Segundo pesquisadores, mudanças nas regras farão com que quase metade das mulheres contribuintes não consiga se aposentar, especialmente as de piores condições de trabalho
por Vitor Nuzzi, da RBA
São Paulo – Estudo feito por um grupo de trabalho no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta consequências negativas, para as mulheres, da pretendida reforma da Previdência. Os pesquisadores concluem que quase metade das atuais contribuintes, em especial as de piores condições de trabalho, não conseguiram se aposentar. Eles também veem “elitização e masculinização” dos benefícios previdenciários, afirmando que a reforma prevista pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287 “voltará a refletir a extrema desigualdade do mercado de trabalho”.
“Estimamos que cerca de 47% das atuais contribuintes não conseguirão se aposentar, em geral as mais precarizadas, aumentando fortemente a demanda por BPC (benefício de prestação continuada)”, diz o estudo, divulgado ontem (8) durante seminário sobre a reforma da Previdência, promovido pelo Dieese, em São Paulo. “Eles sabem disso. Por isso mesmo, estão desvinculando o BPC do salário mínimo”, diz a pesquisadora Joana Mostafa, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. Para ela, a proposta de reforma representa “redução do Estado na proteção social”.
Ainda de acordo com o estudo, a igualdade de idade entre homens e mulheres na idade mínima para aposentadoria é uma “mudança radical” na participação feminina na Previdência. “A diferença de idades para homens e mulheres reconhece um maior risco da mulher de se ausentar ou participar menos do mercado de trabalho por força da divisão sexual do trabalho ainda desigual.” Além disso, acrescentam os pesquisadores, “nenhuma medida compensatória foi apresentada pelo governo”.
Joana observa que houve, de fato, alguma redução nessa diferença nos últimos anos, mas a desigualdade persiste. O salário das mulheres, por exemplo, corresponde a 70% do recebido pelos homens, em média. E as mulheres têm uma jornada semanal de 55 horas, ante 47 dos homens. Considerando um período de 25 anos de contribuição, essas oito horas a mais correspondem a um acréscimo de 4,5 anos. Ou até mais, já que o Dieese estima que para cada 12 meses, o trabalhador contribui durante nove, considerando fatores como a rotatividade. Assim, a diferença sobe para 5,4 anos.
Sistema solidário
Um homem e uma mulher de 22 anos e que se aposentam aos 65 têm, portanto, 43 anos de contribuição. Mas, dada a diferença de jornadas, a mulher têm 7,8 anos a mais de trabalho efetivo.
Um dos argumentos do governo, lembra a pesquisadora do Ipea, é de que existe uma tendência mundial, nas reformas, de reduzir ou eliminar o diferencial de idade. Ela concorda, mas observa que nos países que fizeram reformas a desigualdade entre homens e mulheres não é tão grande. Além disso, Joana argumenta que o sistema previdenciário brasileiro é “solidário”, não de “equidade individual”, de capitalização.
O estudo do grupo de trabalho sobre gênero e previdência mostra ainda que os trabalhadores com menor tempo de vínculo profissional – ou seja, menor tempo de contribuição – são os menos escolarizados. “São a maioria dos que se aposentam por idade e são esses que serão expulsos do sistema com a mudança (de 15) para 25 anos.”
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Foto: Joana, do Ipea: desigualdade entre homens e mulheres no Brasil não permite eliminar diferenças para efeito de aposentadoria