Em nota pública, MPF critica projeto de lei que permite mineração em terras indígenas

Projeto apresentado pelo Governo Federal nessa quinta (6) tramita na Câmara dos Deputados.

Em nota pública divulgada nesta sexta-feira (7), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) manifesta preocupação com as consequências do Projeto de Lei n. 191/2020, que regulamenta pequisa e lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos em terras indígenas, além do aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica. A Câmara alerta que a aprovação do projeto pode levar à “destruição de importantes áreas hoje ambientalmente protegidas, assim como a desestruturação ou desaparecimento físico de diversos povos indígenas, especialmente aqueles localizados na região Amazônica”.

O texto ressalta que, em contexto de alta transgressão dos direitos indígenas no Brasil, há o risco de se legitimar ações de violação a direitos previstos na Constituição. “A incapacidade de fiscalização do Estado não pode ser legitimada pelo discurso do governo federal de legalização dessa atividade e a de outras atividades econômicas”, diz o MPF.

A Câmara também alerta para o processo de desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos órgãos de fiscalização ambiental. “É no mínimo temerário que esse debate seja trazido a público sem que as estruturas de fiscalização do Estado, em especial as que cabem ao órgão indigenista oficial, a Funai, estejam em pleno funcionamento”. Outro problema apontado é a ofensa ao direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada sobre medidas capazes de afetá-los, prevista na Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Veja a íntegra da nota pública:

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NOTA PÚBLICA

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais), ao tomar conhecimento da apresentação, pelo Poder Executivo, do Projeto de Lei nº 191/2020, que trata da regulamentação da pesquisa e lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para a geração de energia elétrica em terras indígenas, manifesta preocupação com as consequências práticas dessa proposição. 

Cumpre destacar a complexidade e relevância da matéria, a qual pode, se conduzida com açodamento, levar à destruição de importantes áreas hoje ambientalmente protegidas, assim como a desestruturação ou desaparecimento físico de diversos povos indígenas, especialmente aqueles localizados na região Amazônica.

É muito delicado debater mineração em terra indígena em um contexto de alta transgressão dos direitos indígenas no Brasil, porque corre-se o risco de legitimar ações presentes de violações desses direitos. Mais da metade da população Yanomami está contaminada por mercúrio oriundo do garimpo ilegal de ouro.

Esse debate é pertinente, mas não o é de maneira nenhuma para legitimar essas invasões ilegais. A incapacidade de fiscalização do Estado não pode ser legitimada pelo discurso do governo federal de legalização dessa atividade e a de outras atividades econômicas. Preocupação semelhante foi manifestada pelo deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, em novembro passado, conforme divulgado pela imprensa:

“Recebo e arquivo, recebo e arquivo. A gente não pode usar o argumento de que está tendo mineração ilegal para liberar. Vamos acabar com mineração ilegal, com garimpo ilegal. Coibir atos ilícitos. Primeiro, o governo cumpre seu papel de fiscal, de coibir o ilegal, o desmatamento, os garimpos. Depois disso, vamos discutir em que condições pode-se avançar”.

Importa destacar que desde então não houve mudança substancial na situação da mineração e garimpo ilegal em terras indígenas. O Ministério Público Federal tem recorrido ao Poder Judiciário para proteger as terras indígenas e o patrimônio nacional, como no caso da Terra Indígena Yanomami e da Terra Indígena Vale do Javari.

Cumpre à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão alertar que sua apresentação já constituiu ofensa ao direito dos povos indígenas à consulta “cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”, posto a ausência de diálogo do Poder Executivo com os legítimos representantes das comunidades indígenas.

Interesses econômicos sobre as terras públicas e seus recursos que constituem patrimônio da União, no caso das Terras Indígenas com usufruto exclusivo dos povos indígenas, devem observar o estrito limite da lei. É no mínimo temerário que esse debate seja trazido a público sem que as estruturas de fiscalização do Estado, em especial as que cabem ao órgão indigenista oficial, a FUNAI, estejam em pleno funcionamento. É público e notório o processo de desestruturação da FUNAI e dos órgãos de fiscalização ambiental.

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão acompanhará o debate acerca do Projeto de Lei nº 191/2020 e atuará para garantir os direitos legais e constitucionais indígenas conforme sua missão constitucional, e continuará cobrando cumprimento do dever legal da FUNAI e dos órgãos do governo no que diz respeito à fiscalização das terras indígenas.

6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal
Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais

Brasília, 7 de fevereiro de 2020

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A posição vem sendo defendida pela 6ª Câmara em reiteradas ocasiões. Em setembro do ano passado, em audiência pública no Congresso Nacional, o coordenador da 6CCR, o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Bigonha, alertou para os riscos da mineração em terras indígenas. Veja o vídeo:

http://tvmpf.mpf.mp.br/videos/4055/retrieve?format=240p


Acesse a íntegra da audiência pública, que contou com a presença de representantes de órgãos públicos e comunidades indígenas AQUI

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República

ATL 2015. Márcio Kaingang e a Constituição de 1988, até hoje (e cada vez mais) desrespeitada. Foto: Fábio Nascimento /MNI

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