Atingidos por rejeitos convidam Vale e Cetesb para ‘caranguejada contaminada’

Desafio foi feito em audiência pública sobre os riscos do buraco maior que o Maracanã, aberto no mangue, e que está recebendo sedimentos tóxicos. Obra que beneficia empresas tem aval do governo de SP

por Cida de Oliveira, da RBA

Moradores da Vila dos Pescadores, em Cubatão, atingidos pela Cava Subaquática e ambientalistas desafiaram gestores da VLI – empresa de logística controlada pela mineradora Vale –, da Usiminas e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) a saborear uma “caranguejada contaminada”. O convite inusitado foi feito nesta terça-feira (26), em audiência pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de São Paulo. A comissão é presidida pelo deputado Roberto Trípoli (PV).

A cava é um buraco maior que o Maracanã, com quase 500 metros de diâmetro e 25 metros de profundidade, aberto no canal Piaçaguera, em pleno mangue, a menos de um quilômetro da Vila dos Pescadores, para acondicionar sedimentos contaminados dragados em obra de ampliação de um terminal privado no Porto de Santos.

É como se o mangue, local usado por peixes e crustáceos durante a fase de reprodução, fosse um imenso tapete. E debaixo dele estivessem sendo escondidas milhares de toneladas de lodo e areia contaminada com produtos químicos, entre eles metais tóxicos, potenciais causadores de câncer e outras doenças graves. 

“Já que é tudo tão limpo, protegido, conforme os estudos de vocês que até hoje a gente não conseguiu ter acesso, vamos lá comer uma caranguejada com os pescadores. Vamos lá, VLI, Cetesb, gestores, alto escalão. A gente que é ser humano continua sendo bicho, que para viver precisa de água limpa, ar puro e alimentos sem contaminação”, disse Cíntia do Prado, integrante do movimento contra a cava subaquática Cava é Cova.

De interesse da VLI, empresa de logística controlada pela mineradora Vale e da Usiminas, que adquiriu a antiga Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), a obra tem autorização da Cetesb.  

Durante toda a audiência pública, que contou com a presença de representantes da VLI e da Usiminas, os representantes da companhia ambiental ligada à Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo se empenharam em tentar convencer moradores, ativistas e parlamentares de que o “empreendimento é seguro”.

Diretor de Avaliação de Impacto Ambiental da Cetesb, Domenico Tremaroli afirmou haver mais de 50 mil dados de monitoramento que endossam o licenciamento e o reconhecimento, pela Companhia, “de que a cava é a solução para a problemática da dragagem daquela região”. Outras duas cavas estão previstas no licenciamento ambiental – o que não significa que serão abertas, segundo ele.

“Todas as mais de 50 mil amostras são creditadas junto ao Inmetro, que têm de ter inclusive contraprovas. O processo da cava passou por avaliação impecável, com trinta técnicos debruçados nesse licenciamento. Podemos reconhecer muitas outras técnicas que podem ser desenvolvidas, mas em licenciamento isso não acontece. Não posso retroagir para algo que me apresentam hoje. Talvez em um novo licenciamento de cavas tudo isso venha à tona novamente. Não podemos deixar de reconhecer outras técnicas, outras possibilidades. Mas esse é um projeto começado em 2004″, disse o diretor, em resposta a questionamento do deputado Raul Marcelo (Psol) sobre um possível “plano B” em caso de a Justiça interromper os trabalho na cava.

Há uma ação de tutela cautelar no Ministério Público Federal e estadual questionando o licenciamento. E uma ação popular contra a Companhia, que pede o cancelamento do lançamento de sedimentos tóxicos na cava. 

O deputado Luiz Fernando Teixeira (PT), que fez duras críticas à Cetesb – “que não o representa” –, afirmou que já está coletando assinaturas necessárias para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a maneira pela qual se deu a autorização para a cava de Cubatão.

“Quando vemos a participação dos senhores, que representam as empresas, dando justificativas quanto a riscos, lembro que no caso de Mariana e de Brumadinho, os empreendedores também davam tudo como seguro, mas há quem diga que a cava é o que se tem de mais barato. É essa a lógica que infelizmente o órgão de licenciamento do estado de São Paulo ainda embarca, sem a menor preocupação por termos hoje um estado com meio ambiente degradado, uma cidade como Cubatão, que foi dizimada graças à Cetesb. Mesmo que paguem indenizações, como fica o meio ambiente?”, questiona o parlamentar.

Assista reportagem da TVT:

Imagem: Cava subaquática (canto inferior esquerdo) acondiciona sedimentos tóxicos dragados de um dos canais do porto de Santos (Reprodução/TVT)

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