O povo implora por diretos básicos e dá respostas para a reconstrução de Maceió, apesar do descaso da mineradora
Pedro Stropasolas, Brasil de Fato
Maceió ainda chora e adoece mesmo após uma CPI que, na teoria, garantiu pontos importantes no caminho de uma reconstrução justa e digna para as 60 mil pessoas diretamente impactadas pelo crime da Braskem.
A CPI representou um marco por alguns fatores. Primeiro, pela admissão de culpa pelo afundamento do solo por parte de um diretor da petroquímica, o que ocorreu pela primeira vez desde o início dos tremores na cidade, em 2018.
Depois, por atestar oficialmente que o nome para o que ocorre em Maceió não é tragédia, mas crime. Algo que, aqui no Brasil de Fato, chamamos pelo nome desde as primeiras aparições de rachaduras nas casas e ruas dos cinco bairros destruídos pela mineradora. No relatório final aprovado em 21 de maio, a mineradora e seu vice-presidente, Marcelo de Oliveira, foram indiciados, entre outros, pelo crime de “lavra ambiciosa”.
O último ponto de destaque de uma CPI que surgiu manchada pela disputa política entre Arthur Lira e Renan Calheiros foi reafirmar o que todo mundo já sabe (ou deveria saber): a necessidade de resolver os problemas das famílias que ainda vivem em áreas de risco.
No caso do bairro do Bom Parto, nem mesmo os senadores da CPI visitaram as famílias que ainda vivem sob rachaduras, suscetíveis às enchentes nas margens da Lagoa Mundaú. No Beco do Sargento, mostramos o descaso da mineradora e da Defesa Civil Municipal com a população que deseja ser realocada, mas segue morando em casas prestes a desmoronar nas proximidades das 35 minas de extração de sal-gema da Braskem, desativadas desde 2019.
Já havíamos visitado o bairro em dezembro do ano passado, durante o colapso da mina 18, e, por surpresa nossa, as condições de vida estavam ainda mais deterioradas. Além da precariedade das casas, o desemprego e o alcoolismo seguem em alta e muitas famílias só dormem às custas de remédios.
A petroquímica inclusive acionou a justiça para impedir que essas famílias fossem incluídas no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), que daria o direito a realocação. É uma realidade “sub-humana”, definiu o presidente da Associação do Bairro do Bom Parto, Fernando Lima.
O relatório final do senador Rogério Carvalho (PT-SE) é enfático ao solicitar que a Defesa Civil de Maceió reestruture o mapa de risco e revise os acordos de indenização das famílias atingidas. O texto pede também que se considere o “risco de ilhamento socioeconômico”, como acontece na comunidade dos Flexais, que não entrou na área de risco, mas teve todos os equipamentos públicos que atendiam à população realocados ou desativados.
Mas o que vem sendo feito é o oposto. Nos Flexais, mostramos que, embora 74% das 2,7 mil famílias desejam ser realocadas para outro local, a mineradora continua com as obras de revitalização da comunidade, a contragosto de quem vive por lá. E pior: gerando transtornos para quem mora nos arredores das máquinas, com barulho e poeira.
O forte artigo de Maurício Sarmento, morador dos Flexais, expôs o depoimento que a CPI precisa ter escutado. A comunidade onde também viveu Nise da Silveira, referência em psiquiatria humanizada, é sintetizada pela liderança do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem como um local que “tinha uma vida pulsante e ativa, mas virou lugar de terror”.
Em outra frente de luta por justiça em Maceió, está a valente e combativa Igreja do Pinheiro, um dos últimos imóveis a ser desocupado pela Defesa Civil após o colapso da mina 18 da Braskem, em dezembro.
Mostramos que os membros do espaço liderado pelo Pastor Wellington Santos vêm lutando na justiça para voltar a seu endereço de origem, na Rua Miguel Palmeira. A comunidade religiosa denuncia o “crime imobiliário” levado a cabo pela mineradora que, através de um acordo assinado com o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, se torna dona da área dos imóveis que indenizar.
Por essa luta incansável contra a mineração irregular na capital alagoana, o pastor da Igreja do Pinheiro será o nome apoiado pelo MST para concorrer a uma vaga na Câmara dos Vereadores em 2024.
Estivemos no lançamento de sua candidatura e mostramos, a partir das vozes progressistas e dos movimentos populares, o que estará em jogo nas eleições municipais deste ano. Obviamente, o caso da Braskem está no centro do debate.
Também é preciso pontuar como o esfacelamento da saúde mental é uma constante entre os atingidos em Maceió. As consequências da destruição dos cinco bairros da capital alagoana sobre a saúde mental da população são evidenciadas através de uma pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Os casos de ideação suicida aumentaram de 2% para 27,5% após a remoção dos bairros de origem, desde 2018. Já o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) contabiliza 13 mortes por suicídio após o afundamento do solo. Tudo isso acontecia enquanto a Braskem patrocinava o programa Big Brother Brasil 23 e pagava celebridades da TV e influenciadores das redes sociais para difundirem ações de “marketing verde”.
Por fim, o que precisamos destacar é que, mesmo sufocada, a mobilização popular continua a denunciar as injustiças e apontar caminhos para uma reparação justa. A Braskem, a justiça e as próprias instituições públicas, no entanto, travam esse direito. Nas ruínas da cidade, nos tribunais, e na política, a voz do povo, principalmente a do mais pobre, é constantemente silenciada. Mas ela nunca morre.
Seguiremos atentos e monitorando o descaso de uma mineradora milionária que destruiu 20% de uma capital brasileira e deixou sequelas para toda uma população. Também cobraremos dos órgãos públicos que atuem por essas famílias antes que seja tarde.
Se a Braskem deseja o silêncio, aqui mostraremos o grito das 60 mil vozes maceioenses que lutam incansavelmente pelo direito de existir.
Sigam conosco.
*Pedro Stropasolas é repórter do Brasil de Fato e autor de reportagens sobre o crime da Braskem em Maceió (AL).
Edição: Martina Medina
—
Foto: Edilson Omena / Reprodução Tribuna Hoje