O Estado brasileiro está em déficit com os povos indígenas, diz cacique Xukuru de PE

Marcos Xukuru, cacique no município pernambucano de Pesqueira, elenca lutas prioritárias dos indígenas no estado

Júlia Vasconcelos e Lucila Bezerra, Brasil de Fato 

Durante o mês de abril, etnias indígenas de todo o país participam de uma jornada de ações e mobilização conhecida como “Abril Indígena“. A programação inclui discussões sobre saúde indígena, demarcação de terras e o fim dos conflitos com o agronegócio e a mineração.

Para entender quais são as lutas de indígenas em Pernambuco, o Brasil de Fato PE conversou com Marcos Xukuru, cacique do povo Xukuru do Ororubá, nação indígena que reúne, em suas 24 aldeias, cerca de 20 mil habitantes do município de Pesqueira.

Marcos Luidson de Araújo, 42 anos, é filho das lideranças indígenas Zenilda e do cacique Chicão. Marcos assumiu o posto de cacique aos 25 anos, em 2003, cinco anos após o assassinato do pai, morto a tiros em 1998.

Em 2020, Marcos Xukuru disputou e venceu a eleição à prefeitura de Pesqueira contra a então prefeita Maria José, com 51,6% dos votos, mas a Justiça Eleitoral ainda não permitiu sua posse.

Pesqueira tem 68 mil habitantes e fica na região Agreste do estado. A cidade tem cerca de 15% de sua população formada por indígenas da etnia Xukuru, a maioria vivendo em aldeias na zona rural.

Em 2015, o cacique Marcos Xukuru foi condenado, sem provas, por um incêndio na cidade. A defesa do prefeito eleito alega, contudo, que Lei da Ficha Limpa não inclui situações do tipo. O processo aguarda decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que coordena o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Confira a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Para você, o que representa ser indígena no Brasil de 2021?

Cacique Marcos: É um momento de muita luta. Os povos indígenas historicamente sempre tiveram pautas importantes, lutas travadas pela questão territorial. Hoje, podemos dizer que não temos muito o que comemorar.

Nossa existência sempre foi trabalhando uma perspectiva de melhoria da qualidade de vida e fazendo com que o Estado brasileiro cumpra o seu papel institucional, que é a demarcação das terras indígenas, a proteção desses territórios e garantindo aos nossos povos vida digna dentro desses espaços físicos.

Ou seja, que tenhamos além do espaço recuperado, demarcado, homologado, as políticas públicas chegando de tal maneira e atendendo as necessidades dentro das especificidades que a própria Constituição nos garante enquanto indígena nesse país. 

O dia 19 de abril é considerado o dia de luta indígena, e o mês como um todo é voltado para a saúde dos povos originários. Para você, qual a importância de dar destaque para essas datas e trazer o foco para as condições de vida dos povos indígenas?

Pra gente, o dia 19 é um dia comum. Nós temos um mês inteiro que o movimento indígena estabeleceu como o “Abril Indígena”, que é o mês onde temos oportunidade de dar maior visibilidade às lutas, às pautas do movimento.

Esse é o momento da gente dar destaque a essas violações que são cometidas pelo Estado brasileiro; à esse retrocesso que o Estado e o governo tentam por todas as vias, dentro de um processo de paralisação das demarcações das terras indígenas.

O estado de Pernambuco é um pouco mais tranquilo. Somos 55 mil indígenas e temos estabelecido uma organização forte. Nós temos tido avanços importantes, mas isso não é a realidade do país como um todo.

Por isso, construímos medidas propositivas no Congresso Nacional que tratam da demarcação das terras indígenas, do avanço do agronegócio e do desmatamento. São pautas importantes que o movimento indígena tenta trazer para o cenário nacional.

Existem 896.917 indígenas no Brasil, mas apenas 517.383 viviam em terras indígenas e os outros 379.534 habitam territórios não-demarcados, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Após 521 anos de invasão dos territórios indígenas, como você observa essa situação atual da ausência de demarcação?

É uma violência tamanha. Mesmo passado mais de 500 anos, nós ainda lutamos para que o Estado brasileiro consiga regularizar [nossos territórios]. Já passamos quase 30 anos da promulgação da Constituição, e até agora o Estado brasileiro tem esse déficit com os povos indígenas. 

A violência é crescente, porque na medida em que não se demarca, os povos indígenas precisam ocupar esses espaços. Então, com as retomadas, reconquistas e lutas travadas, ocorrem assassinatos e um processo de criminalização contra as lideranças.

É muito difícil, mas isso não significa dizer que o movimento está paralisado. O movimento está ativo, pautando isso incessantemente no Congresso Nacional, nos estados e onde mais temos inserção. Buscamos essas mobilizações para garantir que tenhamos condições de êxito nessa grande luta dos povos indígenas. 

Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de 52 mil indígenas foram infectados com a covid-19 e mais de 1 mil faleceram em decorrência da doença, que atingiu 163 povos. Como você analisa as ações de combate à pandemia para os povos originários, bem como a sua vacinação?

Nós tivemos diversos problemas com a pandemia. Evidentemente, nós temos uma extensão territorial que diferencia. Isso varia de estado para estado e de gestor para gestor.

Aqui em Pernambuco, nós tivemos uma tranquilidade maior nesse aspecto, porque, de forma imediata, as lideranças indígenas se mobilizaram. Nós tivemos barreiras sanitárias, fizemos internamente, em parceria com o distrito [sanitário], distribuição de máscaras e álcool gel; ou seja, nós conseguimos dar uma resposta dentro daquilo que era possível naquele momento.

Em Xukuru, por exemplo, nós fizemos uma casa de apoio, recolhendo aqueles parentes nossos que foram contaminados; demos um tratamento especializado. Conseguimos fazer com que 95% da população do território Xukuru fosse imunizada.

Estamos quase encerrando o esquema completo dos demais, porque precisamos esperar autorização para fazer o processo de imunização nas gestantes e nas mães que estavam amamentando.

Nós vamos fechar rapidamente, se Deus quiser, 100% daquilo que está estabelecido pela Organização Mundial de Saúde.

Qual o contexto de luta dos indígenas em Pernambuco? Quais têm sido as principais pautas e conquistas?

Em Pernambuco, nós temos uma organização muito forte. Um dos avanços foi na educação escolar indígena. No estado, temos a Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco (COPIPE). Aqui, nossa educação é estadualizada e, enquanto liderança e organização sócio-política, assumimos a responsabilidade de uma gestão compartilhada. Muitos professores têm implantado uma educação específica diferenciada.

Na saúde, nós não tínhamos médicos dentro do território, não tínhamos enfermeiros, não tínhamos absolutamente nada. Era muito difícil a situação. Hoje estamos em uma situação bastante avançada nesse aspecto. Conseguimos garantir e ter uma participação ativa dentro dos conselhos, que são criados e estabelecidos para a discussão da política de saúde.

Nós temos também um grande avanço na questão da demarcação das terras indígenas, porém ainda temos alguns povos que continuam na luta incessante pelo seu reconhecimento.

A grande dificuldade que nós temos encontrado nesse governo é a paralisação das demarcações, além de uma perspectiva de retrocesso de direitos. Por isso, a grande luta é a busca para um cenário mais nacional, que envolve não só os povos de Pernambuco, mas os povos indígenas do Brasil. 

Em 2020, você disputou e venceu a eleição à prefeitura contra a candidata Maria José, com 51,6% dos votos, mas a Justiça eleitoral ainda não permitiu sua posse. Como está o andamento do processo?

Nós ganhamos aqui em Pesqueira, e nossos adversários entraram com um pedido de impugnação de reajuste de candidatura. Eles recorreram ao Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Lá, tivemos uma disputa apertadíssima, e perdemos de 3 a 4.

Recorremos ao Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, e estamos no aguardo da decisão.

Porém, uma decisão monocrática do ministro Nunes Marques, atendendo a um pedido feito pelo PDT para discutir a melhor o tempo de inelegibilidade na Lei da Ficha Limpa, suspendeu os processos sobre o tema.

Então, ouve a suspensão do nosso julgamento. Dependendo da decisão que for tomada no STF (Supremo Tribunal Federal), automaticamente estaria eliminado o nosso processo.

Enquanto isso, aqui em Pesqueira, o nosso plano de governo está sendo tocado pelo prefeito interino, que faz parte do nosso grupo.

Edição: Vanessa Gonzaga e Poliana Dallabrida

Imagem: Marcos Luidson, o “Cacique Marquinhos” (em primeiro plano), lidera o povo Xukuru da Serra do Ororubá, em Pesqueira – Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

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