Leidiano Farias, da Frente Brasil Popular, fala sobre a conjuntura política no Brasil
Por Monyse Ravenna, no Brasil de Fato
Nos dias 7 e 8 de dezembro, a Frente Brasil Popular realizou em Belo Horizonte sua primeira Plenária Nacional. Pouco mais de um ano depois de ser lançada, a articulação de movimentos e partidos populares discutiu os desafios colocados para o povo brasileiro no contexto de construção de um “Estado de exceção”. Nesta entrevista, Leidiano Farias, da direção nacional da Consulta Popular – uma das organizações que compõem a FBP – fala sobre as disputas no interior das forças golpistas e as perspectivas da esquerda.
Brasil de Fato: O pacote anticorrupção demonstrou uma disputa entre o Legislativo e o Judiciário. Qual sua análise sobre isso?
Leidiano Farias: Existe uma disputa pela direção do golpe no interior do campo golpista. Há um conflito de interesses e valores entre a alta classe média e a burguesia brasileira associada ao capital financeiro internacional. Como afirma o professor Armando Boito Junior, a força dirigente do golpe, a burguesia brasileira associada ao capital financeiro internacional, perdeu o controle sobre a base social que foi às ruas para destituir Dilma Rousseff. Esta base social do golpe é a alta classe média que, neste momento, é representada pelas ações de setores politicamente ativos do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Judiciário, tendo a Operação Lava Jato como grande referência política e moral.
O que quer essa alta classe média?
A alta classe média tem um conjunto de convergências e diferenças com a burguesia associada ao capital financeiro internacional. As convergências são basicamente efetivar as reformas neoliberais para retirar direitos dos trabalhadores e garantir os lucros dos capitalistas. Outro ponto em comum é a construção do estado de exceção para conter o movimento de massas, criminalizar a esquerda e lideranças como o ex-presidente Lula. A principal diferença está no fato de que a alta classe média busca a “moralização” do Estado brasileiro e compreende a continuidade e aprofundamento das medidas de exceção da Operação Lava Jato como o caminho para acabar com a corrupção e viabilizar a “salvação nacional”. O interesse da alta classe média de prosseguimento das investigações entra em rota de colisão com o Executivo e os setores politicamente majoritários no Legislativo, que representam os interesses da burguesia associada e do capital financeiro. Muitos ministros de Temer, assim como parlamentares e senadores de base do governo federal, podem se tornar alvo da Lava Jato, apesar do caráter seletivo desta operação priorizar a criminalização do PT.
Como você vê essa questão da corrupção no Brasil?
É preciso deixar claro que a corrupção é inerente ao capitalismo. Além disso, os trabalhadores têm interesse no combate à corrupção. Entretanto, esse combate à corrupção não pode se dar pela via de medidas de exceção de uma operação como a Lava Jato, que jogam na lata do lixo direitos constitucionais como a presunção da inocência e o amplo direito de defesa. A Lava Jato é um retrocesso e o ovo da serpente do fascismo. A esquerda não pode vacilar quanto a esta caracterização da operação.
Como você vê a disputa entre o STF e Renan Calheiros?
A decisão liminar do ministro Marco Aurélio demonstra uma profunda crise institucional. E mesmo a maioria do plenário do STF tendo decidido posteriormente pela permanência de Renan na presidência do Senado, o STF tem se demonstrado bem alinhado com o golpe e com a grande maioria das medidas de exceção perpetradas pela Operação Lava Jato.
Na sua opinião, quais são as perspectivas para Frente Brasil Popular para 2017 e quais devem ser os principais enfrentamentos?
A Frente Brasil Popular tem grande potencial para se constituir num polo de unidade das forças democráticas, populares e socialistas do Brasil. Nesta perspectiva, a FBP reúne importantes setores da vanguarda, da esquerda social e política que têm o desafio de organizar uma eficiente defensiva estratégica. Ou seja, defender os direitos históricos da classe trabalhadora e garantir a continuidade das políticas sociais aplicadas pelos governos Lula e Dilma, acumulando forças para barrar as reformas neoliberais, derrubar o governo Temer e exigir eleições diretas já. Por outro lado, e ao mesmo tempo, a FBP tem o desafio de contribuir para o fortalecimento da esquerda brasileira. Não se trata de substituir as atuais organizações populares que foram construídas no calor da luta de classes. Trata-se de contribuir para a construção de uma nova estratégia dotada de um programa nacional, democrático e popular com capacidade de atrair amplos setores da sociedade para construção de um projeto popular para o Brasil. Outro grande desafio da Frente em 2017 é intensificar o vínculo das forças populares com a classe trabalhadora.
E para o conjunto da esquerda quais seriam os principais desafios?
O conjunto da esquerda brasileira, e não somente o PT, sofreu uma derrota estratégica. É verdade que o PT, enquanto principal instrumento da esquerda brasileira nos últimos 35 anos, tem mais responsabilidade pelos erros estratégicos cometidos. É preciso uma profunda e sincera autocrítica por parte da esquerda, particularmente o PT. É fundamental também a construção de uma nova estratégia que combine luta de massas com luta institucional e ideológica. Uma estratégia que dê centralidade à luta de massas e que não tenha a ilusão de que a via principal de construção do socialismo seja a disputa das instituições burguesas. Esta concepção estratégica acaba quase sempre se transformando num republicanismo ingênuo que secundariza a natureza de classe do poder burguês, como ficou demonstrado nos governos Lula e Dilma. Esta nova estratégia deve ser dotada de um programa democrático e popular que tem como ponto de partida um projeto nacional de desenvolvimento, combinado com reformas estruturais, sustentadas por uma força social de massas permanente mobilizada. Para viabilizar isso é preciso que a esquerda aprofunde seu vínculo com a classe trabalhadora.
Por fim, para esta nova estratégia deve levar em consideração que o pacto da chamada nova República foi rompido pelo golpe. O golpe de Estado sofrido pela presidenta Dilma e o estado de exceção em curso ferem de morte a democracia brasileira. As reformas neoliberais em curso, como a PEC 55, rasgam o avançado capítulo social da Constituição de 1988, além do sistema político que está falido e desmoralizado. Por isso, uma nova estratégia dotada de um novo projeto político exigirá uma nova institucionalidade que só poderá ser viabilizada por uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva.
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Imagem: Leidiano: “É preciso intensificar o vínculo das forças populares com a classe trabalhadora” / Reprodução