Trabalho escravo, violência e regularização fraudulenta são cometidos por quadrilhas, com apoio de órgãos públicos
Redação Brasil de Fato
O desmatamento da Amazônia é resultado de uma série de crimes cometidos por grileiros. A constatação vem de investigação da força-tarefa Amazônia, do Ministério Público Federal (MPF), trazida em reportagem do jornal O Estado de SP.
“Não vou ignorar que existe sim o desmatamento da pobreza, que é para fins de subsistência, mas o que realmente dá volume, o desmatamento de grandes proporções, que é o objeto de preocupação, é outro. No sul do Amazonas vimos cortes de 200, 500, 1 mil hectares (cada hectare equivale a cerca de um campo de futebol) de uma só vez. E isso quem faz é o fazendeiro já com rebanho considerável que quer expandir para uma área que não é dele. É o grileiro que invade uma terra pública. Não tem nada a ver com pobreza”, disse o procurador Joel Bogo, no Amazonas, ao jornal.
Alto custo
De acordo com o procurador, o custo para fazer um desmatamento varia entre R$ 800 e R$ 2 mil por hectare. “Depende das condições. Se tem muitas motosserras, por exemplo, ou se usa correntão. Um trator esteira, para abrir os ramais (estradas), custa centenas de milhares de reais. Em um desmate no Acre de 180 hectares, o Ibama encontrou 35 pessoas trabalhando ao mesmo tempo. Em condições análogas à escravidão”, relata ao jornal.
Bogo afirma ainda que há um investimento de até R$ 2 milhões para conseguir uma regularização e utilizado mecanismos como o Cadastro Ambiental Rural para regularização fundiária. “Fazendeiros colocam as propriedades em nomes de ‘laranjas’, fazem processo de regularização fraudulenta, com alguma conivência de órgãos públicos. Ou seja, é uma estrutura muito sofisticada, desde a contratação de um profissional de georreferenciamento, até compra de 10, 20, 30 motosserras de uma vez. Só uma ação organizada poderia levar a cabo a prática desses crimes”, disse Bogo.
De tão escandalosa a ação e, provavelmente, temendo retaliações comerciais do mercado externo, um manifesto foi entregue ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) pedindo que o governo combata o desmatamento e as queimadas foi entregue por representantes do agronegócio, de entidades em defesa do meio ambiente, da academia e do setor financeiro.
Crime organizado
As queimadas e desmatamentos são parte de um conjunto volumoso de crimes. Os relatos constam de um ano de investigações da Força-Tarefa Amazônia, criada em agosto de 2018 e que conta hoje com 15 procuradores da República dos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Rondônia.
Em um ano, a força-tarefa realizou seis operações que resultaram em ações penais ajuizadas. Só no Amazonas, 33 pessoas foram denunciadas criminalmente. Em 12 meses, foram identificados 3.180 hectares desmatados, ou o equivalente a 4.453 campos de futebol. Também foi revelado, nesse trabalho de investigação, como o desmatamento da Amazônia ocorre por grupos organizados, com altos investimentos e uma série de apoios locais.
Alguns dos casos investigados pela força-tarefa envolvem somas vultuosas para a concretização de variados crimes ambientais. Um dos relatos publicados refere-se à denúncia de uma família envolvida na extração ilegal de ouro ao longo de quase 10 anos no Amapá. A Polícia Federal estima que o grupo tenha lucrado cerca de R$ 19 milhões. Em outro caso, de extração de madeira na terra indígena Karipuna, em Rondônia, calcula-se um dano ambiental superior a R$ 22 milhões.
Segundo laudo da Polícia Federal nove pessoas e duas empresas foram denunciadas por invadir e lotear a terra indígena, sob a falsa promessa de regularização da área. A operação descreve que o desmate no local saltou de 1.195,34 hectares (de 2016 a 2017) para 4.191,37 hectares no ano seguinte.
Em outra operação – a Floresta Virtual – de extração ilegal de madeira na mesma região, citada pelo Estado, várias madeireiras investigadas teriam vínculos entre si na organização do crime. Somente uma delas é acusada de acobertar madeiras de origem ilegal no valor superior a R$ 12 milhões.
O procurador cita também a Operação Ojuara, como uma das mais emblemáticas, na qual o MPF denunciou 22 pessoas por corrupção, constituição de milícia privada, divulgação de informações sigilosas, lavagem de dinheiro e associação criminosa, em um processo que ocorria há anos no Acre e no Amazonas.
Segundo a publicação, para a realização do desmatamento e a grilagem (apropriação de terra pública e falsificação de documentos para, ilegalmente, tomar posse dessa terra), alguns fazendeiros contavam com apoio de órgãos públicos. Segundo Bogo, tratava-se de grupo organizado. “Havia toda uma divisão de tarefas que leva à conclusão de que se tratava de crime feito de modo organizado”, disse ao jornal.
Outra vertente do desmatamento é a especulação imobiliária. “Com floresta em pé, a terra vale pouco. O que valoriza é a derrubada. Área pronta para pasto é muito mais cara”, resume Bogo à reportagem.
Edição: Daniela Stefano
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Área desmatada em Novo Progresso, no Pará (foto: Vinícius Mendonça /Ibama