama de o “novo proletariado”.

Dessolidarização social

Em termos políticos, apesar de ter essa reivindicação do grupo de conhecer os interesses comuns da comunidade ou do grupo, há também um movimento preocupante: houve dessolidarização social, porque quem ascende socialmente não necessariamente permanece ligado aos interesses do próprio grupo social; ao contrário, às vezes, ocorre um processo de desvalorização do próprio grupo para aderir a uma identificação, por exemplo, de classe média, ou quem vive do crime passa a ostentar seu consumo. Tanto na ascensão social quanto no crime, há essa opção do consumo, só que, obviamente, de formas muito diferentes, porque no crime isso ganha uma dimensão exacerbada, já que a ostentação é uma forma de exercer a superioridade social entre os mesmos pares.

Ao mesmo tempo, tem o caso dos evangélicos, em que também existe uma espécie de “escala moral”, em que há uma diferenciação entre o bom cidadão e os bandidos. Essa diferenciação acaba levando a uma espécie de “escala moral”, de quem está por cima e de quem não está em relação a essa ordem moral dos evangélicos.

Como novidade, em termos políticos – e é disso que vou me ocupar na pesquisa de pós-doutorado –, há esses movimentos espontâneos que vêm dos jovens, desde 2013, como os rolezinhos, que ocupam os shoppings e os espaços de lazer da classe média, os quais têm sentidos contraditórios. Entre esses jovens da periferia há um desejo de integração a esse mercado; essa é a expectativa de consumo.

IHU On-Line – O que você conseguiu evidenciar sobre a escolarização entre os jovens da periferia? Como eles compreendem o estudo, o acesso à universidade e, nesse sentido, as políticas públicas como ProUni e Fies?

Thais Pavez – A possibilidade de cursar o ensino superior faz parte do projeto de ascensão social deles não somente nos dias de hoje, pois isso sempre fez parte do projeto de vida do trabalhador. Entre eles, houve um momento importante da escolarização e os dados mostram que cerca de 36% dos jovens da periferia já têm 11 anos ou mais de estudo, e essa escolarização é maior entre as mulheres.

Se compararmos 2001 a 2010, perceberemos uma reconfiguração do quadro da escolarização de jovens: as mulheres começam a ser as mais escolarizadas e, por conta desse histórico do crime e, às vezes, pela necessidade de trabalho, os meninos interrompem mais a trajetória de escolarização. Com isso, as mulheres se aproximam mais do “novo proletariado” ou da “nova classe C”. Vi, entre as mulheres, situações profundamente distantes em relação à expectativa de vida e, de fato, os únicos jovens da minha mostra que tinham começado o Ensino Superior ou que tinham feito algum curso técnico eram mulheres.

IHU On-Line – Os jovens entrevistados participaram de Junho de 2013? O que expressaram sobre essas manifestações?

Thais Pavez – Dos 19 jovens que entrevistei, praticamente nenhum participou de Junho de 2013. Eles estavam a caminho de se integrar a esse “novo proletariado”, mas eles ainda não eram esse novo proletariado. Segundo André Singer, quem foi para a rua foi esse novo proletariado, que tinha uma renda média baixa e, ao mesmo tempo, uma alta escolaridade por conta de programas como ProUni. Apenas um casal de prounistas participou das manifestações, inclusive eles foram convidados por colegas de sala de aula da própria faculdade. Contudo, todos se informaram das manifestações pela mídia e tinham opiniões divergentes em relação a Junho.

Então, havia, por um lado, um grupo que valorizava as reivindicações sobre a questão da passagem de ônibus, apesar de fazer alguma ponderação em relação à ordem, ou seja, achava que não havia necessidade de quebradeira e, de outro lado, um grupo que criticava o que denominava de vandalismo, como a questão da depredação do patrimônio privado.

Vale destacar ainda que Junho se deu paralelamente à queima de ônibus na periferia e também aos rolezinhos, que foi um momento de efervescência geral. Então, para esses jovens, o rolezinho era algo mais próximo do que a queima de ônibus, porque eles conheciam pessoas que tinham ido nesses eventos.

IHU On-Line – Qual é o sentido do rolezinho para eles?

Thais Pavez – O rolezinho é um movimento espontâneo que expressa o desejo desses jovens de participar dos shoppings, de passear, de ter acesso a lazer, mas ao mesmo tempo eles fazem algumas críticas ao tumulto. Alguns, contudo, reproduziam os elementos da mídia, dizendo que o rolezinho era vandalismo, baderna, mas a grande parte dos jovens acabou apoiando o movimento. O rolezinho expressa um desejo de integração muito forte desses jovens ao mercado moderno de consumo, só que não por uma via convencional, que é a individual, de ir sozinho ao shopping fazer compras, mas em grupo, trazendo elementos do seu mundo cultural, das suas referências, como o funk. É um movimento que não busca destruir os shoppings, pelo contrário, eles foram excluídos e querem se integrar.

Os jovens estavam dizendo: “queremos participar dos shoppings”, mas nem assim eles conseguiam ser integrados. Com isso, surgiu a lógica de ocupação. Talvez esse seja o momento em que eles veem que a ideia de participação já não está muito colocada no horizonte e, então, aderem a uma lógica de ocupações, que é a lógica que tem aparecido nas escolas, na ida ao Ibirapuera, no sentido de ocupar os espaços. Trata-se, portanto, de um movimento espontâneo dos “de baixo”, que merece bastante atenção para que se possa entender profundamente quais são suas contradições e seu sentido.

IHU On-Line – As políticas públicas e sociais desenvolvidas até então, têm contribuído para dar outra perspectiva de vida aos jovens da periferia? Em que sentido? O que ainda precisa ser feito na sua avaliação?

Thais Pavez – Pensando nas políticas do lulismo, a oferta de emprego, certamente, oferece uma saída ao crime, apesar das contradições e do fato de os serviços serem mais precários, assim como as políticas de integração ao Ensino Superior, como o ProUni.

Há uma dificuldade de apresentar um projeto que contribua para aproveitar esse movimento reivindicatório dos jovens, como o dos rolezinhos ou outros que têm acontecido, e que vão no sentido de organizar esses jovens politicamente, porque esse projeto de integração ao mercado é o que está posto.

Em termos de políticas públicas, pensando, por exemplo, na cidade, as ações desenvolvidas pelos jovens revelam um desejo, uma ideia de cidadania que envolve o acesso à cidade, um viver na cidade. Nesse sentido parece que há um espaço de trabalho importante para permitir formas de acesso dos jovens a espaços de uso da cidade e pensar formas de ampliação desses espaços na própria periferia. Ou seja, formas em que se permita integrar os jovens ao centro da cidade, onde tem esse habitar, mas que também a periferia possa se integrar aos demais locais da cidade. Esse é um desejo muito forte deles e percebo que há uma frustração muito grande em relação, por exemplo, à ausência de ciclovias e de parques na periferia. Então, essa ausência reforça o sentimento de exclusão.

IHU On-Line – De que modo esses jovens usufruem e participam da cidade?

Thais Pavez – A sociabilidade deles acontece, principalmente, nos próprios bairros, nas ruas e nos bailes de funk de rua. Eles vão aos shoppings, até porque houve construção de shoppings e uma expansão da periferia consolidada, de setores de classe média em regiões que não eram da classe média tradicional. Alguns jovens vão ao Parque do Ibirapuera, à Virada Cultural e, de modo geral, eles têm essa intenção de deslocamento. No entanto, eles têm um impedimento material, que é o custo da passagem e, por outro lado, um desejo de que essas ciclovias se expandam para os bairros deles. Mas essa circulação na cidade ainda é restrita, há um deslocamento principalmente em função do trabalho.

IHU On-Line – A esquerda brasileira hoje se comunica com os jovens de periferia? Como?

Thais Pavez – Tem havido movimentos recentes, principalmente por conta das ocupações das escolas. Há grupos que estão fora da esquerda e do PT e que têm feito algum trabalho com os jovens na periferia, mesmo o Movimento Passe Livre – MPL tem feito alguns trabalhos, mas isso é uma novidade e temos que ver como essa questão se desenvolverá. Entretanto, hoje não se tem a mesma escala de trabalho de base que havia nos anos 1980, com as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs em um contexto político que acabou levando à criação do PT. O PT abandonou esse trabalho quando decidiu dar um giro mais eleitoral e agora, aparentemente, esses grupos – acredito que a partir de Junho – começaram algum tipo de trabalho nas periferias, o que se expressou nas ocupações das escolas.

Há dificuldades para a esquerda fazer trabalhos de base na periferia, principalmente por conta das igrejas evangélicas, que acabam inibindo muitas ações mais reivindicativas, em razão de toda essa associação que elas fazem das manifestações aos baderneiros, inclusive aos bandidos; e por conta do PCC, que tem a gestão e o controle territorial das periferias. É um desafio para os trabalhos de base da esquerda nesses locais. A situação não é muito otimista.

IHU On-Line – O PCC ainda ocupa um papel de peso nas periferias paulistas?

Thais Pavez – Ocupa, claro, sobretudo na gestão de conflitos na periferia. Então, qualquer atividade que passa por conflito e organização, dificilmente escapa ao PCC, mas seria necessário fazer mais pesquisas para saber como isso está funcionando.

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