por Émilie B. Guérette*, em RioOnWatch
A Ocupação Luísa Mahin, situada no Bairro do Comércio em Salvador recebeu um mandado de desocupação apesar das negociações em andamento com o governo estadual da Bahia para cadastrar as 25 famílias ocupantes no programa de moradia popular Minha Casa Minha Vida. A ordem de reintegração de posse chegou no dia 29 de maio, dia que tinha sido combinado com o governo estadual para entregar os nomes e documentos de todas as famílias da ocupação para elas receberem apartamentos num conjunto habitacional na periferia de Salvador. Neste domingo, 3 de junho, houve um almoço solidário em apoio aos ocupantes, que reuniu dezenas de pessoas dentro da ocupação. O prazo de cinco dias úteis dado pelo Estado da Bahia para esvaziar o edifício vencerá amanhã, quinta-feira 7 de junho. Os ocupantes e apoiadores têm a intenção firme de continuar ocupando o prédio até eles receberem os seus apartamentos, mesmo que isso signifique resistir a uma intervenção policial.
A Ocupação
A Ocupação Luísa Mahin se situa num casarão colonial de quatro andares no centro histórico de Salvador. Liderada pelo MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, a ocupação existe desde 25 de setembro de 2016. O nome Luísa Mahin foi escolhido em homenagem a uma mulher africana que foi trazida ao Brasil como escrava e se tornou protagonista de vários levantamentos contra a escravidão na Bahia no século XIX, inclusive a famosa Revolta dos Malês. O edifício era sede de um CESOL (Centro Público de Economia Solidária), órgão público do Estado da Bahia, e ficou vazio durante dois anos antes que as famílias ocupassem. A maioria das 25 famílias que moram no local são lideradas por mulheres que trabalham no setor informal–comércio ambulante, artesanato, reciclagem de material, etc. O primeiro andar da ocupação é sede da Escola de Formação Popular Carlos Marighella, que oferece alfabetização para adultos, pré-vestibular comunitário e cursos de formação política.
O processo jurídico
Segundo Gregório Gould, membro da coordenação do MLB na Bahia, o processo de negociação entre o movimento e o governo estadual estava indo muito bem e nada indicava que haveria um mandado de desocupação. Pelo contrário, as duas partes tinham chegado a um acordo, no dia 27 de abril passado, segundo o qual as famílias seriam reassentadas no Conjunto Habitacional Margarida, do programa Minha Casa Minha Vida, num prazo de 90 dias. Segundo Gregório, o governo da Bahia entrou com o mandado de reintegração de posse em 2016, bem antes de entrar no processo de negociação com o MLB, mas os atrasos na Justiça fizeram com que ele só fosse efetivado agora, levando a esta situação contraditória. O problema é que neste momento, este mandado interfere diretamente com o processo de negociação entre os ocupantes e o Estado, já que juridicamente, o processo mais antigo sempre prevalece. Se o juiz não suspender a ação de reintegração de posse e os ocupantes forem de fato removidos do prédio esta semana, as 25 famílias serão jogadas na rua, até a entrega dos seus apartamentos do Minha Casa Minha Vida, prevista no mês de agosto, se não houver atrasos.
Este mandado chega num momento político desfavorável aos movimentos de moradia popular, caracterizado por uma onda de repressão das ocupações urbanas decorrente do desmoronamento do prédio Wilton Paes de Almeida em São Paulo. Por isso, apesar da esperança de que o juiz considere o processo de negociação em andamento com o Estado da Bahia e seja clemente suficiente para suspender o mandado até a entrega dos seus apartamentos do Minha Casa Minha Vida, os ocupantes estão em estado de alerta e insegurança. A ameaça de serem removidos à força a qualquer momento, sem ter para onde ir, é bem real e joga um balde de água fria no otimismo de quem achava que a situação estava quase resolvida.
Crise habitacional e centros urbanos
A Ocupação Luísa Mahin está localizada em pleno centro de Salvador, no bairro do Comércio, um dos símbolos da crise habitacional da capital soteropolitana. O Comércio, próximo ao Porto de Salvador na Cidade Baixa, contem muitos casarões antigos abandonados. Como muitos outros bairros centrais das metrópoles brasileiras, o Comércio sofreu uma falta de investimento desde os anos 1970, que levou hoje a um alto índice de desocupação nos prédios do bairro. A localização da ocupação foi escolhida pelo MLB justamente para chamar a atenção das autoridades públicas sobre a importância de investir em moradia popular nos bairros centrais, onde já existem prédios ociosos e infraestrutura necessária para acolher moradia. O déficit habitacional em Salvador é um dos mais gritantes do Brasil e poderia ser solucionado somente com investimentos em moradia popular nos espaços vazios dos bairros centrais. Porém, o jogo da especulação imobiliária e os interesses das empresas construtoras prevalecem nas políticas públicas, fazendo com que as populações de baixa renda sejam empurradas para conjuntos habitacionais na periferia da cidade e os bairros centrais continuam ociosos e degradados, alimentando o ciclo vicioso da insegurança, violência e má reputação destes locais.
Como diz Gregório Gould: “A cidade tem que servir a quem constrói ela, ao povo trabalhador”. Neste momento, porém, a lógica dominante é outra, privilegiando os interesses de quem tem, e deixando os mais pobres em situação de precariedade extrema–seja na área da moradia, saúde, educação, economia, e respeito aos direitos humanos.
*Cineasta e antropóloga canadense baseada no Rio de Janeiro. Ela dirigiu o longa metragem documentário O Outro Rio, inteiramente filmado na Ocupação IBGE na Mangueira durante as Olimpíadas de 2016. Junto com os colegas John Burdick e Rolf Malungo de Souza, faz parte da equipe da pesquisa etnográfica Luta Pela Moradia No Centro Da Cidade, que acompanha diversos projetos de moradia popular no Centro do Rio de Janeiro.