Nota de destaque da denúncia do MPF sobre o homicídio qualificado da Samarco/Barragem de Fundão

Por Solidariedade aos Atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco

“A grota da VALE, ponto conhecido por receber a contribuição do sistema de drenagem interna da pilha de estéril da mina da Fábrica Nova de propriedade da VALE (PDE Permanente II), era uma interferência ao SRF [sistema de rejeitos de Fundão] já prevista desde o projeto original, apresentado para licenciamento junto à SEMAD, em 2005.

Na Licença Prévia n.º 006, 26 de abril de 2007 já constava a condicionante número 3: ‘apresentar (até a data de requerimento da LI/licença de instalação) o projeto das adequações que serão implementadas visando assegurar a estabilidade do depósito de estéril da Mina da CVRD (VALE), tendo em vista a possível interferência do lago da barragem sobre a mesma’.

Contudo, a necessidade operacional da SAMARCO aparentemente não podia aguardar a regular tramitação do processo de licenciamento junto aos órgãos ambientais. Em junho de 2007, o Conselho de Administração da SAMARCO, em reunião da qual participaram os denunciados JOSÉ CARLOS MARTINS e RICARDO VESCOVI, recomendou à Diretoria da SAMARCO que a barragem de Fundão fosse construída o mais breve possível. Isso porque recente auditoria realizada na barragem de Germano identificara a iminência da exaustão de sua capacidade de reserva de rejeitos, o que seria agravado com a entrada em operação das estruturas de expansão inseridas no P3P [terceira usina de pelotização].

A partir da clara orientação do Conselho de Administração, foi realizada, em 04/06/2007, reunião do recém-criado Comitê de Barragens da SAMARCO, da qual participaram pela empresa, dentre outros Ricardo Vescovi, Márcio Perdigão e Daviely Rodrigues. Do registro da ata, colhe-se a seguinte passagem, transcrita na integralidade:

‘MÁRCIO PERDIGÃO: o estatuto do comitê está pronto e foi enviado para o João Pedro. Está confirmado o AD REFERENDUM para a LI de Fundão. Eduardo Matoso é o contato da Samarco na FEAM e o parecer da análise técnica está previsto para o dia 06/06. VITOR FEITOSA está em contato com o SHELIM*.

RICARDO VESCOVI: providenciar uma reunião com o SHELIM para amanhã, dia 05/06, e aguardar sensibilização do secretário da FEAM. (…)’

Percebe-se que, na data da reunião do Comitê, 04/06/2007, um dia antes da publicação da manifestação técnica de servidor da SEMAD contrária à emissão da LI**, em virtude da não apresentação, dentre outros, de informações sobre projeto executivo e/ou básico da barragem, Márcio Perdigão já tinha confirmado que obteria a aprovação ‘ad referendum’ para a LI de Fundão.

As certezas de Perdigão realmente se concretizaram e, em 15/06/2007, o então Secretário Adjunto da SEMAD, Shelley Souza Carneiro, ‘sensibilizado’ com reunião teoricamente realizada com Ricardo Vescovi, emitiu a LI ‘ad referendum’ do COPAM, desconsiderando-se o não cumprimento da condicionante 4 (apresentação do projeto executivo da barragem) e da condicionante 3 (apresentar o projeto das adequações que seriam implementadas, visando assegurar a estabilidade do depósito de estéril da Mina da VALE, tendo em vista a possível interferência do lago da barragem sobre a mesma).

Posteriormente, por razões tecnicamente não compreendidas, a FEAM confirmou o licenciamento ad referendum e concedeu a Licença de Instalação n.º 068, de 28 de junho de 2007. Transcrevemos as razões do órgão ambiental:

‘Condicionante 3 – A Samarco informou que em reunião realizada com representantes da Cia. Vale do Rio Doce, foi acertado que a CVRD fará um projeto de adequação de sua pilha de estéril, visando suprimir a interferência com o reservatório da barragem. Considerando que esta interferência ocorrerá somente no terceiro ano de operação da barragem, ainda não foi elaborado o projeto final da nova configuração de pé da pilha de estéril. A Samarco informou que, se compromete encaminhar o projeto à FEAM, em tempo hábil, antes de ocorrer a suposta interferência das duas estruturas. A justificativa foi considerada satisfatória, em atendimento a condicionante referenciada.’

Como se vê, apenas em agosto de 2013, foram iniciadas as obras para contornar o problema já previsto ao menos desde 2007, cuja solução intempestiva apenas foi possível em virtude do imbróglio acima narrado.”

[cf. pgs. 111-112 da denúncia/MPF]

* Shelim é SHELLEY SOUZA CARNEIRO, então secretário adjunto de Meio Ambiente de Minas Gerais/governo Aécio Neves. Dizia-se que Shelley era o homem da Fiemg no Meio Ambiente estadual. A Fiemg era então presidida por Robson Andrade, atual presidente da Confederação Nacional das Indústrias/CNI. Shelley responde pela gerência executiva de meio ambiente da atual CNI.

** O documento foi enviado pelo Gerente de Desenvolvimento e Apoio Técnico às Atividades Minerárias da FEAM, Caio Márcio de Benício Rocha, no MEMO/GEDAM/Nº 053/2007, de 5 de junho de 2007, ao Secretário Adjunto da SEMAD Shelley Souza Carneiro (Processo SEMAD 00015/1984/061/2007, f. 226).

OBS: Nesta passagem da DENUNCIA do MPF, a nota 94 informa que “considerando os fortes indícios de irregularidades na concessão AD REFERENDUM da Licença de Instalação, o MPF, ao término das investigações, encaminhará cópia da documentação levantada para as autoridades competentes.”

[Cf. Processo 000/15/1984/054/2006, f.421 (Cf. mídia de fl. 630 do IPL n.º 1843/2015).].

Imagem: Bento Rodrigues pós Samarco. Foto de Helena Wolfenson

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Gustavo T Gazzinelli.

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