Café Amargo

Relatório liga trabalho escravo em fazendas de café brasileiras a multinacionais como Nestlé e Jacobs Douwe Egberts

Repórter Brasil

A existência de graves problemas trabalhistas na produção do café brasileiro é o foco de um relatório que acaba de ser lançado pela ONG dinamarquesa Danwatch. Além de casos de trabalho análogo ao de escravo no setor, a investigação chama a atenção para flagrantes de trabalho infantil e para o uso de agrotóxicos proibidos na Europa em lavouras do país. O Brasil é o maior produtor e exportador mundial do grão.

Segundo a Danwatch, as más condições trabalhistas afetam a cadeia de fornecedores das duas maiores empresas globais de café – a Nestlé, sediada na Suíça, e a multinacional holandesa Jacobs Douwe Egberts. Justas, elas controlam aproximadamente 40% das vendas mundiais do produto.

Procuradas pela Danwatch, ambas as empresas admitem, de acordo com o relatório, que grãos de café oriundos de plantações onde foram identificadas condições análogas à escravidão podem ter terminado em seus produtos. A Nestlé também admitiu ter comprado café de duas plantações onde as autoridades brasileiras resgataram trabalhadores da escravidão. Os flagrantes de trabalho escravo ocorreram em julho de 2015.

“Estamos determinados a enfrentar este complexo problema em estreita colaboração com os nossos fornecedores, com os quais entramos em contato”, disse a multinacional suíça em uma declaração por escrito à organização dinamarquesa. Já a Jacobs Douwe Egberts afirmou ter procurado todos os seus fornecedores para pedir-lhes explicações sobre as medidas tomadas visando garantir que eles não compram café de plantações que empregam esse tipo de mão de obra.

Libertação de dois adolescentes em fazenda no sul de Minas Gerais. Foto: Lilo Clareto
Libertação de dois adolescentes em fazenda no sul de Minas Gerais. Foto: Lilo Clareto

Trabalho infantil e agrotóxicos

O relatório também cita que o emprego de mão de obra com menos de 16 anos na colheita do café ainda é uma realidade no Brasil. Numa fiscalização trabalhista acompanhada pela Danwatch no estado de Minas Gerais, em julho de 2015, auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagraram dois jovens, de 14 e 15 anos, exercendo a atividade. Tinham migrado da Bahia para a colheita e estavam alojados em condições precárias. Por conta do trabalho, um deles relatou ter perdido um mês de aulas.

Outro problema abordado é o uso de agrotóxicos perigosos nas fazendas brasileiras de café, incluindo substâncias consideradas extremamente tóxicas e que já foram banidas pela União Europeia. A investigação da Danwatch traz entrevistas com trabalhadores que rotineiramente aplicaram tais produtos em cafezais. Eles relataram problemas de saúde e sintomas que, segundo pesquisadores ouvidos, podem estar relacionados com a exposição tais produtos.

Segundo a organização dinamarquesa, alguns dos produtos usados em lavoras de café brasileiras são tão tóxicos que o mero contato com a pele pode levar ao óbito. “Mesmo assim, muitos trabalhadores pulverizam os pés de café com agrotóxicos sem usar os equipamentos de proteção exigidos pela lei”, diz o relatório.

O alto índice de informalidade na colheita do café, relatado por organizações ligadas aos direitos dos trabalhadores, é outro problema destacado pela investigação.

Francisco Paulo Pereira aplicava agrotóxicos sem equipamento de proteção. Foto: Lilo Clareto
Francisco Paulo Pereira aplicava agrotóxicos sem equipamento de proteção. Foto: Lilo Clareto

Repercussão

Em nota encaminhada à Repórter Brasil, a Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere-MG) afirmou que o relatório da Danwatch “mostra as vergonhosas e precárias relações de trabalho na cafeicultura mineira, cafeicultura que não respeita os direitos de seus empregados, a legislação trabalhista e que tem ainda as suas senzalas ‘modernas’, mascaradas de alojamento”. Ainda de acordo com a articulação, se todas as denúncias fossem fiscalizadas corretamente e em tempo hábil, a quantidade de trabalhadores resgatados em fazendas da região seria muito maior.

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg) também se manifestou sobre o relatório. A entidade afirma que os trabalhadores enfrentam grandes problemas como informalidade, más condições de trabalho, transporte irregular e aliciamento por “gatos” – intermediadores na contratação de mão de obra que iludem os trabalhadores com a promessa de bons salários e boas condições de trabalho. “Temos avançado bastante na melhoria das condições de trabalho no campo, mas ainda encontramos trabalho análogo à escravidão. O problema é que o Ministério do Trabalho tem uma deficiência de profissionais para fiscalizar as propriedades”, ressalta Vilson Luiz da Silva, presidente da Fetemg.

Organizações ligadas aos produtores rurais e às cooperativas de café, por sua vez, divulgaram comunicado conjunto repudiando o estudo da Danwatch, que foi qualificado como sensacionalista pelo Conselho Nacional do Café (CNC) e pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “O relatório “Café Amargo” possui forte viés ideológico e demonstra grande ignorância sobre a realidade produtiva do Brasil, bem como do aparato institucional do setor café e do arcabouço legal que rege as relações trabalhistas e o registro, a produção, o comércio e o uso de defensivos agrícola”, diz o comunicado.

Sobre os flagrantes de mão de obra escrava na cafeicultura brasileira, CNC e CNA alegam que o critério de trabalho escravo no Brasil é muito subjetivo. “O prejulgamento por parte da ONG [Danwatch] é uma grande injustiça, até porque a fiscalização não é imparcial ao enquadrar o labor como análogo ao de escravo. Pelo contrário, possui forte viés ideológico e muitas vezes se equivoca”, defendem as entidades.

A UTZ, uma das principais certificadoras globais de fazendas de café, também se manifestou por meio de nota, afirmando que o relatório da organização dinamarquesa chama a atenção para os graves problemas encontrados no café brasileiro em relação às condições de trabalho, problemas estes que precisam de ser resolvidos a fim de criar uma cadeia de fornecimento sustentável.

Para baixar a íntegra do relatório, que foi lançado na última quinta-feira (3), clique aqui.

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