PEC 241: uma questão de poder

Por Jorge Luiz Souto Maior, no Blog da Boitempo

Muito se tem dito sobre a Proposta de Emenda à Constituição n. 241, que, alterando os arts. 102 a 105 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, institui o Novo Regime Fiscal, que vigorará pelos próximos vinte anos.

A PEC 241, como é chamada, propõe a fixação de um limite de gastos, em nível federal, dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, incluindo, também, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público da União e a Defensoria Pública da União com base no valor gasto em 2016.

Esses entes públicos somente poderão gastar em 2017 o mesmo valor que gastaram em 2016, sendo que o valor gasto de janeiro a dezembro de 2016 deverá ser corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo. E, de 2018 em diante, o máximo a ser gasto será o valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, também corrigido pela variação do IPCA, publicado pelo IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo.

Para justificar a PEC fala-se muito da questão do custo. Diz-se que o Estado não produz riqueza; que não se pode gastar mais do que se tem; que há muitos privilégios no serviço público etc.

Para combater a PEC, argumenta-se que a contenção de custos vai gerar menos investimentos em serviços públicos, notadamente, na saúde e na educação.

Mas, de fato, o que se projeta é uma estagnação do crescimento das estruturas do Estado para os próximos 20 anos, que, na realidade, representa uma diminuição bastante drástica.

O que se tem, portanto, não é meramente uma questão matemática, mas uma questão de poder. Mais diretamente: quem regula e controla o capitalismo?

Sem maiores debates públicos e não tendo se submetido ao crivo eleitoral, ou seja, aproveitando-se da treva democrática instaurada pelo golpe, a PEC 241, apresentada em 15/06/16, tramita na velocidade da luz no Congresso Nacional, para que não se perceba o seu real propósito, que é o de reduzir drasticamente o papel do Estado, transmitindo para as empresas privadas a maior parte da regulação social.

Matematicamente, se o Estado é menor, as empresas podem pagar menos impostos e, assim, obter maiores lucros e até oferecer mais empregos (mas que jamais crescem na mesma medida dos lucros, pois, do contrário, o aumento dos lucros se perde). Mas isso tem um preço: o maior poder que se transfere do Estado para as grandes corporações, que são, de fato, as que detêm o capital, sem que isso represente, de fato, uma dissociação entre o capital e Estado, tanto que o “bolsa empresário” não sofrerá efeito negativo no ajuste[i].

Sem regulação o poder privado torna-se incontrolável e aí não serão mais apenas empresas explorando trabalhadores, mas também o agravamento da situação de grandes empresas engolindo as demais, dentro de uma lógica autodestrutiva de tudo e de todos.

Dentro de uma estrutura de direitos privados e de mecanismos privados de soluções de conflitos, sem interferências de um poder regulador, as pessoas deixam de ser cidadãs, com garantias ditadas pela força normativa estatal, tornando-se, meramente, indivíduos cuja identidade deve ser buscada junto à empresa para a qual deem a “sorte” de prestar serviço.

Enquanto isso, para as questões mínimas, nas quais o Estado não pode ser excluído, ou na esfera social descapitalizada, onde não interessa ao setor privado atuar, o que se terão, dadas as limitações orçamentárias impostas, são serviços públicos precários, realizados por serviços mal remunerados e terceirizados, numa espécie de institucionalização do trabalho em condições análogas às de escravo, que impede, inclusive, qualquer tipo de punição para atitudes semelhantes que se apresentem no setor privado.

A realidade brasileira, de quinhentos anos de história, é a da exploração desmedida e desumana dos trabalhadores, não se tendo, em nenhum momento, experimentado, de forma efetiva, as benesses do Estado Social. E em vez de seguir o caminho do aprimoramento do Estado Social, o que se pretende é construir uma ponte para o nada, ou pior, para o trânsito do capital, exclusivamente.

E a terceirização no serviço público não é apenas um problema de exploração desmedida dos trabalhadores, mas também os da destruição concreta da conquista histórica do concurso público, que melhor preserva a moralidade no serviço público, abrindo-se maior espaço para a prática dos apaniguados; e do favorecimento à proliferação de negócios promíscuos entre o público e privado, ampliando-se as vias da corrupção. E se há distorções nos gastos públicos, esses problemas não se resolvem pela simples limitação do orçamento.

Com o patrocínio da PEC 214, a posição adotada pelo presente governo, que revela, inclusive, as motivações que sustentaram o golpe, é a de entregar o poder estatal para conglomerados econômicos, que, inclusive, não são sequer nacionais e que, por consequência não possuem nenhum comprometimento com o desenvolvimento nacional.

A PEC 241, retomando os tempos coloniais, pretende abrir ainda mais os espaços de poder em território nacional, para que possam ser ocupados por quem tiver maiores condições econômicas de fazê-lo.

Então, se passar a PEC 241: bye bye, Brasil!

E não tenho muito mais a escrever sobre a PEC 241, apelidada por muitos, como “a PEC do fim do mundo”. Esclareço, aliás, que a posição acima assumida foi impulsionada pela lógica do mal menor, que, por certo, nas situações extremas, pensando nos efeitos mais imediatos, não é desimportante. Mas há de se reparar que do ponto de vista dos concretos e maiores interesses da classe trabalhadora, o Estado não é uma instituição a ser defendida, incondicionalmente, vez que suas estruturas, voltadas ao aparelhamento do capitalismo, são, de fato (e de Direito), repressoras das mobilizações populares, alimentando uma lógica interna refratária inclusive aos avanços dos direitos trabalhistas e sociais, à inserção dos excluídos e à efetiva eliminação da discriminação e do preconceito com relação aos segmentos da sociedade politicamente minoritários. Essas estruturas, além disso, têm se voltado, historicamente, no Brasil, à defesa de privilégios injustificáveis de alguns poucos que se situam em uma espécie de classe superior entre aqueles que prestam os serviços públicos e ao favorecimento de relações paternalistas para com o setor econômico e os estratos dominantes da sociedade, por meio de conchavos, clientelismos, corrupções, financiamentos, disfarces assistencialistas e atos secretos e espertos, conforme denunciado em texto escrito em setembro de 2010: Ode ao Estado brasileiro[ii].

O problema é que, mantido o capitalismo, a mera diminuição do Estado não representa o fim dessas estruturas, que acabam se transferindo para os entes privados, os quais, sem limites, são ainda mais seletivos e opressivos, além de destruidores, fazendo com que a ação necessária, dentro desse cenário, seja a da preservação e o aprimoramento do Estado, exigindo-se o respeito à sua definição constitucional como Estado Social.

NOTAS

[i]. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/10/1823160-subsidios-destinados-a-empresas-resistem-a-ajuste-no-governo-temer.shtml, acesso em 16/10/16.

[ii]. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI90527,71043-Ode+ao+Estado+Brasileiro

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