MS tem 1.351 hectares por político e apenas 1 hectare para cada Guarani Kaiowá

Levantamento inédito do De Olho nos Ruralistas aponta 78.386 hectares em terras nas mãos de 58 políticos; a maioria deles trabalha contra as demarcações de terras indígenas e os direitos dos povos tradicionais; site esmiúça a violência contra etnias do estado, como os Guarani Kaiowá

Por Luís Indriunas, no De Olho nos Ruralistas/MS

Um levantamento inédito do De Olho nos Ruralistas mostra que enquanto cada Guarani Kaiowá vive em média com 1 hectare de terra, no Mato Grosso do Sul, 58 políticos do estado, entre os que cumprem cargos eletivos e os eleitos para 2019, contam com 1.351 hectares para cada um em propriedades rurais.

A informação sobre os políticos – documentada em mapa, município por município – inaugura o projeto De Olho no Mato Grosso do Sul, concebido inicialmente como uma série, mas que passa a ser um site especial do De Olho nos Ruralistas.

-> O mapa com as terras dos políticos no estado pode ser visto aqui.

O observatório fez o levantamento a partir das declarações de bens dos políticos eleitos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas últimas três eleições (2014, 2016 e 2018) e do número de terras homologadas e registradas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para o povo Guarani Kaiowá.A média de 1 hectare por indígena não traduz toda a realidade do povo Guarani Kaiowá, confinado em reservas que não oferecem condições para a sobrevivência conforme sua cosmologia e suas tradições, ligadas diretamente à terra e ao ambiente. A situação dessa e de outras etnias no Mato Grosso do Sul configura um dos principais conflitos envolvendo povos indígenas na América Latina.

O levantamento do De Olho não inclui a quantidade de terras nas mãos de políticos sul-mato-grossenses que se declararam proprietários, mas não detalharam o tamanho de suas propriedades. É o caso do prefeito de Anastácio, Nildo Alves (PSDB), que declarou 11.442 cabeças de gado e 58 equinos. Ele possui sete fazendas, mas não especificou o tamanho delas. Ou seja, a quantidade de terras nas mãos de políticos no Mato Grosso do Sul é ainda maior.

Ao incluir os políticos que declararam imóveis rurais, mas não detalharam, e os que não declaram nenhum bem rural, o Mato Grosso do Sul soma 221 nomes entre novos eleitos e reeleitos. Da mesma forma, a razão continuaria mostrando desvantagem para os indígenas: seriam 355 hectares para cada político.

POLÍTICOS REPRESENTAM O AGRONEGÓCIO

Esses políticos com terra são senadores, deputados federais, deputados estaduais, prefeitos e vice-prefeitos que dominam a política local. A pesquisa não incluiu os vereadores. Além dos interesses particulares, esses políticos são amplamente financiados pelo agronegócio. Em 2014, entre empresas e pessoas físicas ligadas ao setor, apenas os políticos eleitos – entre eles os que não declaram ser proprietários rurais – receberam R$ 40 milhões.

O Mato Grosso do Sul tem a maior concentração de propriedades privadas rurais do país, representando  92% do seu território. E possui a segunda maior população indígena do Brasil, com 61 mil pessoas, sendo 46 mil Guarani Kaiowá. Entre os Kaiowá, 31 mil dividem-se entre os 46.331 hectares registrados e homologados. O restante está acampado à beira de estradas e ocupações.

Algumas terras indígenas, como a reserva de Dourados, na periferia do município, têm uma grande concentração de moradores. Lá vivem 11.1146 indígenas, 24% da população Guarani Kaiowá e 18% do total de indígenas no estado.

Outros 46 mil hectares de terras indígenas declaradas, que poderiam ajudar a tirar os indígenas das beiras das estradas, esperam por regularização. Mas várias delas, palco de retomadas e de violência, não passam de números no papel, à espera de decisões judiciais – enquanto os despejos com ou sem autorização da Justiça continuam sendo realizados.

Em Caarapó, um dos principais cenários de violência no estado, a Terra Indígena (TI) Guyraroká, de 11.440 hectares, teve o processo de demarcação paralisado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2014. A área é menor que os 12 mil hectares das 22 propriedades do prefeito de Costa Rica, Waldeli Rosa (MDB).

Na Terra Indígena Amambaipeguá, localizada nos municípios de Naviraí, Amambaí e Dourados, 87 propriedades incidem sobre os 55.600 hectares, teoricamente já demarcados, segundo a Funai. Foi por causa da ocupação dessas terras que fazendeiros atacaram indígenas e mataram o agente de saúde  Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 23 anos, em junho de 2016.

ELES ENRIQUECEM E COMPRAM TERRAS

A análise de bens dos políticos sul-mato-grossenses mostra que, à medida que vão ganhando eleições, eles adquirem mais terras e ampliam seu patrimônio. É o caso do governador reeleito Reinaldo Azambuja (PSDB) que viu sua fortuna praticamente dobrar em 12 anos. Em 2006, quando era candidato a deputado federal, Azambuja registrava R$ 20,22 milhões. Em 2018, já eram R$ 38, 7 milhões. Um aumento de 91,4%, segundo dados do TSE.

O patrimônio do tucano conta com 2,7 mil hectares de terra, além de uma dezena de bens como tratores, colheitadeira, pulverizador, um pesqueiro e 2.340 cabeças de boi.

Histórico aliciador de índios e inimigo das demarcações, o deputado estadual Zé Teixeira (DEM) viu sua fortuna crescer dez vezes em vinte anos: de R$ 1,46 milhão, em 1998, para R$ 14,5 milhões, em 2018. Ele possui 6.183 hectares no cone sul do estado, com pelo menos uma das fazendas incidindo sobre a própria TI Guyraroká. Ele será tema de outra reportagem especial do De Olho no Mato Grosso do Sul.

Eleito em outubro para seu sétimo mandato, Teixeira é um dos primeiros a defender proprietários de terras quando eles são acusados de violência – inclusive assassinatos – contra indígenas. Das suas terras já saíram tiros que mataram um bebê Guarani Kaiowá. Muito antes da retomada das terras pelos indígenas, em 2000, o grupo acampava na beira da estrada quando o bebê foi atingido por disparos, segundo o Ministério Público Federal (MPF).

A pressão dos políticos sul-mato-grossenses contra os índios ocorre também em Brasília. A presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Tereza Cristina (DEM-MS), anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) como a nova ministra da Agricultura, protocolou em agosto um pedido de suspensão da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, programa que tenta resolver as pendências sobre as demarcações de terras.

Ela é mais uma política com texto específico no De Olho no Mato Grosso do Sul: “Futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina trabalha para tirar direitos dos indígenas”. Tereza Cristina tem entre seus doadores mandantes de mortes  de índios e proprietários com incidência em terras indígenas. A deputada articulou, já no primeiro turno, o apoio da FPA ao capitão reformado.

Azambuja, Teixeira e Tereza estiveram entre os protagonistas do Leilão da Resistência, em 2013, quando políticos e fazendeiros do estado coletaram recursos para financiar suas demandas judiciais e contratar milícias armadas contra as ocupações. Desse leilão participou também o senador Waldemir Moka (MDB-MS). Ele não declarou bens rurais em 2010, mas recebeu R$ 2,8 milhões em doações de campanha, oriundas de empresas do agronegócio.

O Leilão da Resistência – recheado de discursos violentos contra os indígenas – teve a presença de ruralistas de outros estados, como a senadora e ex-ministra Kátia Abreu (PDT-TO), candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes (PDT), e o governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Moka não se reelegeu.

CASAL DEFENDE OS ALGOZES DOS INDÍGENAS

Entre os que lutam contra os interesses indígenas no Mato Grosso do Sul está a senadora Simone Tebet (MDB), proprietária de 860 hectares em Caarapó. Palco de tensões e conflitos permanentes com o povo Guarani Kaiowá, o município abrirá uma série especial dentro do De Olho nos Ruralistas: nela serão detalhados os conflitos agrários em cada município, com informações – mais uma vez detalhadas em mapas – sobre os maiores proprietários de terras, entre políticos, outros grandes fazendeiros e empresas agropecuárias.

A senadora tenta aprovar uma lei garantindo indenizações – além das benfeitorias, já previstas em lei – das terras nuas dos proprietários. Essa medida foi cogitada pelo governo Dilma Rousseff após a morte do agente de saúde Clodiodi Aquileu de Souza. Ele foi assassinado em uma emboscada de fazendeiros que atacaram ocupação próxima da aldeia Te´Yikuê. As negociações pararam, pois os proprietários queriam valores muito maiores que os propostos.

Simone Tebet quer ainda mudar o Estatuto do Índio, proibindo qualquer ato destinado à demarcação de terra indígena se houver conflito nas terras ocupadas. Ou seja, qualquer ataque aos indígenas pode parar as demarcações. Ela defende também o cumprimento imediato das reintegrações de posse em áreas que ainda não têm estudo antropológico. Simone é cotada para ser a próxima presidente do Senado.

O marido da senadora, o deputado estadual Eduardo Rocha (MDB), se solidariza com os ruralistas em casos como o de Clodiodi. Ele participou da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que queria criminalizar a instituição que trabalha para denunciar a violência sofrida por grupos indígenas pelo país. O relatório acabou sendo arquivado pela Justiça. Rocha volta à Assembleia, em 2019, para mais um mandato.

A CPI do Cimi mostrou que os políticos latifundiários ou ligados ao agronegócio do estado usam de qualquer subterfúgio para tentar calar as reivindicações dos povos indígenas na região e isentar seu grupo de qualquer responsabilidade em atos de violência. Uma das conclusões da comissão foi a de que não houve falhas do poder público ao longo dos últimos anos, isentando o Estado pelas omissões.

A deputada estadual Mara Caseiro (PSDB), proprietária de 682 hectares de terra em Eldorado, próximo da fronteira com o Paraguai, chegou a convocar um falso cacique para testemunhar contra o Cimi. Ela também insiste na tese de que os indígenas são apenas manipulados, não tendo voz própria para decidir e lutar por seus direitos. Mara subiu na tribuna da Assembleia para defender os fazendeiros, em 2016, e não os acusados de matar Clodiodi.

A deputada administrou o município de Eldorado entre 2001 e 2008. Lá fica a reserva Cerrito, dos Guarani Ñandeva, local demarcado que sofre forte pressão dos fazendeiros. Por irregularidades em sua administração, Mara foi condenada à cassação dos direitos políticos e ao ressarcimento do dinheiro público por participar da Máfia das Ambulâncias, nome dado a um esquema de desvio de recursos da saúde. Ela não conseguiu ser reeleita.

Colega de Mara na CPI, Paulo Corrêa (PSDB) se reelegeu. Ele se destacou com uma participação inflamada e sensacionalista na CPI do Cimi, chegando a questionar um cacique Terena sobre o que ele fazia numa assembleia do próprio povo. Em outro momento, ele ameaçou processar a liderança indígena Sonia Guajajara, candidata pelo PSOL à Vice-Presidência em outubro, na chapa de Guilherme Boulos. Motivo: a campanha internacional – diante da violência contra as etnias – de boicote à carne sul-mato-grossense.

O deputado federal reeleito Dagoberto Nogueira (PDT), membro da bancada ruralista, é dono de 2.249 hectares em Miranda. Ele tem uma proposta inusitada para resolver o problema dos índios: a criação de cassinos em terras indígenas.

SUPLENTES TAMBÉM SÃO FAZENDEIROS

Entre os novos senadores eleitos estão Nelson Trad (PTB), outro político que participou do Leilão da Resistência, em 2013. Trad não declara bens rurais, mas seu primeiro suplente José Chagas (Avante) é proprietário de 1.075 hectares, concentrados nos municípios de Naviraí e Amambaí. Ele é dono de uma rede de supermercados em Naviraí.

O caso da senadora eleita Soraya Thronicke (PSL), eleita na onda de apoio a Jair Bolsonaro, é similar. Ela também não tem bens rurais. Seu primeiro suplente, Rodolfo Oliveira Nogueira (PSL), é pecuarista com 750 hectares de terras em Bela Vista. Soraya denunciou o suplente à Polícia Civil por ameaça. Ela passou a usar colete à prova de bala e quer que ele se torne inelegível.

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