População quilombola sofre ameaças e intimidações ao se manifestar contra mineradoras
Lucas Wilker, Brasil de Fato
Movimentos populares e organizações sociais de Serro, município localizado na região Central de Minas Gerais, se organizam mais uma vez para manifestar, nesta quarta-feira (11), contra o Projeto Serro, da empresa Herculano Mineração.
Na data, desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) da 6ª Região darão um veredito sobre a legalidade do processo de licenciamento ambiental apresentado pela mineradora.
Em agosto de 2022, após ações civis públicas feitas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pelo Instituto Guaicuy – entidade com atuação dedicada à defesa do meio ambiente e à luta por direitos das comunidades atingidas por barragens –, a Justiça mineira determinou o cancelamento de audiência pública para apresentação do estudo de impacto ambiental (EIA), do Projeto Serro.
Essa decisão paralisou o processo de licenciamento ambiental do empreendimento devido a ilegalidades cometidas pela empresa.
No entanto, alguns meses depois, a Herculano conseguiu, junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), reverter as decisões para realizar a audiência pública e chegou a convocá-la novamente. Mas em 17 de abril de 2023, a Justiça federal paralisou, de novo, o processo da mineradora.
Resistência
Integrante do Movimento Popular pela Soberania na Mineração (MAM), Juliana Deprá reitera que a batalha contra as mineradoras é antiga, pois, desde 2007, empresas tentam se instalar na cidade. “Primeiro foi MMX Mineração, depois a Anglo American. A partir de 2014 foi construída uma resistência que culminou em algumas vitórias”, relembra.
Em 2018, depois das pressões populares, a Anglo American vendeu o Projeto Serro para a mineradora Herculano. A nova empresa demanda as autoridades públicas, mas ainda encontra forte resistência dos moradores.
Juliana explica que a empresa, desde então, tenta obter apoio popular, promovendo atividades culturais, firmando convênios e parcerias com o poder público local. De acordo com a integrante do MAM, a mineradora também tem realizado ações de divisão da comunidade e provocado conflitos entre os moradores.
“Estão construindo uma série de ações para conseguir avançar com seu projeto, para conseguir apoio da população serrana. Mas a gente tem resistido sistematicamente a essas investidas”, relata.
A Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais N’Golo afirma que a comunidade quilombola de Queimadas, situada a menos de dois quilômetros da área pretendida pela empresa, ainda não teve o direito à consulta livre, prévia e informada, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Para Juliana, se os desembargadores aprovarem o licenciamento ambiental da Herculano, sem a comunidade ser ouvida, legitimará que outras mineradoras, que avançam sobre os territórios tradicionais, façam o mesmo.
“Isso pode abrir espaço para o fim da comunidade quilombola de Queimadas e pode impactar diversos outros quilombos de Minas Gerais que vivem a mesma realidade, sendo ameaçados pela chegada de empreendimentos minerais”, alerta.
Responsabilidade da empresa
Matheus Mendonça, advogado da Federação N’golo, entende que a Herculano Minerações precisa apresentar quais são os impactos que a mineração pode causar no modo de vida da comunidade.
“Nos estudos ambientais que foram apresentados até o presente momento, a comunidade quilombola de Queimadas é simplesmente ignorada. Não se tem nenhuma preocupação em saber dos impactos na vida dessas pessoas”, analisa.
Para ele, essa é uma consequência do racismo, porque se trata de uma comunidade negra, camponesa, que vive da agricultura familiar, da produção de queijo, milho e feijão.
Um morador da comunidade de Queimadas, integrante da N’golo – que preferiu não ser identificado nesta reportagem – expressa sua angústia diante de todas as investidas feitas pelas mineradoras. “Não queremos abrir mão do direito de viver bem, em nossa comunidade, de continuar compartilhando o carinho com nossas famílias em nosso território”, afirma.
Ele também olha para o futuro com insegurança, já que a cidade reserva um lugar cheio de potencialidades que estão ameaçadas, como o turismo de base comunitária. “Eles querem colocar para gente um capitalismo que vem para devastar a nossa região, assim como devastou Mariana, Brumadinho, e tem devastado Conceição do Mato Dentro e Itabira”, argumenta.
Interesses econômicos
Apesar do imbróglio na Justiça, o Projeto Serro parece encontrar brechas para se instaurar, aos poucos, na cidade. Uma reportagem do Brasil de Fato MG mostrou que moradores da comunidade quilombola de Queimadas perceberam que o desmatamento de parte significativa da mata do território, em obra feita pelas mineradoras com aval da prefeitura, beneficiaria uma estrada que dá acesso a terrenos estratégicos das mineradoras Herculano, Anglo American e Onix.
Uma decisão da Comarca do Serro suspendeu a autorização ambiental conseguida pela prefeitura da cidade no dia 19 de maio deste ano, com a alegação de que a obra seria parte do projeto da Mineração Conemp Ltda., de propriedade da Herculano. No dia 18 junho, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), José Arthur de Carvalho Pereira Filho, revogou a decisão e autorizou que as obras continuassem.
A Federação N’golo considera essa medida como “cínica”, porque tanto o Estudo de Impacto Ambiental como o Relatório de Impacto Ambiental da Herculano apontam que as obras de alargamento da estrada seriam para criação da infraestrutura necessária para o escoamento de minério, que faz parte do Projeto Serro.
Essa obra, porém, só poderia ser feita após a concessão da licença ambiental. “É uma decisão cínica, porque mostra bem como a Justiça estadual é conivente e subserviente, e diria corrupta, com os interesses das empresas mineradoras do estado”, aponta Matheus Mendonça.
Moradores vivem com intimidações
Segundo o Movimento pelas Águas do Serro e o Movimento Popular pela Soberania na Mineração (MAM), a população de Queimadas tem sofrido constantes ameaças e intimidações de apoiadores e de funcionários da empresa.
Em abril deste ano, a comunidade quilombola teve uma reunião invadida por membros ligados às mineradoras e do poder público. Na ocasião, a comunidade fazia uma reunião com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que apresentaria à população um relatório preliminar sobre os impactos do empreendimento minerário.
No entanto, os invasores interromperam a atividade afirmando que nenhuma reunião poderia ser feita no local sem a presença deles. Quem liderou a invasão, segundo o advogado Matheus Mendonça, foram a advogada da empresa Herculano e o presidente da Câmara de Vereadores da cidade.
“Somos taxados como pessoas que querem atrapalhar o progresso. Mas que progresso é esse? A quem esse progresso vai servir?”, questiona o morador de Queimadas ao Brasil de Fato MG.
No dia 24 de outubro, outro julgamento acontece, desta vez para avaliar o Projeto Céu Aberto, da mineradora Ônix.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a mineradora Herculano para comentar o caso, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Larissa Costa
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Foto: Tiago Geisler