“Nenhuma família sem casa,
nenhum camponês sem terra,
nenhum trabalhador sem direito!”
(Papa Francisco)
No último final de semana, acompanhamos estarrecidos as inúmeras notícias de violências contra comunidades no campo brasileiro. Desde o dia 27 de outubro, foi possível identificar pelo menos cinco assassinatos ocorridos nos estados do Maranhão, Pará, Pernambuco e Paraíba, em áreas que enfrentam conflitos agrários.
Diante de tamanha crueldade e recrudescimento da violência, colocamo-nos em alerta e unidos aos empobrecidos da terra. Não podemos mais tolerar a impunidade diante de tantos assassinatos e atos de violência, relacionada a questões estruturantes da atuação do Estado diante da realidade agrária brasileira.
No Maranhão, o estado mais violento contra os povos quilombolas em todo o Brasil, no último final de semana, três trabalhadores rurais residentes no Território da Travessia do Mirador foram detidos por policiais do Batalhão Florestal, acusados injustamente por crimes ambientais enquanto estavam trabalhando em suas roças, além de uma suposta “resistência”, quando na verdade estavam de posse de suas ferramentas de trabalho de uso comum.
Por outro lado, a atuação de milícias rurais a mando de fazendeiros tem se intensificado no estado. Na sexta-feira (10), um grupo com 10 milicianos invadiu o Povoado São Francisco, localizado em Barra do Corda, sem ordem judicial em uma operação ilegal e criminosa, resultando na morte de um deles. Outros dois milicianos foram baleados e socorridos, enquanto outros sete foram resgatados por policiais e presos em flagrante. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, dos dez integrantes do grupo, nove são policiais militares e um penal.
No Pará, conforme notícias amplamente veiculadas, o indígena Agnaldo da Silva, da etnia Turiwara, foi brutalmente assassinado e outros dois indígenas ficaram feridos por seguranças privados da empresa Agropalma, quando se dirigiam para a floresta em busca de alimentos. No Vale do Acará, no nordeste paraense, há um histórico de conflitos agrários e violências praticadas pelas empresas Agropalma e Brasil Bio Fuels (BBF), que utilizam segurança privada para impedir o acesso de comunidades indígenas e quilombolas. A omissão do Estado frente aos crimes gera um cenário de perpetuação da violência.
No Nordeste, a luta pela terra e a resistência das comunidades continuam vivas, mesmo diante da violência. Na tarde do sábado (11), Ana Paula Costa Silva e Aldecy Vitunno Barros, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foram alvejados no acampamento Quilombo do Livramento, Sítio Rancho Dantas, no município de Princesa Isabel, no Sertão da Paraíba. No dia 05, Josimar da Silva Pereira, trabalhador rural sem-terra e acampado em área de conflito agrário havia sido assassinado em Vitória de Santo Antão, Zona da Mata de Pernambuco.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) cobra uma atuação enérgica, imediata e efetiva por parte do Estado no que se refere à investigação, identificação e punição dos responsáveis pelos crimes. Caso atue de maneira omissa e descompromissada, o Estado brasileiro será também responsável pela perpetuação do martírio que aflige os empobrecidos da terra. Nesse caso, a omissão tornar-se-á tão grave e cruel quanto os próprios crimes cometidos.
Todos esses casos apresentados nos colocam mais uma vez diante da histórica violência, degradação e injustiça a que estão submetidos os povos do campo no Brasil, e da urgência de realização de reforma agrária ampla e efetiva e demarcação de territórios no país. Inúmeras são as comunidades que aguardam há anos a concretização de seu direito legítimo de acesso e permanência em seus territórios, estando como que refugiadas em seu próprio país.
Após anos de abandono nessa política pelo Governo Federal, a vulnerabilidade das comunidades nos acampamentos, ocupações, assentamentos e territórios tradicionais e originários é uma dura realidade que precisa ser olhada com atenção pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
A situação reflete a perversidade do latifúndio no Brasil, que busca perpetuar seu poder sobre a terra com o uso da violência contra aqueles e aquelas que resistem. Nesse sentido, as ameaças de morte, assassinatos e a expulsão das comunidades de seus territórios tornam-se práticas comuns. Tanto a pistolagem, quanto as milícias rurais e as empresas de segurança privada, são instrumentos para a prática desses crimes, visando a concretização da grilagem e o domínio territorial de áreas tradicionalmente ocupadas, ou reivindicadas pelas comunidades do campo.
A violência dos últimos dias deve ser, para nós, um alerta! Tratamos aqui de conflitos extremamente complexos que demandam também respostas complexas. Nesse sentido, as respostas devem ser abrangentes, atacando diretamente a raiz dos problemas.
Reivindicamos que a Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo assuma com urgência esse papel, articulando respostas governamentais em ação dialógica entre o Estado, nas esferas administrativa e judiciária, em nível federal e estadual, em conjunto com a sociedade civil. É urgente o desenvolvimento de ações articuladas pautadas em dois princípios fundamentais: garantia do direito à terra e ao território para as comunidades; e combate à impunidade frente aos crimes praticados pelo latifúndio.
Ademais, os estados também devem assumir sua responsabilidade no combate à impunidade, dada a competência das secretarias de segurança pública para investigação. Seguindo protocolos de devida diligência baseados na imparcialidade e celeridade, deverá promover investigações e subsidiar o Ministério Público para instaurar os procedimentos judiciais necessários à responsabilização dos agentes causadores da violência no campo.
Assim, convivendo com a dor da perda de tantas vidas e sentindo no coração a fome e a sede de justiça, reafirmamos o nosso compromisso de estarmos irmanadas e irmanados com cidadãos e cidadãs camponesas, indígenas e quilombolas e suas comunidades, que são as mais vulneráveis diante do poder do capital. Ansiamos, como Pastoral da Terra, pela paz, pelo bem viver e pelo fim das desigualdades sociais no campo e na cidade.
Goiânia, GO, 14 de novembro de 2023
Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT
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Combate Racismo Ambiental recebeu da empresa Agropalma a reação abaixo à Nota da Comissão Pastoral da Terra:
COMUNICADO À IMPRENSA
A Agropalma está aguardando a investigação dos fatos pelos órgãos competentes. A empresa se coloca à disposição das autoridades e irá colaborar com a elucidação dos acontecimentos.